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"O golpe de Khruschev: a morte de Stalin e ascensão khruschvista ao poder"


Após a morte do líder soviético Joseph Stalin, Nikita Khruschev tornou-se o novo chefe da União Soviética. Ele embarcou em uma campanha extensiva de mentiras e ataques contra o governo de Stalin, campanha esta que foi imediatamente aclamada pelo mundo capitalista. E muitas de suas mentiras ainda persistem. Foi com o governo de Khruschev que se iniciou a “desestalinização”, uma onda de propaganda e censura contra as políticas da era Stalin. Os kruschevistas implementaram, assim, reformas de mercado orientadas para o lucro e outras políticas errôneas que colocaram o socialismo soviético, assim como todos os outros países do campo soviético, no caminho errado.


Por que ninguém o impediu? Como ele conseguiu evitar sua eliminação? Kruschev ascendeu ao poder por meio de um golpe militar antidemocrático, um golpe de estado, e usou a base militar para matar, prender, intimidar e marginalizar seus inimigos.


Mas como foi possível para Kruschev ter sucesso no golpe? E por que assim o fez? Essas são algumas das perguntas que iremos discutir neste artigo. Primeiro devemos falar sobre a morte de Stalin que, ela mesma, ocorreu por meios suspeitos e causou muitas especulações.


A RETIRADA DA SEGURANÇA DE STALIN


Um pouco antes da morte de Stalin, sua segurança pessoal foi reduzida drasticamente. O chefe de seu secretariado pessoal, Poskrebyshev, e o chefe de sua guarda pessoal, general Vlasik, foram ambos afastados sob acusações de vazamento de documentos e falta de confiabilidade. Isso deixou Stalin vulnerável.

Sua filha, Svetlana Alliluyeva, disse:


“Pouco antes de meu pai morrer, até mesmo aqueles que eram mais íntimos dele caíram em desgraça: o perene Vlasik foi enviado para a prisão no inverno de 1952 e o secretário pessoal de meu pai, Poskrebyshev, que esteve com ele por vinte anos, foi afastado”. (S. Alliluyeva: “Vinte cartas para um amigo”, p. 216).


Peter Deriabin acreditava que havia sido uma conspiração deliberada e declara em seu livro:


“Uma comissão [foi criada] para investigar... todo o aparato de segurança do estado [que então] iniciou... o corte da segurança pessoal de Stalin até os ossos”. (P. Deriabin: “Cães de guarda do terror: escolta russa dos czares aos comissários”, págs. 317-18).


“Cerca de sete mil homens foram derrubados... [Deixando a] segurança pessoal [de Stalin] com... apenas um grupo pequeno de oficiais... Que tinham pouca experiência com segurança, principalmente como guardas pessoais”. (p. 319).

“Isso completou o processo de privação de Stalin de toda sua segurança pessoal... Tinha sido algo muito bem estudado e conduzido de forma muito hábil: o plano de Abakumov, a demissão de Vlasik, o descrédito em cima de Poskrebyshev, a castração da Okhrana e sua subserviência forçada à MGB [controlada pelos kruschevistas], o “ataque cardíaco” de Kosynkin, a substituição de Shtemenko e a remoção dos últimos vestígios do controle de Okhrana sob o pessoal da MGB. E, certamente, não deve ser esquecido que nesta conjuntura o consultório médico do Kremlim estava sob controle do MGB... Com a segurança do Estado e as forças armadas sob seu comando, os conspiradores estavam finalmente na direção”. (págs. 325-26).


A MORTE DE STALIN


Há inúmeras circunstâncias conectadas com a morte de Stalin que fazem com que, em termos forenses, ela seja uma “morte suspeita”:


Em primeiro lugar, Stalin aparentava estar em excelente estado de saúde um pouco antes do início de março, como foi testemunhado por um jornalista norte-americano.


“E o que dizer do próprio Stalin? Está saudável. No melhor dos espíritos. Essa foi a palavra de três estrangeiros que o viram em fevereiro – Bravo, o Amassador argentino; Menon, o indiano, e o Dr. Kitchlu, um indiano ativista do movimento pela paz”. (H. Salisbury: “A Rússia de Stalin e depois”; Londres; 1952; p. 157).

