"O problema da cultura socialista"

As questões sobre a cultura proletária e a cultura socialista são reiteradamente apresentadas e solucionadas de um jeito enviesado e torto, as vezes confundidas com conceitos completamente heterogêneos. Assim acreditavam, por exemplo, as pessoas sagazes que diziam que, no fundo, a cultura socialista está ligada a cultura proletária. Cada noção da possibilidade de realizar uma cultura socialista, pelo menos em parte, dentro do capitalismo, e oportunismo vulgar, bernsteinismo do campo cultural. Uma cultura socialista só começa a se realizar com uma economia socialista integral. Mas então não se poderia, de maneira nenhuma, aceitar o caráter proletário, pois o socialismo significa a supressão das classes e, consequentemente, também do proletariado; a cultura socialista só poderia ser universal. Com essa colocação, sem dúvida alguma existe mais brilhantismo do que, de fato, desejo de compreender a importância do problema do qual tratamos.
O proletariado é o portador do socialismo. Ele o realizará gradualmente, porque o socialismo não pode ser chamado a vida de repente. A revolução socialista pode até acontecer um dia, mas a transformação da ordem capitalista em uma ordem renovada, o que para nós é evidente, é, sem dúvida, demorada, e não faz sentido imaginar que o proletariado só começará a sua produção social depois da vitória de sua classe. Ele também produz sua cultura mesmo quando está sob o jugo externo do capital mas se compreende como portador do ideal socialista. Igualmente, não se transforma, de jeito nenhum, no demiurgo que cria o novo mundo, mas conduz uma luta obstinada e intensa depois da vitória, como nos a sentimos em nos mesmos. Embora ele tenha, depois da vitória, a arma do poder do Estado nas mãos, um observador objetivo não pode dizer se o proletariado se mantém mais forte e se ele consegue assegurar a vitória por muito tempo.
Naturalmente, a cultura socialista se produz de determinada forma e em pequena escala, quando o proletariado é uma classe subjugada e revoltada; se produz de outra forma e em maior escala, quando o proletariado se torna o ditador de uma sociedade mista, ainda repleta de passado contrarrevolucionário; e se produz ainda de uma terceira forma, em gigantesca escala mundial, depois de enviar o Estado para o museu arqueológico e deixar de existir como proletariado, pois terá transformado toda a humanidade em unidade trabalhadora.
Quando a Rússia gemia sob o cetro do czar, eu coloquei essas verdades e discuti com o senhor Potressov a respeito da cultura protelaria. Ele demonstrava que o proletariado não era, de maneira alguma, capaz de criar essa cultura num período de lutas políticas; que a cultura - ou seja, uma aproximação proletária dos problemas da ciência, da produção artística proletária e da elaboração dos fundamentos da Ética proletária - seria um luxo para essa classe; que forjar essas armas não era necessário e, ainda por cima, seria simplesmente impossível. Sem dúvida, a burguesia foi capaz de criar uma cultura no período de preparação da sua revolução, mas ela nunca foi uma classe tão miserável como o proletariado. Eu me referia a isso, que a arma da cultura proletária, que a profunda consciência dos ideais socialistas, sua expressão em todos os campos da vida humana, são coisas extremamente importantes e o proletariado não pode empurrá-las instintivamente para segundo piano. No entanto, às vezes, uma atenção insuficiente dada a esse fato e uma amarga necessidade, mas não se deve agravar isso e não querer mais saber dessa tarefa; ao contrario, devemos reforçar por todos os meios a necessidade e as forças da classe ascendente para conduzir também essa questão.
Atualmente, o problema se revela sob uma nova luz. De um lado, o proletariado ainda não amadureceu no piano cultural. Ninguém de nós pode dizer com honestidade que o proletariado traz consigo algo novo e radicalmente importante nos campos da filosofia e da ciência natural, em harmonia com os princípios mais importantes da sociologia e economia proletárias, sobre os quais o pensamento proletário ainda trabalhou pouco. Como o proletariado teria a arte em suas próprias mãos? Existem apenas alusões a isso nas obras, que amiúde são muito talentosas; são as primeiras andorinhas da poesia proletária que agora, sobre nossas cabeças, atravessam o céu trovejante cheio de nuvens e raios.
