"Recordando Ghassan Kanafani: 50 anos do seu assassinato"

Gassan Kanafani, o maior dos literatos palestinos, multifacetado, foi historiador, pintor, desenhista, escritor e jornalista de destaque. Ele só conseguiu viver 36 anos, embora não tenha usado armas em defesa de seu povo, sua melhor arma, sua caneta, era mais eficaz, coisa que o fascismo não suporta, simplesmente o mataram!
Ao longo da história, bárbaros selvagens queimaram bibliotecas (Alexandria, Babilônia, Bagdá, Chile, Palestina), cortaram os dedos de cantores e compositores (Víctor Jara) e assassinaram Gassan Kanafani, mas mais uma vez esqueceram que as pessoas podem morrer, mas a “ideia”, o “pensamento” e a “esperança” crescem, se fortalecem e se multiplicam e são o pão do qual se alimentam a humanidade e os amantes da liberdade.
Gassan Kanafani um dos valores mais destacados da literatura palestina contemporânea. Se Mahmud Darwish representa a poesia, Kanafani representa a narrativa e, especificamente, a narrativa do exílio.
Kanafani, como quase todos os escritores palestinos, é um intelectual profundamente comprometido com a causa de seu povo. Desde os 15 anos de idade esteve ativamente envolvido na Resistência, ingressando primeiro, em 1953, no Movimento Nacionalista Árabe e, a partir de 1967, na Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP). Em 1956 emigrou para o Kuwait e em 1960 mudou-se para Beirute onde se destacou como jornalista combativo, tornando-se editor-chefe do diário “Al-Muharrir” e fundador do semanário “Al-Hadaf”, órgão oficial da FPLP. Em 8 de julho de 1972, aos 36 anos, foi assassinado junto com sua sobrinha, pelos serviços secretos israelenses, pois “sua caneta era mais eficaz que armas”.
Além de sua intensa atividade jornalística, Kanafani deixou uma considerável obra narrativa (contos e romances) cujo tema central é o sofrimento e o exílio do povo palestino. Esta obra tornou-se amplamente conhecida ao longo dos anos 60 e 70 e constitui um testemunho impressionante, tanto pelo seu cru realismo e pela descrição justa de situações e personagens, como pela indiscutível qualidade literária que tem merecido o reconhecimento da crítica especializada. A essa dimensão criativa devemos acrescentar seus ensaios literários (A literatura da resistência na Palestina ocupada, Literatura sionista) e seus trabalhos sobre problemas políticos que revelam um temperamento preocupado com as definições ideológicas e com o destino de seu povo.
Em 1988, a Editorial Arte y Literatura de Cuba, especializada em traduções de literatura estrangeira, publicou uma das obras mais importantes de Kanafani, a que provavelmente lhe deu mais prestígio: “Man in the Sun”, que surgiu em Beirute (um tradicional refúgio para inteligência Palestina) em 1963, com ilustrações de Muna Al Saudi. Este romance ou novela trata diretamente do problema do exílio, da necessidade imperiosa de emigrar que os palestinos pobres, oprimidos e humilhados têm, a história gira em torno de três palestinos pertencentes a três gerações que lutam desesperadamente para chegar ao Kuwait, miragem da “terra prometida”, um país que supostamente lhes oferecerá bem-estar e os fará esquecer suas inúmeras tristezas.
Ao longo de uma série de episódios e cenas que definem a estrutura da obra, Kanafani consegue prender a atenção do leitor ao apresentá-lo plenamente à tragédia de um povo cuja sobrevivência constitui um desafio para toda a humanidade, sem distinção de partido, credo ou nações. Seguindo a trajetória do caminho para o Kuwait, Kanafani traça cuidadosamente a psicologia de seus personagens populares: Abu Kais, o velho que representa a geração derrotada; Assad e Marwan, representantes das novas gerações: personagens atormentados pela miséria material e social que têm como memória comum a vivência nos campos de refugiados; homens da Palestina eterna que fogem de si mesmos, de sua sombra, de seu passado, mas que são incapazes, por seu extremo individualismo, de vislumbrar a alternativa libertadora.
A presença de elementos líricos que funcionam na história como recursos de intensificação emocional ou dramática é notória na narrativa de Kanafani. tema e o problema político indisfarçável. “Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele as sentiu brotar, queimando, como uma fonte que fluía de suas entranhas até que ele se afogou em lágrimas. Ele queria dizer alguma coisa, mas não conseguia. Ele se virou e saiu para a rua. Tudo ao seu redor flutuava atrás de um véu de lágrimas não derramadas”.
De novo o presente: o rio que se fundia com o céu ali no horizonte. Fragmentos como esse nos dão uma ideia do temperamento estético de Kanafani, sua capacidade de transmitir a realidade em imagens.
Apesar de ter morrido aos 36 anos, Kanafani foi um autor prolífico. Ele escreveu quatro romances completos (e três inacabados), cinquenta e sete contos (coletados em quatro compilações), três peças completas (e uma incompleta), três ensaios literários e uma infinidade de artigos de jornal. O tema da obra de Kanafani levanta (e tenta dar respostas) a questões como a identidade palestina, a pátria perdida (e a terra), a situação dos refugiados ou a consciência individual e coletiva. No entanto, a obra de Kanafani ultrapassa os limites da situação palestina ao levantar temas universais como a felicidade passada, o drama da imigração ou a relação entre tempo e memória.
Mas se um tema se destaca entre todos os outros, é a construção da nação palestina por meio da contação de histórias. A obra de Kanafani não é apenas uma crônica de seu tempo ou uma forma de denunciar a situação do povo palestino. A obra de Kanafani responde à necessidade de construir (literalmente) uma nação que, até o desastre de 1948, não tinha necessidade de fazê-lo. Em sua obra, a nação palestina é uma narrativa construída com diferentes ferramentas textuais (a ideia de nação-narrativa é amplamente definida na obra de K. Bhabha, “Nation e Narration”). Kanafani utiliza diferentes recursos estilísticos como simbolismo, diálogo interno, memória ou impressões sensoriais para, como sugerem Yahya Hassan e Noritah Omar, criar uma terra, uma nação e criar um espaço para ele e seu povo.
Do Palestina Libre