Em segundo lugar, houve uma longa espera, na passagem do dia primeiro para o dia 2 de março, para Stalin obter uma ajuda médica:


“Kruschev não chegou a mencionar horários específicos, mas a sua narrativa faz com que seja inacreditável que os médicos tenham chegado muito antes das cinco horas da manhã, no dia 2 de março. Muitas horas, talvez doze, após a convulsão... Não é verdade que ele esteve sob cuidados médicos logo após a convulsão”. (R. H. McNeal: “Stalin: homem e governante”, p. 304).


“Há um mistério sobre o que aconteceu com Stalin. Seus seguranças ficaram alarmados quando ele não pediu pelo seu jantar às 11h00 p.m... O segurança o carregou do chão e o colocou no sofá, mas os médicos não foram chamados até de manhã. Stalin se manteve indefeso e sem tratamento durante a maior parte do dia, o que fez com que o tratamento de recuperação se tornasse muito mais difícil... Por que os líderes do Partido prolongaram a espera? Alguns historiadores veem evidências de um assassinato premeditado”. (J. Lewis & P. Whitehead: “Stalin: A Time for Judgement”; Londres; 1990; p. 179).


“Apenas na manhã seguinte... Que os primeiros médicos chegaram”. (W. Laqueur: “Stalin: The Glasnost Revelations”, p. 151).


“Os médicos foram finalmente levados ao líder em coma após um intervalo de 12 ou 14 horas”. (D. Volkogonov, “Stalin: Triumph and Tradegy”, p. 513).

Em terceiro lugar, foi dita uma mentira deliberada, quando sua morte foi anunciada, na qual se declarava que ela ocorreu “no seu apartamento em Moscou”, quando na verdade ocorreu em sua dacha, em Kuntsevo. O historiador Adam Ulam afirmou que um: “ar conspiratório tonalizou as circunstâncias da morte de Stalin. O atraso no comunicado anunciando o seu derrame foi enfático, pois ele havia ocorrido em seus aposentos no Kremlin. No entanto, foi para a sua vila no interior... que sua filha Svetlana foi chamada, no dia 2 de março, para estar em seu leito de morte... Ele foi arrancado de Moscou... O comunicado oficial mentiu sobre o lugar onde Stalin havia sofrido o derrame e morreu...


Havia uma razão óbvia por trás da mentira; seus sucessores temiam que uma declaração verdadeira sobre onde ele estava no momento da convulsão levasse a boatos... que o derrame havia ocorrido enquanto ele estava sendo sequestrado ou encarcerado pelos oligarcas. Podiam surgir multidões no Kremlin, exigindo uma prestação de contas do que foi feito a seu pai e protetor”. (A. B. Ulam, “Stalin: The Man and His Era”, p. 4, 700, 739).


Em quarto lugar, os conspiradores revisionistas tinham um amplo e urgente motivo – o de autopreservação – para eliminar Stalin:


“Para muitos estadistas e funcionários soviéticos, a morte de Stalin... veio na hora certa. Se foi ou não devido a causas naturais, é outra questão”. (D. M. Lang, p. 262).


“Embora o assassinato não possa ser provado, não havia dúvida de que motivos para o assassinato existiam... Pois, se Stalin estivesse morrendo de morte natural, essa seria a maior sorte daqueles que estavam próximos a ele”. (“The ‘doctors’ case’ e “The Death of Stalin”, de Bill Bland).


Qual era o motivo do temor dos conspiradores revisionistas? Precisamos fazer um pequeno desvio para explorar esta questão. Teorias mais antigas sugerem que Stalin estava tentando purgar o Partido e o Estado de carreiristas e burocratas. No entanto, pesquisas mais recentes sugerem uma mudança mais sistêmica. Segundo Aleksandr Pyzhikov (um historiador anticomunista e anti-Stalin), houve uma proposta para atualizar o programa do Partido em 1947. Porém, este novo programa nunca foi disponibilizado.