Consequentemente, o proletariado precisa continuar trabalhando também na elaboração de uma cultura proletária, para trazer consigo determinados valores, que carregam a marca do trabalhador, na larga corrente da futura ordem iminente do socialismo triunfante. O socialismo se tornará realidade nos campos mais sutis e, quanto antes o caráter do proletariado empregar mais forças nesses aspectos, mais cedo dispensará os restos da sujeira burguesa e os fracassos pequeno-burgueses.
Mas, ao mesmo tempo, o proletariado não pode deixar de lado todos os tesouros culturais que o passado deixou para ele como herança. Ele precisa necessariamente explorar o imenso aparato da ciência e do ensino possuídos pelo Estado e mesmo pela sociedade russa. Uma grande tarefa e atingir gradualmente essas dimensões através da extraordinária acumulação de valores reais e duvidosos de todos os tipos com espírito socialista, sem destruí-los, com a consciência de que isso e tarefa do proletariado como ditador, do proletariado na medida em que ele detenha o poder do Estado. Ele precisa explorar as Academias, universidades, museus, laboratórios, escolas, teatros, concertos, exposições etc. Não podemos interromper essas atividades, desviar-nos delas, mas devemos, ao mesmo tempo, explicar que elas não correspondem ao nosso espírito de classe. O que temos correspondente ao nosso espírito e ainda tão pouco que, se deixássemos somente esta parte de fonte de luz na Rússia, correríamos o risco de envolvê-la na escuridão. E ainda que o lampião aceso pelas mãos burguesas ou pelas mãos dos intelectuais semi-burgueses lance uma fumaça quase impotente e sejam quase todos fracos, eles existem, e são muitos. Não se trata de apagá-los, mas de forçá-los a queimar mais claramente e transformar todo esse aparato em um instrumento efetivo da cultura socialista, um processo cuja fadiga e demora são evidentes para qualquer observador.
Pode-se contestar que, além disso, o proletariado tenha não apenas o direito mas o dever de procurar seus próprios caminhos? Que além do uso de todas as coisas preciosas que existem nas academias e universidades, onde lentamente nascem as novas formas, deva e possa criar novos tipos de universidade, que são muito pequenas e fracas para pretender ter um papel na formação das massas populares, mas que são necessárias como laboratórios da cultura vindoura, como um órgão importante para o Estado soviético em sua luta pelo conhecimento e habilidade para as massas? Pode-se negar que seria extremamente descuidado dissolver o antigo organismo de cultura, realizar quaisquer reformas arriscadas no campo dessas estruturas delicadas, enquanto cada um de nós vê o tremendo interesse que o proletariado manifesta em adquirir varias conhecimentos nas coisas boas da cultura antiga, onde existem muitas, muitas coisas boas?
Veja, o que tem mais sucesso entre os proletários? Eles têm um gosto certeiro, embora se deixem seduzir frequentemente pelas numerosas farsas ou bobagens que os escrevinhadores sem talento adaptam aos jargões de comício. Mas ao proletariado basta apenas assistir a uma tragédia ou comédia, ou a uma bela ópera para logo sentir toda diferença. O teatro do Estado está lotado de proletários. O antigo Teatro Mariínski, em Petrogrado, foi visitado por noventa mil trabalhadores no prazo de dois meses. No antigo Teatro Alexandrínski, observamos ovações para as mais belas apresentações. O Pequeno Teatro [1] está cheio e os trabalhadores representam um considerável contingente de espectadores. [2]
O conhecimento da arte que, embora não seja de jeito nenhum proletária é feita por mestres dos quais se pode aprender alguma coisa, impressiona os proletários mais do que as cortantes e intrinsecamente inseguras experiências dos “futuristas” de todos os tipos, que nada fizeram no campo do teatro, a não ser toda espécie de grosseria e temperas para a burguesia decadente.
Ao mesmo tempo é necessário que o proletariado procure seus próprios caminhos, que dificilmente coincidirão com as experiências da nova intelligentsia [3]. A nova intelligentsia contribui muito com seu vigor e originalidade na escola pela qual passa o proletariado, mas ela mesma precisa aprender muito com ele. Somente então, quando essa intelligentsia entender isso, deslocar-se para a posição de um estudante ideológico dessa classe, poderá desempenhar um papel significativo na cultura [4].
Eu escolhi um exemplo evidente, a atual vida teatral, mas vemos o mesmo em toda parte, em todos os campos da cultura.
É precisamente por esse motivo que eu esclareço com toda a determinação que é preciso se aproximar de todos os experimentos com as velhas ins