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Ho Chi Minh: "Linchamentos: aspecto pouco conhecido da sociedade norte-americana"


É bem conhecido o fato da raça negra ser a mais oprimida e a mais explorada do gênero humano. É bem conhecido que a expansão do capitalismo no mundo e a descoberta do Novo Mundo tiveram como resultado imediato o renascimento da escravidão que foi, por séculos, um flagelo para os negros e uma terrível desgraça para a humanidade. O que talvez nem todos saibam é que após 65 anos da dita emancipação, os nervos norte-americanos ainda enfrentam sofrimentos morais e materiais atrozes, dos quais o mais cruel e horrível é a prática do linchamento.

A palavra “linchamento” vem de “Lynch”. Lynch era o nome de um fazendeiro de Virginia, um latifundiário e juiz. Valendo-se dos problemas da Guerra de Independência, ele assumiu controle de todo o distrito para si. Ele praticava as punições mais selvagens, sem julgamento ou processos legais. Graças aos comerciantes de escravos, Ku Klux Klan e outras sociedades secretas a prática bárbara e ilegal do linchamento vem se espalhando e prossegue amplamente nos Estados da União. Tornou-se mais desumana desde a emancipação dos negros e se dirige especialmente contra estes últimos.

Imagine uma horda furiosa. Punhos cerrados, olhos vermelhos de sangue, boca espumando, gritos, insultos, jogando pragas. Esta horda é motivada pelo prazer selvagem de cometer um crime sem risco nenhum. Estão armados com paus, tochas de fogo, revólveres, facas, tesouras, ácido, punhais, com tudo que pode ser usado para matar ou ferir alguém.

Imagine neste mar humano, carne negra sendo puxada, espancada, pisoteada, rasgada, mutilada, jogada para lá e para cá, manchada de sangue, morta. A horda são os linchadores. O farrapo humano é o negro, a vítima.

Em uma onda de ódio e bestialidade, os linchadores levam o negro a uma árvore ou algum local público. Eles os amarram em uma árvore, jogam querosene sobre seu corpo, o cobrem com material inflamável. Enquanto esperam o fogo acender, quebram seus dentes, um por um. Então, arrancam seus olhos. Pequenos tufos de cabelo crespo são arrancados de sua cabeça, levando pedaços de pele junto com eles, expondo um crânio sangrento. Pequenos pedaços de carne saem do seu corpo, já contundido após os golpes.

O negro não pode mais gritar: sua língua foi inchada por um ferro em brasa. Todo seu corpo murmura, tremendo, como uma cobra esmagada. Uma facada: uma de suas orelhas cai no chão. Oh! Vejam como ele é negro! Que terrível! E as senhoras choram em seu rosto...

“Acende!” – grita alguém – “o suficiente para cozinhá-lo bem devagar”, outro acrescenta.

O negro é torrado, queimado, carbonizado. Mas ele merece morrer duas vezes ao invés de uma. Portanto, ele é enforcado, ou para ser mais exato, o que restou de seu corpo é enforcado. E todos aqueles que não conseguiram ajudar a incendiá-lo, agora aplaudem.

Viva!

Quanto todos já se cansaram, o corpo é derrubado. A corda é cortada em pedaços que serão vendidos cada um por três ou cinco dólares. Lembranças e amuletos da sorte disputados entre as mulheres.

A “justiça popular”, como eles dizem, foi feita. Com tudo mais calmo, a multidão parabeniza os “organizadores” e então anda de forma leve e alegre, como se estivessem voltando de uma festa, fazendo comentários uns com os outros sobre a próxima.

Enquanto isso, no chão, fedendo a gordura e fumaça, uma cabeça negra mutilada, queimada, deformada, ri sarcasticamente e aparenta se perguntar ao sol se pondo: “é isto a civilização?”

Algumas estatísticas

De 1889 até 1919, 2 mil e 600 negros foram linchados, incluindo 51 mulheres e meninas e dez ex-soldados da Grande Guerra.

Entre os 78 negros que foram linchados em 1919, 11 foram queimados vivos, três queimados após serem mortos, 31 baleados, três torturados até a morte, um mutilado, um afogado, e 11 sentenciados à morte por vários meios.

A Georgia lidera a lista, com 22 vítimas, Mississipi vem logo em seguida, com 12. Ambos também têm na lista três soldados linchados. Dos 11 queimados vivos, o primeiro Estado tem quatro e o segundo, dois. Dos 34 casos de linchamentos sistemáticos, premeditados e organizados, ainda é a Georgia que mantém o primeiro lugar com cinco. Mississipi vem logo em seguida, com três.

Entre as acusações levadas contra as vítimas de 1919, notamos: 1. Uma de ter sido membro da Liga dos não-Partisans (agricultores independentes); 2. Expressar muito livremente sua opinião sobre os linchamentos; 3. Ter distribuído publicações revolucionárias; 4. Ter criticado os confrontos entre brancos e negros em Chicago; 5. Ser conhecido como líder da causa dos negros; 6. Não ter saído da rua e, portanto, ter assustado uma criança branca que estava em um carro.

Em 1920, houve 50 linchamentos e em 1923, 28.

Estes crimes foram todos motivados pela cobiça econômica. Ou os negros nos lugares eram mais prósperos que os brancos, ou os trabalhadores negros não se deixariam ser explorados completamente. De qualquer forma, nunca acontecia nada aos principais culpados, pelo simples motivo de que eram sempre incitados, encorajados, estimulados e depois protegidos pelos políticos, financistas e autoridades e, acima tudo, pela imprensa reacionária.

