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"Imperialismo e Grupos Armados no Brasil"



A atuação de grupos armados no Brasil é fato conhecido de muitos brasileiros, não faltando exemplos destes grupos, na imprensa, na memória ou na vida cotidiana. A participação direta ou indireta do Estado nestes grupos, via forças de segurança (polícias civis e militares) e Forças Armadas também é fava contada. Mas o que talvez poucos saibam é da participação imperialista na formação dos Grupos Armados no Brasil e na América Latina.


Essa participação imperialista se expressa em torno de duas potências estrangeiras: Estados Unidos e França, que durante todo o século XX produziram dezenas de conflitos armados em países controlados por suas forças militares. Ásia, África e América Latina são todos continentes que de alguma forma possuem marcas dessas forças imperialistas, que deixarão como legado institucional o que se concebe no Brasil como “Segurança Pública”, ou seja, o controle militarizado e o extermínio através do terror e da brutalidade, principalmente pelas polícias nacionais, para manter a ordem estabelecida. No caso francês, esta intervenção pode ser sintetizada na política da Doutrina de Guerra Revolucionária, e, no caso estadunidense, na Doutrina de Defesa Nacional.


A França possuía uma forte atuação colonial em territórios tanto na África quanto na Ásia. E foi exatamente em face desta dominação territorial imperialista que explodem processos de emancipação através do conflito armado nas colônias dominadas pela França. No caso das guerras da Indochina (1946-1954), o exército francês sai derrotado por suas ex-colônias, a mais emblemática sendo a derrota para o Vietnã. Esse fiasco, no entanto, serviu para que os generais franceses avaliassem com profundidade seu fracasso frente às colônias e decidissem mudar suas táticas de guerra. Os franceses concluíram que a principal dificuldade no campo de batalha eram a organização e a disciplina daquela população, influenciada ideologicamente pelas ideias comunistas da China e da URSS. Portanto, era preciso encontrar uma nova estratégia, que combatesse no campo ideológico com mais rigor.


É nesse contexto que os generais irão desenvolver o que ficou conhecido como Doutrina da Guerra Revolucionária. Esta doutrina consistia não somente em combater a propagação de ideias comunistas pela população geral de um dado território invadido ou ocupado pelos franceses, mas também na formulação de sistemas de ação inteligente capazes de se antecipar ao inimigo na conquista do apoio da população, com todos os meios sendo aplicáveis para chegar ao objetivo desejado.


A Doutrina de Guerra Revolucionária será aplicada pela Escola de Guerra Francesa pela primeira vez na guerra de independência da Argélia (1954-1962) e de fato todos os meios para se alcançar o fim foram utilizados, incluindo a tortura, violência sistemática e o terror generalizado. Mesmo com todos estes métodos de terror imperialista de Estado, a Argélia saiu vitoriosa, e em 1962 declara sua libertação nacional. Porém, estava criada pela escola de guerra francesa e seus generais uma doutrina que serviria de referência para outros territórios com condições similares. Nesse sentido, a exportação da doutrina francesa teria como alvo a América Latina e o Brasil. Oficiais e generais brasileiros das Forças Armadas serão treinados por agentes da escola de guerra francesa durante a década de 1950, processo que se intensifica com o golpe empresarial-militar, apesar da orientação francesa já estar presente na Força Pública Paulista.


A exportação da doutrina militar francesa incluía, dentre seus métodos de ação, a formação de Esquadrões da Morte, com o propósito de evitar a formação de grupos comunistas no Brasil e, mais ainda, impedir a formação de qualquer célula subversiva à ordem civilizatória burguesa destinada aos povos “bárbaros”. Sendo assim, qualquer comportamento tido como “subversivo” já poderia ser incluído no rol de ação de guerra, sendo o suficiente para que qualquer um a julgo desses grupos armados sofresse consequências.