“De acordo com Pyzhikov, este programa descrevia ‘um estreitamento progressivo das funções políticas do Estado e a conversão do Estado em, principalmente, um órgão de gestão da vida econômica da sociedade’.” [Era, claramente, um plano de transição do Socialismo para o Comunismo, conforme descrito por Marx e Engels.]

Pyzhikov explica que este projeto “dizia respeito ao desenvolvimento da democratização da ordem soviética. O plano reconhecia como essencial um processo universal de atração dos trabalhadores ao governo do Estado, à atividade diária e ativa de cunho estatal e social com base em um desenvolvimento constante no nível cultural das massas e uma simplificação máxima das funções de gestão do Estado. Ele propunha, na prática, uma unificação do trabalho produtivo com a participação na gestão dos assuntos de Estado, aliada à transição para o exercício sucessivo das funções de gestão por todos os trabalhadores, e discorria sobre a ideia da introdução da atividade legislativa feita diretamente pelo povo, para a qual considerava essencial:


a) A implementação do voto universal e da tomada de decisões na maioria das questões mais importantes da vida governamental, tanto nas esferas sociais e econômicas quanto nas questões de condições de vida e de desenvolvimento cultural;

b) O amplo desenvolvimento da iniciativa legislativa começando por baixo, concedendo-se às organizações sociais o direito de submeter ao Soviete Supremo propostas de nova legislação;

c) A confirmação do direito dado aos cidadãos e às organizações sociais de submeterem diretamente ao Soviete Supremo propostas sobre as questões mais importantes da política interna e internacional (Pyzhikov, A. “N. A. Voznesenskii o perspektivahk poselvoennogo obnovleniia obshchestva”. In Furr, Stalin and the Struggle for Democratic Reform).


Em suma, isso teria transferido o poder dos administradores de nível médio e dos políticos diretamente para os trabalhadores, que agora eram alfabetizados e educados o suficiente para dirigir toda a sociedade.


“De acordo com Pyzhikov, [o chefe do partido de Leningrado] Zhdanov... propôs a convocação do 19º Congresso do Partido no final de 1947 ou 1948. Ele também estabeleceu um plano para uma ordem simplificada de convocações de conferências partidárias uma vez por ano, com ‘renovação obrigatória’ todos os anos de não menos que um sexto dos membros do Comitê Central. Se houvesse sido colocado ese plano em vigor, e se a ‘renovação’ realmente resultasse em maior rotatividade dos membros do C.C., isso significaria que os primeiros secretários e outros líderes do partido do C.C. ficariam menos protegidos em suas posições, abrindo espaço para sangue novo no corpo dirigente do Partido, facilitando a crítica de base aos líderes do Partido (Pyzhikov, 96)... com a possibilidade de substituição – de não menos que 1/6 do Comitê Central a cada ano por meio de uma Conferência do Partido, este plano do Partido previa o desenvolvimento da democracia começando por baixo, tanto no Estado quanto no próprio Partido”. (Furr, Ibid).


Nós não sabemos como esse plano foi rejeitado. Zhdanov, um aliado próximo de Stalin, aparentemente morreu de um ataque cardíaco no mesmo ano em que ele fez a proposta, o que, em retrospecto, é uma grande coincidência. A morte de Zhdanov seria usada posteriormente no chamado “Caso dos Médicos”, onde vários médicos foram acusados de tentativas de assassinar políticos soviéticos. Não há nenhuma evidência sobre a veracidade da conspiração dos médicos, alguns dos casos foram claramente fraudes orquestradas por Kruschev, nas quais culpou seus inimigos, mas é possível que alguns dos casos fossem de fato genuínos. Stalin foi, pessoalmente, cético quanto à culpa dos médicos. Ele mesmo, claro, morreria sob circunstâncias suspeitas, aparentemente após lhe ser negado um atendimento médico adequado.


O esboço do plano de 1947 foi rejeitado – como, não sabemos. Zhdanov havia proposto um congresso do partido, em 1948, que teria acontecido de acordo com o costume, mas, por razões desconhecidas, o 19º Congresso do Partido foi adiado para 1952.


