"Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental"

"Está na hora dos fornos e não se há de ver mais que a luz" José Martí
Cumpriram-se já vinte e um anos desde o fim da última conflagração mundial e diversas publicações, em infinidade de línguas, celebram o acontecimento simbolizado na derrota do Japão. Há um clima de aparente otimismo em muitos setores dos díspares campos em que o mundo se divide.
Vinte e um anos sem guerra mundial, nestes tempos de confrontações máximas, de choques violentos e mudanças repentinas, semelham uma cifra muito alta. Mas, sem analisarmos os resultados práticos dessa paz por que todos nos manifestamos dispostos a lutar (a miséria, a degradação, a exploração cada vez maior de enormes setores do mundo) cabe perguntar-se se ela é real.
Não é a intenção destas notas historiar os diversos conflitos de caráter local que se sucederam desde a rendição do Japão, nem é a nossa tarefa fazer o reconto, numeroso e crescente, de lutas civis ocorridas durante estes anos de pretendida paz. Chegue-nos a pôr como exemplos contra o desmedido otimismo as guerras da Coreia e do Vietnã.
Na primeira, após anos de luta feroz, a parte norte do país ficou submetido na mais terrível devastação que figure nos anais da guerra moderna; cheia de bombas; sem fábricas, escolas ou hospitais; sem nenhum tipo de habitação para albergar dez milhões de habitantes.
Nesta guerra intervieram, sob a bandeira das Nações Unidas, dezenas de países conduzidos militarmente pelos Estados Unidos, com a participação massiva de soldados dessa nacionalidade e o uso, como carne de canhão, da população sul-coreana levada.
No outro bando, o exército e o povo da Coreia e os voluntários da República Popular Chinesa contaram com o abastecimento e a assessoria do aparelho militar soviético. Por parte dos americanos figuram-se toda a classe de provas de armas de destruição, excluindo as termonucleares, mas incluindo as bacteriológicas e químicas, em escala limitada. No Vietnã, sucederam-se ações bélicas, sustentadas pelas forças patrióticas desse país quase ininterruptamente contra três potências imperialistas: o Japão, cujo poderio sofrera uma queda vertical a partir das bombas de Hiroshima e Nagasaki; França, que recupera daquele país vencido as suas colônias indochinesas e ignorava as promessas feitas em momentos difíceis; e os Estados Unidos, nesta última fase da contenda.
Houve confrontos limitados em todos os continentes, ainda quando no americano, durante muito tempo, só se produziram conatos de luta de libertação e quartelaços, até que a Revolução cubana dera a sua clarinada de alerta sobre a importância desta região e atraíra as iras imperialistas, obrigando-a à defesa das suas costas em Praia Girón, primeiro, e durante a Crise de Outubro, depois.
Este último incidente pode ter provocado uma guerra de incalculáveis proporções, ao produzir-se, em torno de Cuba, o choque de norte-americanos e soviéticos.
Mas, evidentemente, o foco de contradições, neste momento, está radicado nos territórios da península da Indochina e os países próximos. Laos e Vietnã som sacudidos pelas guerras civis, que deixam de ser tais ao tornar presente, com todo o seu poderio, o imperialismo norte-americano, e toda a zona se converte numa perigosa espoleta pronta a detonar.
No Vietnã, o confronto adquiriu características duma agudeza extrema. Também não é a nossa intenção historiar esta guerra. Simplesmente, assinalaremos alguns fitos para a lembrança.
Em 1954, após a derrota aniquiladora de Dien-Bien-Phu, assinaram-se os acordos de Genebra, que dividiam o país em duas zonas e estipulavam a realização de eleições num prazo de 18 meses para determinar quem devia governar o Vietnã, e como se reunificaria o país. Os norte-americanos não assinaram o dito documento, começando as manobras para substituir o imperador Bao Dai, títere francês, por um homem adequado ás suas intenções. Este resultou ser Ngo Din Diem, cujo trágico fim – o da laranja espremida polo imperialismo – é conhecido de todos.
Nos meses posteriores à assinatura do acordo, reinou o otimismo no campo das forças populares. Desmantelaram-se redutos de luta antifrancesa no sul do país e aguardou-se o cumprimento do pactuado. Mas logo compreenderam os patriotas que não haveria eleições a menos que os Estados Unidos se sentissem capazes de impor a sua vontade nas urnas, coisa que não podia ocorrer, ainda empregando todos os métodos de fraude por eles conhecidos.
Novamente se iniciaram as lutas no sul do país, e foram adquirindo maior intensidade até atingirem o momento atual, em que o exército norte-americano se compõe de quase meio milhão de invasores, enquanto as forças títeres diminuem o seu número, e sobretudo, perderam totalmente a combatividade.
Há perto de dois anos que os norte-americanos começaram o bombardeamento sistemático da República Democrática do Vietnã numa tentativa mais de frear a combatividade do Sul e obrigar a uma conferência desde posições de força. Ao princípio, os bombardeamentos foram mais ou menos isolados e revestiam-se com a máscara de represálias por supostas provocações do Norte. Depois, aumentaram em intensidade e método, até se converterem numa gigantesca batida levada a cabo pelas unidades aéreas dos Estados Unidos, dia a dia, com o intuito de destruir todo o vestígio de civilização na zona norte do país. É um episódio da tristemente célebre escalada.
As aspirações materiais do mundo ianque cumpriram-se em boa parte apesar da denotada defesa das unidades antiaéreas vietnamitas, dos mais de 1.700 aviões derrubados e da ajuda do campo socialista em material de guerra.
Há uma penosa realidade: Vietnã, essa nação que representa as aspirações, as esperanças de vitória de todo um mundo preterido, está tragicamente só. Esse povo deve suportar os embates da técnica norte-americana, quase impunemente no Sul, com algumas possibilidades de defesa no Norte, mas sempre só. A solidariedade do mundo progressista para com o povo do Vietnã semelha a amarga ironia que significava para os gladiadores do circo romano o estímulo da plebe. Não se trata de desejar êxitos ao agredido, mas de correr a sua mesma sorte; acompanhá-lo à morte ou à vitória.
Quando analisamos a solidão vietnamita assalta-nos a angústia deste momento ilógico da humanidade. O imperialismo norte-americano é culpável da agressão; os seus crimes som imensos e repartidos por todo o orbe. Já o sabemos, senhores! Mas também som culpáveis os que no momento da definição vacilaram em fazer de Vietnã parte inviolável do território socialista, correndo, sim, os riscos duma guerra de alcance mundial, mas também obrigando a uma decisão aos imperialistas norte-americanos. E som culpáveis os que mantinham uma guerra começada há já tempo pelos representantes das duas mais grandes potências do campo socialista.
Perguntemo-nos, para lograr uma resposta honrada: Está ou não isolado o Vietnã, fazendo equilíbrios perigosos entre as duas potências em pugna?