A participação norte-americana será bem mais incisiva e duradoura. Seguindo a política de boa vizinhança, os Estados Unidos deslocarão diferentes órgãos para intervir nas polícias, tanto da América Latina quanto nas do Brasil. Martha Huggins (1998) em “Polícia e Política: Relações Estados Unidos/ América Latina” descreve como os Estados Unidos participaram ativamente tanto da formação policial como também dos grupos armados, através da formação de Esquadrões Especiais como princípio de policiamento eficaz, que reprimiria tanto movimentos subversivos quanto criminosos comuns. “Esses tomam a forma de esquadrões da morte que apenas de maneira mais ou menos próxima se relacionam ou com a polícia, ou com justiceiros ligados à polícia, ou enfim, ligados a setores de segurança interna”, afirma Martha.


Martha Huggins analisa casos empíricos de países da América Latina que sofreram com estas intervenções, como Haiti, El Salvador, Honduras, Brasil e Nicarágua, e que terão como postulado tradicional na formação de suas polícias e grupos armados os legados franceses e estadunidenses. “Há muitas semelhanças entre os treinamentos das Forças Públicas de São Paulo pelos franceses e a instituição, pelos Estados Unidos, de forças policiais na Nicarágua e no Haiti”. Isto sucinta um processo bastante nebuloso entre as fronteiras definidas da legalidade e ilegalidade na atuação desses grupos. Do ponto de vista do Estado, são sujeitos reconhecidos institucionalmente como seus agentes, contudo, suas práticas ultrapassam as barreiras legalmente recomendadas pelo mesmo, ao tempo que o Estado lhe garante respaldo jurídico e independência na execução de suas ações. Um trabalho sujo que atende o clamor social de uma elite exigente.


Foi através da norte-americana AID, Agency for Internacional Development, encarregada do treinamento das polícias estrangeiras, na sua Seção de Segurança Pública – Office of Public Security – que a iniciativa da formação de Esquadrões da Morte irá se generalizar nas polícias e nas Forças Armadas, sob um acordo firmado entre Estados Unidos e as forças brasileiras. O caso é tão crítico que a Office of Public Security possuía uma seção exclusiva para o Brasil, a OPS-Brasil. Além dessas agências, CIA e FBI também tiveram participações na formação dos quadros das polícias civis e militares e das Forças Armadas brasileiras. O objetivo da imersão estadunidense em território nacional era conter qualquer influência comunista, além de oferecer uma “profissionalização” da polícia nacional, porém, o modus operandi acabou se estendendo para uma dominação dos pobres em territórios periféricos.


Martha aponta que “a escola de formação policial do FBI junto ao DOPS do Rio de Janeiro prosseguiu, com palestras proferidas por Rolf Larson. A primeira palestra de Larson foi assistida por 80 pessoas, a maioria delas funcionários de diversas organizações regionais do DOPS. No curso de Larson, cinco tópicos das palestras cobriam espionagem, contra-espionagem, atividades de Quinta Coluna e sabotagem; dois outros eram sobre observação e vigilância; e outros quatro centravam-se em técnicas de interrogatório.” Embora esse registro tenha ocorrido na década de 1960, o pedido brasileiro de ajuda às policias do país ao FBI data da década de 1930.


Desse período em diante vários agentes do alto escalão oficial das Forças Armadas e policiais receberiam treinamento “profissional” dos órgãos estadunidenses. No governo Kennedy a ofensiva é reforçada por conta da Guerra Fria, já em andamento. O presidente americano exigia que o treinamento de policiais civis e militares fosse administrado pela OPS e com orçamento e pessoal próprios, extremamente profissionais, tudo com a fiscalização da CIA, que tinha sua própria escola de formação de policiais nacionais e estrangeiros, a IPA – Internacional Police Academy – e estava determinada no recrutamento e treinamento de agentes para essas finalidades. Um desses agentes, por exemplo, foi o coronel brasileiro Moacir Coelho, que participou do curso de “Operações Psicológicas” e seria membro e fundador do Serviço Nacional de Informações (SNI) e chefiaria a Polícia Federal.