Tudo isso sugere que, como o historiador liberal Arch Getty argumentou, o verdadeiro poder na URSS não era, de muitas maneiras, detido pela liderança central que se formava em torno de Stalin, e, principalmente, nem pelo próprio Stalin. Este era apenas um mito da Guerra Fria, uma caricatura parcialmente facilitada pela fama de Stalin e pela adoração de seu heroísmo. Ele aparentava ser uma figura mítica. Mas, na realidade, a gerência de nível médio e os primeiros secretários do partido tinham um poder substancial e Stalin estava na minoria.

Este grupo de privilegiados, os primeiros secretários, tecnocratas etc., eram também os mais suscetíveis à corrupção e o novo programa de Stalin e Zhdanov teria os atacado de forma precisa, retirando a gestão dos escritórios de Estado, ministérios, fábricas etc. das mãos do Partido e colocando-a nas mãos das massas não-partidárias.


De um ponto de vista ideológico e prático, este parece um curso de ação necessário. Qual é o propósito de um partido de vanguarda? Ele deve servir de guia e líder ideológico do proletário, ser um pequeno grupo de trabalhadores industriais com maior consciência de classe, não um gigantesco partido de administradores.


Em 1929, Molotov esboçou o plano do Politburo de Stalin para proletarizar o partido, de modo que em 1930 pelo menos 50% do partido contava com trabalhadores industriais. Esse objetivo foi alcançado. Em 1930, o partido consistia em 65% de trabalhadores manuais, 20% de camponeses e apenas 14% de funcionários de colarinho branco. O partido tinha uma composição mais proletária em 1930 do que na época de Lenin. No entanto, no período de Kruschev, o número de proletários industriais no partido foi reduzido para 30%, enquanto METADE do partido consistia em funcionários de colarinho branco.


Isso deixa claro como Kruschev reuniu a burocracia em torno dele e derrotou todos os esforços igualitários, democráticos e de proletarização. Isso também torna ridícula a acusação trotskista de que Stalin era o líder de uma casta burocrática, já que seus esforços em 1930 criaram um partido ainda menos burocrático do que o de Lenin. Para explorar como a burocratização no partido ocorreu durante os anos 1940 e início dos anos 50, seria necessário ir muito além do que este texto alcança, mas as explicações populares são condições materiais da Rússia, onde o Estado foi forçado a contar com uma minoria de especialistas enquanto que as massas estavam, em sua grande maioria, sem qualquer tipo de educação; assim como foi grande o número de mortos dentro dos melhores quadros comunistas e proletários na Segunda Guerra Mundial, o que forçou o Partido e o Estado a admitirem uma grande quantidade de pessoas menos adequadas em suas fileiras, no final dos anos 40, para que essas perdas fossem substituídas.


“Devido às evidências circunstanciais de uma série de medidas que foram tomadas pelos conspiracionistas nos meses anteriores à morte de Stalin para remover suas fontes de segurança, não é de surpreender que, semanas após a sua morte, começassem a circular rumores de que ele havia sido assassinado:


‘Correram boatos, principalmente na Geórgia, de que Stalin havia sido envenenado’. (W. Laqueur, p. 151).


Foi relatado que Vasily, filho de Stalin, havia gritado:


‘Eles irão matá-lo! Eles irão matá-lo!’. (P. Deriabin, p. 321).


‘Vasily, o filho de Stalin, não parava de entrar e de gritar ‘Eles mataram o meu pai, os desgraçados!’’. (D. Volkogonov, p. 774).


Vasily foi preso em abril de 1953 com o intuito de, de acordo com a sua irmã Svetlana, ‘isolá-lo’:


‘Após a morte de meu pai, [Vasily]... foi preso. Isso aconteceu porque ele ameaçou o governo, ele disse ‘meu pai foi morto por seus rivais’ e coisas assim, e sempre haviam muitas pessoas ao seu redor – então eles decidiram isolá-lo. Ele ficou na prisão até 1961... e depois morreu’. (S. Alliluyeva, ‘Only One Year’, p. 202).