Quando ia ocorrer ou tinha ocorrido um linchamento, a imprensa aproveitava aquilo como uma boa chance de aumentar as vendas.

O caso seria relatado com grande riqueza de detalhes. Sem a menor condenação dos criminosos. Nenhuma palavra de piedade pelas vítimas. Nenhum comentário.

O New Orleans States de 28 de junho de 1919, publicou uma manchete na capa em letras grandes: “Hoje um negro será queimado por 3 mil cidadãos”. E imediatamente abaixo, em letras muito pequenas: “Sob uma grande escolta, o Kaiser pegou o avião com o príncipe herdeiro”.

O Jackson Daily News do mesmo dia, publicou entre as duas primeiras colunas de sua capa em letras grandes: “Negro J.H. a ser queimado por multidão em Ellistown esta tarde, 5 p.m.”. O jornal apenas se recusou a acrescentar “toda a população está encarecidamente convidada a comparecer”. Mas o espírito disso está lá.

Alguns detalhes

“Esta tarde às 7:40 da noite, J.H. foi torturado com uma barra de ferro em brasa vermelha, e depois queimado... Uma multidão de mais de 2000 pessoas, muitas sendo mulheres e crianças, estavam presentes no ocorrido... Após o negro ser amarrado por trás, se acendeu o fogo. Um pouco mais longe dali outro incidente com uma barra de ferro ocorria. Quando a barra ficava vermelha, um homem pegava e a aplicava no corpo do negro. O segundo, aterrorizado, pegava a barra com suas mãos e enchia o ar com o odor de pele queimada. Com a barra de ferro quente aplicada em várias partes de seu corpo, seus gritos e choros podiam ser ouvidos de muito longe. Após vários minutos de tortura, homens mascarados despejaram gasolina nele e ateavam fogo em uma estaca. As chamas subiam e cobriam o negro que implorava que o matassem. Suas implorações provocaram gritos de escárnio”. (Chatanooga Time, 13 de fevereiro de 1918)

“15 mil pessoas, homens, mulheres e crianças, aplaudiram quando gasolina foi derramada sobre o negro e o fogo ateado. Eles lutaram, gritaram e se empurraram para chegarem mais perto do negro... Dois deles cortaram suas orelhas enquanto o fogo começava a queimá-lo. Outro tentou cortar seus pés. A multidão surgiu e mudou de lugar para que todos pudessem ver o negro queimar. Quando sua pele estava inteiramente queimada, os ossos desnudados e o que tinha sido um ser humano agora era apenas um farrapo deformado e queimado, todos ainda estavam lá observando”. (Memphis Press, 22 de maio de 1917)

“Homens de todas as classes sociais, mulheres e crianças estavam presentes no cenário. Muitas mulheres da classe alta seguiram a multidão de fora da prisão, outros se juntaram a ela de pátios vizinhos. Quando o cadáver do negro caiu, os pedaços de corda foram calorosamente disputados”. (Vicheburg Evening Post, 4 de maio de 1919)

“Alguém cortou suas orelhas e outro removeu seu órgão sexual. Ele tentou se agarrar à corda, seus dedos foram decepados. Enquanto estava sendo içado à uma árvore, um homem enorme esfaqueou seu pescoço; ele recebeu ao menos 25 golpes. (...) Ele foi içado várias vezes e em seguida puxado para dentro de um fogareiro. Finalmente um homem o amarrou em um cavalo que arrastou o cavalo pelas ruas de Waco. A árvore que havia ocorrido o enforcamento, estava bem debaixo de uma janela da casa do prefeito. Enquanto a multidão agia, o prefeito assistia. Por todo o caminho, todos tomavam parte no mutilamento do negro. Alguns o feriam com pás, picaretas, tijolos, pedaços de pau. O corpo ficou com marcas da cabeça aos pés. Um grito de alegria escapou de milhares de gargantas quando atearam fogo no cadáver. Algum tempo depois, o corpo foi jogado para o ar, para que todos o olhassem, o que gerou grandes aplausos”. (Crisis, julho de 1916)

Vítimas brancas dos linchamentos

Não são apenas os negros, mas também os brancos que ousam defendê-los, como a Sra. Harriet Beecher Stowe – autora da Cabana do Pai Tomás – que sofrem com isso. Elijah Lovejoy foi assassinado, John Brown enforcado. Thomas Beach e Stephen Foster foram perseguidos, atacados e presos. Aqui o que Foster escreveu na prisão: “quando eu olho para meus membros danificados, eu penso que, para me manter aqui, a prisão não será mais necessária por muito tempo. Nestes últimos 15 meses, abriram as grades para mim quatro vezes e por 24 vezes meus compatriotas me expulsaram de suas igrejas, duas vezes me jogaram do segundo andar de suas casas, causaram danos em meus rins uma vez; em outra vez tentaram me marcar a ferro; outra vez 100 mil pessoas tentaram me linchar, e deram 20 socos em minha cabeça, braços e pescoço”.

Em 30 anos, 708 brancos, incluindo 11 mulheres foram linchados. Alguns por terem organizado greves, outros por defenderem a causa dos negros.

Entre a coleção de crimes da “civilização” norte-americana”, certamente o linchamento tem um lugar especial.

artigo de Ho Chi Minh,publicado no La Correspondence Internationale, nº59, 1924

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