Outro caso que merece destaque é o do general Amaury Kruel, que em 1958 chegou a ser chefe das forças policiais da então capital federal, o Rio de Janeiro. O general Kruel foi o agente do Exército escolhido para o programa de Segurança Pública em parceria com os EUA através do programa da Administração de Cooperação Internacional (ICA), assim o general fez parte da coordenação de operações policiais (OCB). Em 1943, ele passou três meses no Forte Leavenworth, no Estado de Kansas, nos EUA, juntamente com outros onze oficiais do Exército brasileiro, com o objetivo de aprender a “substituir os métodos franceses de luta pelos métodos dos Estados Unidos”, o que significava implantar táticas de movimento rápido e audacioso em um sistema de patrulha motorizado. As atividades de maior destaque de Amaury Kruel seriam a efetiva participação nos Esquadrões da Morte, mas antes mesmo de membro do Grupo de Extermínio, o general Kruel já tinha “seus homens de confiança” nas práticas de controle social e execução sumária, conhecidos como “Esquadrão Motorizado”, o E.M.


Entre os “homens corajosos” do general Kruel, dois policiais se destacavam pela eficiência na produção de mortes: Milton Le Cocq e Eurípides Malta, ambos policiais civis. É exatamente o detetive Malta que receberá a “honra” de ter sido o primeiro criador oficial de um Esquadrão da Morte. Já seu companheiro será lembrado de uma forma diferente. Milton Le Cocq é assassinado no final da década de 1950, e a responsabilidade pelo crime é atribuída ao bandido Manoel Moreira, conhecido como “Cara de Cavalo”. Uma execução, afirma Vanessa de Mattos, “cheia de controvérsias, já que uma das balas retiradas do corpo do detetive foi deflagrada pela arma de um dos policiais da própria equipe de Le Cocq”. No enterro do detetive, seus amigos de “coragem” prometem se vingar não somente de Cara de Cavalo, mas de qualquer um que fosse considerado inimigo pelo Grupo de Extermínio em processo de reorganização. Começa então uma ofensiva contra aqueles que já eram considerados matáveis. Chacinas sistemáticas serão a ordem policial de agora em diante, mortes com sinais de crueldade, etc. É nesse momento que o detetive Malta decide apelidar o Esquadrão da Morte do Rio de Janeiro de Scuderie Le Cocq, em homenagem ao amigo assassinado. Com o passar dos anos, estes também ficaram conhecidos como “os 12 homens de Ouro da Polícia Carioca” pois, para opinião pública, tratava-se de um espécie de elite da polícia.


Cara de Cavalo é brutalmente assassinado pelo grupo de extermínio, tendo seu corpo perfurado com mais de cinquenta tiros. Está oficializada a vingança como método de operação policial, principalmente porque Amaury Kruel é chefe de polícia e irá institucionalizar o modus operandi do Esquadrão da Morte Scuderie Le Cocq através do Serviço de Diligências Especiais, o SDI[1], que oferecerá e promoverá uma espécie de licença para matar, extorsão policial, jogo do bicho, venda de segurança privada, etc., com respaldo institucional. As práticas de execução, tortura e desaparecimento forçado de suas vítimas era o que o general Amaury Kruel havia apreendido com a escola dos EUA. Esta é a origem das técnicas do general e de outros militares que mais tarde também atuarão em Esquadrões da Morte. O que ocorre, na verdade, é a mistura dos dois métodos de policiamento oficial e marginal exercidos como política de segurança nacional: um francês e outro estadunidense.