‘[Vasily] estava convencido de que nosso pai havia sido ‘envenenado’ ou ‘assassinado’. Durante todo o período antes do funeral... ele acusou o governo, os médicos e todo mundo que estivesse na frente de usar o tratamento errado em meu pai... Ele foi preso no dia 18 de abril de 1953... Ele foi condenado a oito anos de prisão. Morreu no dia 19 de março de 1962’. (S. Alliluyeva, p. 222-23, 224, 228).


Georges Bortoli comenta:


‘Vasily Stalin disse em voz alta o que os outros estavam pensando consigo mesmos. Em menos de um mês, todos os tipos de boatos começariam a circular em Moscou e as pessoas começariam a falar em crime... Algumas pessoas disseram que vários membros da comitiva de Stalin foram ameaçados pelo expurgo que se aproximava. Eles haviam tomado medidas para evitá-lo?’. (G. Bortoli, ‘The Death of Stalin”, p. 151)”. (“The ‘doctors’ case’ e “The Death of Stalin”, de Bill Bland).

Na verdade, muitos outros líderes que ficaram conhecidos por terem apoiado firmemente Stalin também morreram misteriosamente quase imediatamente depois.


“O líder marxista-leninista tchecoslovaco, Klement Gottwald, morreu pouco depois de uma visita a Moscou para assistir ao funeral de Stalin”. (Bland, Ibid).


O líder marxista-leninista polonês, Boleslaw Beirut, também morreu, isso logo após Khruschev ter tomado o poder em 12 de março de 1957.


O líder albanês Enver Hoxha acusou explicitamente os khruschevistas de terem assassinado Stalin, alegando que um deles, Anastas Mikoyan, admitiu abertamente isso a ele.


Toda essa vilania surgiu logo após a morte ou, para ser mais preciso, depois do assassinato de Stalin. Digo depois do assassinato, porque o próprio Mikoyan me contou... que ele, junto com Kruschev e seus associados, haviam decidido... fazer um atentado contra a vida de Stalin’. (E. Hoxha, “With Stalin: Memoirs”, p. 31).

Em seu livro “Problemas Econômicos do Socialismo na União Soviética”, Stalin argumentou contra os tipos de reformas orientadas para o mercado que os revisionistas fariam mais tarde. O mesmo Anstas Mikoyan descreveu as opiniões de Stalin no livro como “um desvio incrivelmente esquerdista”. (“Neveroiatno levatskii zagib”. Mikoian, Tak Bylo, C. 46: “On the Eve of and During the 19th Party Congress: Stalin’s Last Days”).


O professor Grover Furr conclui:


“Há aqui um mistério muito conhecido do motivo por trás do atendimento médico não ter sido convocado para Stalin, gravemente doente, até um dia ou mais depois que foi descoberto o seu derrame. Quaisquer que sejam os detalhes desse caso, Kruschev estava envolvido nele”. (Furr, “Khrushchev Lied, p. 208).


PRIMEIRA TENTATIVA DE GOLPE


Stalin morreu às 21h50, no dia cinco de março. Os revisionistas imediatamente usaram o controle das forças de segurança que possuíam para se prepararem para um golpe. O jornalista americano Harrison Salisbury foi uma testemunha ocular de como, pouco antes das 06h da manhã seguinte:


“... comboios silenciosos de caminhões entravam na cidade. Sentados de pernas cruzadas em bancos de madeira dentro dos caminhões pintados de verde, estavam os destacamentos de tropas do MVD com boné azul e vermelho – vinte e dois por caminhão –, suas tropas especiais... Um pensamento fugaz passou pela minha mente de que, talvez, um golpe de Estado poderia estar em andamento.

Às nove horas... as tropas do Ministério do Interior estavam por toda parte no centro da cidade... Na parte superior da Gorky Street, colunas de tanques surgiram... Todas as tropas, os caminhões e tanques pertenciam aos destacamentos especiais do MVD. Nem um único destacamento de forças regulares do Exército foi visto.


Mais tarde descobri que o MVD havia, de fato, isolado quase toda a cidade de Moscou...


