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Namíbia-Alemanha: reparação ou acordo neocolonial?

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info


“Ainda não sabem, mas sabemos que a opressão

É a falta de pressa do opressor pedir perdão

A quem não perdeu tempo e há muito tempo perdoou

Mas nunca esqueceu, não”

“Negão”, Chico César



No século XX, o Estado Alemão executou um genocídio ainda bastante desconhecido nos dias de hoje: o massacre dos nama e herero ocorreu entre 1904 e 1908, quando a Namíbia era a uma colônia alemã no Sudoeste do continente africano. Em 12 de janeiro de 1904, os hereros liderados por Samuel Maharero se rebeleram contra o domínio colonial. Somente em agosto foram derrotados na batalha de Waterberg e perseguidos pelo deserto de Omaheke, onde a maioria morreu por desidratação. Em outubro, os namas também se rebelaram e pegaram em armas contra o invasor, mas acabaram massacrados pelas forças coloniais. Mais da metade da população total destes povos foi dizimada nos confrontos militares e, posteriormente, pelas ações dos colonizadores que envenenaram as fontes de água, provocaram a fome generalizada e expulsaram os povos nativos para morrerem no deserto.


Desde a “independência” da Namíbia na década de 90[1], o Estado e grupos sociais lutam pelo reconhecimento jurídico-político do genocídio dos povos Herero e Nama praticado pela Alemanha durante a colonização no princípio do século XX. A pretensão, originalmente, era dividida em três eixos: (i) o reconhecimento do genocídio, (ii) o pedido oficial de desculpas por parte do Estado alemão e (iii) a reparação pelos danos socioeconômicos causados.

Em 2018, o Bundestag fizera declarações no sentido de reconhecer a “grave culpa do rico Império Alemão na opressão colonial e na aniquilação de populações indígenas, os povos Herero e Nama.”[2]


Em 11 de agosto de 2020, o Estado namibiano fez novos informes sobre o processo de negociação e apresentou aquilo que então se pretendia firmar entre as partes. A reação foi imediata. No dia seguinte a aliança namibiana “Völkermord verjährt nicht!” publicou nota repudiando os termos do negócio[3].


Em 16 de maio de 2021, por meio de “Declaração Conjunta à Imprensa das Autoridades Tradicionais OvaHerero (OTA) e Associação de Líderes Tradicionais Nama – Nosso presente colonial: genocídio Herero e Nama da Alemanha”[4], as lideranças chamara a proposta alemã de “golpe”: “O chamado ‘Acordo de Reconciliação’ - não ACORDO DE REPARAÇÃO, é um golpe de Relações Públicas da Alemanha e um Ato de Traição do Governo da Namíbia.”


A declaração ainda levantava discussão sobre a legitimidade do conselho de líderes que auxiliava o Estado namibiano nas negociações com a Alemanha, no tocante à representação dos Herero e Nama.


No começo de maio de 2021, o Estado imperialista alemão apresentou sua mais recente proposta de acordo: 1,1 bilhão de euros investidos em 30 anos.


“Como um gesto de reconhecimento do sofrimento incomensurável que foi infligido às vítimas, queremos apoiar a Namíbia e os descendentes das vítimas com um programa substancial no valor de 1,1 bilhão de euros para reconstrução e desenvolvimento.”[5]


Ao longo de todos os anos de negociação, a oposição dos progressistas sempre propugnou os interesses dos povos afetados, os quais, não raro, eram desconsiderados nas negociações. As impugnações voltaram com força após a apresentação da proposta alemã.


O Movimento dos Sem-Terra[6] apresentou crítica acerca do recebimento do montante pelo Estado namibiano e não, efetiva e diretamente, pelos povos vitimados pelos bárbaros crimes perpetrados pela Alemanha: “A porta-voz do Movimento dos Sem Terra, Joyce Muzengua, disse que o acordo que a Namíbia fez com o governo alemão sobre o genocídio não tem nada a ver com o povo Ovaherero e Nama, mas foi um acordo bilateral. Falando ontem ao Namibian, Muzengua enfatizou que o acordo que os dois governos podem ter alcançado não são reparações, e é imperativo que a Alemanha se desculpe por sua agressão brutal. ‘A posição do LPM sobre o assunto é que se a Namíbia recebe dinheiro da Alemanha, deve ir para as autoridades tradicionais das comunidades afetadas e não para o governo. Em vez disso, o governo pode auditar’, disse ela.”


Outra insatisfação é atinente à condução, quase que unilateral, das negociações por parte da Alemanha: (i) A Namíbia pretendia um acordo de reparação, a Alemanha apresentou um acordo de “reconciliação”; (ii) A Namíbia visava uma reparação econômica, a Alemanha propõe projetos de desenvolvimento.[7]

A rejeição do termo “reparação” da oferta não era mera questão estilística, senão objetivava afastar o reconhecimento tácito da prática de genocídio[8], como definido na Resolução n.º 96[9] das Nações Unidas. A preocupação com eventuais efeitos retroativos do reconhecimento dos crimes como genocídio é perceptível na fala dos agentes [10] do Estado alemão: “Depois de mais de cinco anos de negociações, o ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, disse na sexta-feira que a Alemanha ‘agora também chamará oficialmente esses eventos do que foram da perspectiva de hoje: um genocídio’.


‘À luz da responsabilidade histórica e moral da Alemanha, pediremos perdão à Namíbia e aos descendentes das vítimas’, disse ele.”[11]


Devemos lembrar que em março de 2019 foi arquivado processo judicial (Rukoro et al. v Federal Republic of Germany[12]) que demandava indenização por questões relacionadas[13] aos crimes praticados pelo Estado alemão na Namíbia. Assim, toda essa preocupação com relação à forma do reconhecimento da culpa pelos crimes se dá em razão do eventual ensejo de pedidos de indenização. Em detrimento da “responsabilidade histórica e moral da Alemanha”, essa se esquiva de todas as formas de condenações e precedentes judiciais que possa obrigar o pagamento de valores “adequados” – dentro das limitações da ordem burguesa.


Com efeito, o Parlamento alemão não está preocupado com a reparação efetiva dos danos econômico-sociais. Várias medidas propostas por parlamentares progressistas – como restituição de obras de arte, artesanato, bens culturais de um modo geral, nomear o colonialismo alemão como um crime etc. – foram rejeitadas no começo deste ano.[14]


No começo de junho de 2021, o Estado namibiano aceitou a proposta alemã com a expectativa de que o valor de 1,1 bilhão possa ser reajustado futuramente.[15]


Em 04 de junho de 2021 foi publicada declaração<