A morte do policial Le Cocq, independente do motivo, será a justificativa nacionalizadora dos Esquadrões da Morte; assim, estados como São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Alagoas vão aos poucos se deparando com misteriosos casos de mortes brutais em série sem autoria. As semelhanças perceptíveis eram o perfil dos crimes e a crueldade na execução. Como não poderia ficar muito tempo no anonimato, aos poucos, a letalidade ia sendo reconhecida por conta da semelhança do modus operandi em outros estados, até que pela própria imprensa os Esquadrões começam a anunciar os crimes cometidos, assinando-os. Os corpos, que já eram brutalizados, passavam a receber um desenho de uma caveira com as iniciais “EM” como forma de assinatura da autoria da execução: Esquadrões da Morte. Assim como no Rio de Janeiro, em outros estados os grupos também são compostos por policiais militares e civis, além de jagunços e pistoleiros que prestam serviços para fazendeiros.


Os Esquadrões da Morte haviam feito uma promessa que viraria uma espécie de estatuto e indicador comportamental dos grupos de extermínio: “para cada policial morto, serão dez bandidos mortos”. É notável a força dessa máxima, cuja trajetória servirá tanto para justificativas legais quanto ilegais, caindo no senso comum e na opinião pública, e nela ecoando por anos. Uma retórica completamente descabida, mas que alimenta a lógica da vingança reforçada no estatuto policial até hoje. Em 2017, a polícia do Rio de Janeiro matou 1.127 pessoas em decorrência de operações, enquanto 119 policiais foram mortos neste mesmo período. Daí surge uma dúvida muito pertinente quando pensamos a atuação policial nas diferentes cidades brasileiras. Quem define os limites do legal e ilegal da atuação policial?


É nesse jogo entre o legal e ilegal que a violência policial, praticada tanto pela polícia agindo legalmente quanto por grupos armados seguindo o seu ethos militarizado, irá encontrar a repressão política institucional. O interlocutor deste encontro será o golpe empresarial e militar de 1964. Serão os militares das Forças Armadas que irão legalizar a atuação dos Grupos de Extermínio. O caso mais famoso foi o do delegado de polícia Sérgio Paranhos Fleury, que depois será chefe do DOPS-SP. Fleury ficou notoriamente conhecido como um dos piores torturadores da ditadura que assombrou o Brasil por 21 anos, mas, além de chefe do DOPS, Fleury também era líder de um Esquadrão da Morte em São Paulo, que praticava contravenção, execuções e domínio territorial.


Além dele, uma miríade de policiais, justiceiros e executores membros dos Esquadrões da Morte será incorporada pela ditadura e alocada especificamente aos departamentos de tortura, algo bastante simples para os militares, já que, à época, não havia concursos como hoje. Ademais, os Grupos de Extermínio, que tornam-se também grupos de caça aos comunistas e subversivos, serão treinados por generais da escola francesa da Doutrina de Guerra Revolucionária aplicada na Argélia. A doutrina teria sido incorporada à Lei de Segurança Nacional, em 1967, por meio da aplicação dos parâmetros teóricos de Guerra Revolucionária posto no Decreto-lei nº 314, de 13 de março daquele ano. Alguns órgãos brasileiros foram criados com a mesma função e configuração que órgãos da Escola Francesa, como o Destacamento de Operações Internas (DOI) no Brasil, que remontava ao Détachement Opérationnel de Protection (DOP) francês. Paul Aussaresses (1918-2013), um general francês que participou da formulação e exportação da Doutrina para outros países da América Latina, foi adido militar francês no Brasil já na ditadura militar, entre os anos de 1971 e 1973. Ele afirmou que “ensinou a doutrina e os métodos aplicados na Argélia a oficiais latino-americanos em Fort Bragg, na Virgínia”, mencionando atividades do mesmo tipo na Escola de Guerra na Selva, em Manaus. Outros adidos franceses também estiveram presentes no território brasileiro, colaborando para a implantação da Doutrina francesa no Brasil, conforme afirma Vanessa de Mattos em sua brilhante tese “Esquadrões da Morte no Brasil (1973 à 1979): repressão política, uso e abuso da legalidade e juridicidade manipulatória na autocracia burguesa bonapartista.”