Por volta das dez ou onze horas manhã do dia seis de março de 1953, ninguém podia entrar ou sair do centro de Moscou, exceto com autorização do MVD... As forças do MVD tomaram conta da cidade...


Alguma outra tropa podia entrar na cidade? Apenas com a permissão do MVD ou se estivesse preparada para lutar no meio do caminho, rua por rua, barricada por barricada”. (H. Salisbury, p. 163-64, 166, 171, 173).


“Mesmo antes do corpo de Stalin esfriar... Tropas da MGB... não apenas estabeleceram controles e interromperam o tráfego, incluindo pedestres, em todas as principais vias da capital, mas também cercaram o Kremlin”. (Deriabin, p. 328).

Os marxistas-leninistas conseguiram, naquele momento, frustrar o golpe planejado, mobilizando apoio suficiente para convocar para o dia seguinte, sete de março, uma reunião conjunta de emergência com o Comitê Central do Partido Comunista, o Conselho de Ministros e o Soviete Supremo da URSS.


Nessas circunstâncias, os conspiradores revisionistas perderam a coragem e julgaram conveniente adiar o golpe planejado e abdicarem de serem oposição à eleição de Beria como Ministro encarregado da segurança do Estado, uma nomeação que obviamente teve o apoio da maioria da liderança.


Khruschev escreveu em suas memórias:


“Beria imediatamente propôs à Malenkov que ele assumisse como presidente do Conselho dos Ministros [primeiro-ministro]. No mesmo momento, Malenkov propôs que Beria fosse nomeado primeiro deputado. Ele também propôs a fusão dos Ministérios de Segurança do Estado com o Ministério de Assuntos Internos em um único Ministério de Assuntos Internos, com Beria como Ministro... Eu fiquei em silêncio... Bulganin também ficou em silêncio. Eu pude ver qual era a atitude dos outros. Se Bulganin e eu nos objetássemos... teríamos sido acusados de começar uma luta no Partido antes que o cadáver esfriasse”. (p. 324). (“The ‘doctors’ case’ e “The Death of Stalin”, de Bill Bland).


O GOLPE MILITAR EM MOSCOU (1953)


O golpe de Kruschev entrou em ação quando os militares prenderam Beria, então vice-presidente e ministro do Interior. Em julho de 1953, Beria foi acusado de corrupção. No final de junho de 1953, os conspiradores revisionistas alegaram que Beria era um agente nacionalista de potências imperialistas estrangeiras e que vinha conspirando contra a liderança do Partido. No entanto, mais tarde, Kruschev surpreendentemente admitiu que não tinham nenhuma evidência do suposto nacionalismo de Beria.


“Eu poderia facilmente acreditar que [Beria] tinha sido um agente dos Mussavatistas, como Kaminsky havia dito, mas essas suas acusações nunca foram verificadas... Tínhamos apenas a nossa intuição de continuar com a acusação”. (Kruschev, p. 333).


Para finalmente realizar seu golpe, Kruschev precisou ganhar o apoio dos militares. Ele disse: “A segurança do Presidium era obediente à [Beria]. Portanto, decidimos pedir a ajuda dos militares”. (Kruschev, págs. 335-36).


“No final de junho de 1953, Beria foi reprimido, seja por detenção e aprisionamento ou por assassinato direto”. (Furr, Khruschchev Lied, p. 194).

De acordo com o historiador Iuri Zhukov, Kruschev conseguiu ganhar parte da burocracia do partido ao se opor às reformas democráticas e igualitárias propostas por Stalin, que foram apoiadas por Malenkov e Beria. Malenkov foi expulso, Beria foi morto.


Stalin propôs políticas econômicas que visavam a abolição total da pequena produção de mercadorias que ainda existia, a abolição do comércio por dinheiro que seria substituído pela troca de bens de igual valor-trabalho, a abolição das diferenças entre o trabalho físico e mental e outras políticas igualitárias, além de políticas que iriam significar uma transição radical para o comunismo pleno.