Quando, na década de 1980, a ditadura perdia seu fôlego, o acobertamento desses policiais, membros dos Esquadrões, centros de tortura e de grupos de execução sumária se intensifica, e são oferecidas aos seus membros ocupações beneficentes na vida social. No entanto, muitos desses policiais e militares já haviam costurado sua fama com prestígios autênticos e domínio territorial, de forma que era vantajoso mantê-los. Por isso, muito agentes dos Esquadrões da Morte, que serviram por um tempo aos ditames da ditadura empresarial e militar ou que participaram de centros de tortura como o DOPS, permaneceram com suas práticas intactas. Estes mesmos agentes organizaram outros Grupos de Extermínio, operando de diferentes formas a dominação territorial e experimentando ao longo do tempo um ramo muito antigo da contravenção carioca: o Jogo do Bicho.


Percebe-se assim que Grupos de Extermínio no Brasil tiveram como ponto fundamental um fluxo sine qua non entre as esferas legal e ilegal do ponto de vista da institucionalidade jurídica, porém, comprometidamente legítima do ponto de vista do funcionamento do Estado burguês. Podemos, dessa forma, citar três exemplos concretos correspondentes que permitiram sua manutenção.


Primeiro a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), uma espécie de esquadrão especial dentro da polícia de São Paulo, que institucionalizou as práticas dos grupos de extermínio citados acima. Criada na década de 1970, a ROTA possui relação direta com os Esquadrões da Morte da época. Entretanto, antes de possuir a forma institucional, a ROTA era reconhecida como RUDI (Rondas Unificadas do Departamento de Investigações) e a RONE (Rondas Noturnas Especiais), ambas instituídas na década de 1950. Huggins pontua que “as qualificações da RONE e da RUDI eram as mesmas de quaisquer outros esquadrões da morte paralelos com ligações na polícia. Em todos eles, era essencial ser destemido, forte, ter familiaridade com o mundo policial, garantindo o contato entre organização oficial e as atividades desviantes dos grupos informais.” Quem também passa pela chefia da RONE é o já mencionado delegado torturador Fleury.


É interessante destacar também que a formação de Grupos de Operações Especiais e esquadrões partiu da OPS-Brasil. Através do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o general do Exército Luís França Oliveira, a OPS-Brasil exigia que fosse formado um “esquadrão de elite” envolvendo policiais do DOPS, do Exército, da Polícia Militar e dos Bombeiros, com total autonomia nas suas atuações. O critério para o recrutamento do GOE era a coragem já demonstrada durante a vida profissional destes agentes. Os membros do GOE recebiam um curso de ação e comando instruído por militares da Brigada de Paraquedistas do Exército, que envolvia táticas de guerrilha urbana vindas exclusivamente do Exército, ajudado por instrutores estadunidenses. A primeira operação do GOE foi em uma favela.


O terceiro exemplo é o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que, coincidentemente ou não, possui um símbolo bastante parecido com o Grupo de Extermínio Scuderie Le Cocq.


Embora não tenha nenhum vínculo oficial e, sobretudo, institucional com os órgãos internacionais, não se pode descartar o vínculo político herdado da orientação das escolas francesa e estadunidense. O BOPE surge originalmente no final da década de 1970, sob o nome “Núcleo da Companhia de Operações Especiais”. Como critério de recrutamento, o agente precisava comprovar uma sólida integridade moral. Este núcleo inicial era composto por membros das Forças Armadas, que tivessem feitos cursos de aperfeiçoamento, tais como Operações Especiais, o curso de guerra na selva do Exército e o curso de contra-guerrilha, dos comandos anfíbios, além de destacados policiais e militares do Exército. Aos poucos, por conta da dinâmica política e social condicionada à própria realidade, o núcleo foi mudando de nome de acordo com a especificidade de sua atuação, até que, em 1991, depois da definição de que seria um grupo especial do combate em favelas, finalmente é reconhecido como BOPE. Já não se tinha mais a ditadura civil-militar, já não havia mais a existência oficial de Esquadrões da Morte, nem mesmo a participação de agentes dos órgãos americanos e franceses; contudo, permaneceu todo o legado de Segurança Pública acumulada ao longo desse tempo.