Ainda, segundo Zhukov, Stalin defendeu eleições contestadas e reformas democráticas. Também sabemos que Stalin propôs retirar o partido da liderança da administração do Estado como uma transição necessária na próxima etapa da construção socialista em direção ao comunismo. Faria sentido que alguns burocratas de direita se opusessem a isso e considerassem esses métodos muito radicais e de esquerda.


Houve uma decisão, de acordo com o historiador Zhukov, de diminuir os salários dos políticos que foi apoiada por Malenkov. Kruschev conseguiu conquistar algumas pessoas revertendo essa política e devolvendo salários mais altos aos burocratas.


“Tenho a firme convicção de que o verdadeiro sentido do XX Congresso está justamente neste retorno do aparelho do Partido ao poder. Era a necessidade de esconder esse fato... que tornava necessária a diversão da atenção dos eventos em mãos e a concentração desta atenção no passado com a ajuda do ‘relatório secreto’ [mais conhecido como o Discurso Secreto, onde Kruschev lançou um ataque ideológico contra Stalin]”. (I. Zhukov, “Krutoi povorot... nazad”. “A sharp turn... backwards”).


Foi necessário tudo isso para que Khruschev pudesse atacar Beria, que era, ao mesmo tempo, chefe das forças de segurança e vice-presidente da URSS. Após a morte de Stalin, ele era um dos homens mais poderosos do país. Malenkov era o chefe do conselho de ministros, ou primeiro-ministro, enquanto que Molotov, talvez o terceiro homem mais poderoso do país, era o ministro das Relações Exteriores.


Não está claro como, exatamente, Khruschev conseguiu escapar impune do assassinato de Beria. O próprio Khruschev afirma que foi capaz de convencer ou intimidar Molotov e Malenkov a ficarem de braços cruzados enquanto o fazia, mas isso deve ser encarado com cautela. A remoção de Beria foi uma conspiração cheia de engano, fraude e um foi golpe palaciano.


Na noite de 26 de junho de 1953, tanques do Exército Vermelho da Divisão Kantemirovskaya invadiram Moscou e ocuparam praticamente as mesmas posições que... em março. E os tanques eram apoiados pela infantaria do distrito militar da Bielo-Rússia”. (Deriabin, p. 332).


A remoção de Beria foi levada à público no mês seguinte. Um golpe também foi realizado dentro da organização do partido georgiano. Os oponentes de Khruschev foram rotulados como nacionalistas georgianos, removidos e substituídos em grande parte pelos militares de Zhukov.


Em 1956, Khruschev lançou seu ataque a Stalin, chamado “Discurso Secreto”. Praticamente todo o conteúdo deste discurso infame e extremamente significativo foi provado como falso. Há uma longa análise que refuta as alegações feitas no discurso de Khruschev, chamado “Khruschchev Lied”, que recomendo para todos os interessados neste tópico.


Por que Khruschev fez esse discurso? Como os comunistas chineses teorizaram, Khruschev queria seguir políticas drasticamente diferentes da linha marxista-leninista de Stalin e de seus apoiadores e, para isso, era necessário atacar a legitimidade de Stalin. O historiador Iuri Zhukov enfatizou que para Khruschev era necessário combater as reformas democráticas de Stalin e os programas igualitários e devolver o poder às mãos da burocracia do partido chefiada pelo próprio Khruschev. Os chineses disseram algo muito semelhante, que o partido soviético havia se tornado corrupto e revisionista.


Para mim está claro que Khruschev também teve que atacar politicamente todos os seus oponentes. Khruschev não atacou apenas Stalin, ele também atacou todos os seus outros oponentes: Molotov, Kaganovich, Malenkov, Beria, rotulando-os de “stalinistas”. A evidência da lealdade de Malenkov e de Beria à Stalin é algo em debate. O próprio Khruschev revelou-se um membro extremamente desleal da administração de Stalin. Malenkov só se juntou ao Politburo como candidato em 1941. Portanto, não devemos concluir automaticamente que Malenkov e Beria não eram personagens suspeitos, oportunistas ou revisionistas apenas porque eram rivais de Khruschev, essa é uma questão totalmente diferente. Mas era importante para Kruschev rotulá-los de “stalinistas” para marginalizá-los.