Outro destaque nesse sentido está localizado atualmente em Goiás. Trata-se do Primeiro Batalhão de Forças Especiais do Exército brasileiro, conhecido como “Fantasmas”, pela sua atuação altamente sigilosa. Criado em 1968 na cidade do Rio de Janeiro, inicialmente era subordinado à Brigada Paraquedista, aos poucos foi se consolidando e ganhando autonomia frente à subordinação hierárquica de outros comandos dentro da estrutura militar, isto é, passou de destacamento para companhia até virar Batalhão em 1983. Foi somente transferido para Goiás em 2003, por conta do aliciamento do varejo do tráfico aos seus integrantes.

Em 2017, os Fantasmas receberam destaque da imprensa no contexto de uma operação no mínimo estranha, ocorrida na favela do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Na ocasião, oito moradores foram mortos “com tiros vindo do mato”. Um dos três moradores que sobreviveu aponta que chegou a ver um dos integrantes da operação: “os tiros que atingiram as vítimas foram disparados por homens vestidos de preto, com capacetes e fuzis com mira a laser que estavam escondidos numa mata ao lado da Estrada das Palmeiras.” No entanto, antes mesmo de cometer esta chacina no Rio, as Forças Especiais já tinham no seu currículo outras operações de destaque.


Criada para participar de operações de “guerra irregular” (terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de resistência e insurgência) sob inspiração da doutrina dos Boinas Verdes norte-americanos, o Batalhão possui dois mil homens altamente treinados, que, em linhas gerais, realizam tarefas de policiamento urbano. A experiência em megaeventos realizados em território nacional vai desde os Jogos Pan-Americanos de 2007. Além disso, cabe destacar a experiência adquirida a partir do combate à Guerrilha do Araguaia, as missões no Haiti, além de ações em Kinshasa, na República Democrática do Congo, e em Abidjan, na Costa do Marfim. Participaram também no confronto com as FARC na Operação Traíra e nas intervenções militares na Favela da Maré em 2014 e de 2018, porém poucos sabem o que realmente fizeram nestas ocupações/missões.


É preciso chamar atenção para estas duas faces da presença imperialista nos Grupos Armados na formação social brasileira (a institucional, com forças especiais; e a para-institucional, com grupos de extermínio). Hoje é possível encontrar estas práticas e modelos de atuação tanto nas Forças de Segurança do Estado, nas Forças Armadas, como em Grupos Civis Armados que atuam no espaço urbano, um notório exemplo da militarização como expoente da sociedade burguesa em crise. Resta refletir qual o propósito e as causas da proliferação dos Grupos Armados em tempos de crise social, com tanta disponibilidade bélica para uso em seu próprio território.



NOTAS

[1] – Há outra narrativa para a formação do Esquadrão da Morte no Rio de Janeiro a partir do depoimento à Comissão da Verdade do estado do Rio de Janeiro de Alessandra Vieira, em audiência pública no dia 15 de outubro de 2014, registrado no Tomo I. Na apresentação cedida à Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, a jurista atesta que “O primeiro ato [do Esquadrão da Morte] data de 1958 quando o então chefe da polícia do Distrito Federal, o temido general Rogério Mont Karp, criaria o Serviço de Diligências Especiais – SDI –, em resposta a uma onda de roubos a lojista e taxistas na cidade. Conhecido tanto por seus métodos fatais de enfrentamento ao crime como por seu envolvimento no jogo do bicho, tráfico de entorpecentes e clínicas de aborto, Mont Karp prometeu à população resposta imediata no combate aos assaltantes, dispondo que o SDI realizasse, se necessário, “o extermínio puro e simples dos malfeitores” E deu-se início à matança de diversos suspeitos, apoiada por grande parte da população à época.


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