Por que Molotov e Kaganovich mais uma vez ficaram parados sem se defender adequadamente? Apenas o pessoal de Khruschev teve acesso aos arquivos que provaram que o discurso secreto estava cheio de mentiras. Molotov e Kaganovich deviam saber até certo ponto que Khruschev estava mentindo, mas estavam relativamente indefesos contra as acusações. Pelo que sabiam, podiam ser parcialmente verdadeiros. Isso também se aplica ao resto do movimento comunista. O movimento ficou chocado, até mesmo Mao Tsé-Tung e Enver Hoxha não se opuseram publicamente ao discurso secreto até quatro anos depois, quando ficou claro para eles o que tinha acontecido e era tarde demais.

No ano seguinte, em junho de 1957, Malenkov finalmente tentou tirar Khruschev do poder, junto dos marxista-leninistas Kaganovich e Molotov. Eles ganharam a votação no Presidium por 7 a 4. No entanto, Kruschev argumentou que apenas o plenário do Comitê Central poderia removê-lo do cargo. Uma sessão extraordinária do Comitê Central foi realizada onde ele foi apoiado pelo líder militar Georgy Zhukov, que fez um discurso em favor de Khruschev, ameaçando até usar os militares para apoiá-lo. Assim, o golpe militar continuou e a democracia partidária foi destruída por Khruschev.


Por que o general apoiou Khruschev, embora mais tarde tenha admitido que Stalin foi um grande líder e Khruschev um oportunista desonesto e vaidoso? Porque Khruschev havia promovido Zhukov a ministro da Defesa, enquanto que Stalin o havia demovido devido a acusações de corrupção.


Essa rede de intrigas e corrupção é o que geralmente conhecemos como o Golpe de Khruschev. O assassinato ou possível negligência criminosa do moribundo Stalin, o assassinato de muitos dos inimigos políticos de Khruschev, a marginalização de incontáveis outros, as mentiras, o suborno, o controle militar total e a rejeição completa da democracia partidária. Khruschev fez aquilo que acusou falsamente Stalin, e outros, de fazer.


FONTES:

Um artigo pioneiro de W. B. Bland sobre a morte de Stalin e golpe de Kruschev. Este artigo é muito bom, porém está seriamente desatualizado e utilizo apenas as evidências que citei do artigo. Às vezes, cita Robert Conquest, cujo trabalho, neste caso, é quase totalmente inútil e não confiável. Os escritos de Conquest não podem ser considerados evidências suficientes. O artigo também cita o “Discurso secreto”, de Kruschev, que é tratado praticamente da mesma forma, não como uma evidência, exceto quando analisado como uma peça de propaganda. O artigo também defende a posição de que o Caso do Doutor era genuíno, o que à luz de pesquisas mais modernas é discutível.


Alliluyeva, Twenty Letters to a Friend

Alliluyeva, Only One Year

P. Deriabin, Watchdogs of Terror: Russian Bodyguards from the Tsars to the Commissars

H. Salisbury, Stalin’s Russia and After

R. H. McNeal, Stalin: Man and Ruler

J. Lewis & P. Whitehead, Stalin: A Time for Judgement

W. Laqueur, Stalin: The Glasnost Revelations

D. Volkogonov, Stalin: Triumph and Tragedy

A. B. Ulam, Stalin: The Man and His Era

Hoxha, With Stalin: Memoirs

G. Bortoli, The Death of Stalin

Pyzhikov, A. “N.A. Voznesenskii o perspektivakh poselvoennogo obnovleniia obshchestva.”

Mikoyan, And it was (Mikoian, Tak Bylo) Ch. 46: “On the Eve of and During the 19th Party Congress: Stalin’s Last Days.”

Análise da política econômica da era Kruschev. Não concordo com todas as conclusões e, às vezes, o livro enfatiza evidências que talvez não tenham uma importância crucial, mas em geral as evidências apresentadas são valiosas e mostram a transformação empreendida por Kosygin com suas reformas orientadas para o lucro e a negação do modelo proposto por Stalin.




Tradução de Morgana Pinto Amaral



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