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Reforma administrativa e a espoliação dos trabalhadores



Eles pensam que a maré vai e nunca volta. Até agora eles estavam comandando meu destino e eu fui... Fui recuando, recolhendo fúrias, mas hoje, hoje eu sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca, quando eles virem invertida a correnteza, quero ver se eles resistem a surpresa e quero saber como que eles reagem a ressaca” Joana – Segundo Ato – Gota d’Água (Chico Buarque)


Introdução: tendências gerais do capitalismo burocrático brasileiro


Apesar de todas as disputas que podemos observar no interior do Estado brasileiro, existe concordância geral entre os diversos grupos que ali se encontram em torno da aplicação de um determinado projeto político-econômico. Nos anos noventa, o Brasil aderiu a tendência mundial e começou a aplicar as políticas do chamado neoliberalismo, ditadas diretamente pelo Consenso de Washington. Desde então, somos constrangidos por dogmas ideológicos que ganham corpo em políticas econômicas, legislações e aparelhos repressivos que visam maximizar a espoliação de nosso povo e a submissão completa da nação brasileira aos interesses das grandes potências capitalistas.


Na primeira década dos anos 2000, com a ascensão dos governos do Partido dos Trabalhadores, não observamos o afastamento desse projeto, mas a tentativa de empreendê-lo de modo mais brando, paulatino e matizado por determinadas políticas compensatórias. Após 2016, com o aprofundar da crise e o Golpe de Estado, todas as atenuações em tal projeto foram completamente sustadas pelas classes dominantes, que passaram a aceitar apenas a concretização imediata e irrestrita de todas as medidas necessárias para a maximização de seus lucros.

Atualmente, esse projeto está em plena aplicação, na forma da política econômica de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, bem como na tendência geral entre todas as forças da política burguesa em defender e aplicar o neoliberalismo como ideologia guia para nossa sociedade e Estado. O complemento necessário para isso é o aprofundamento da vigilância e repressão contra as forças democráticas e progressistas de nossa sociedade.

É jargão comum ouvirmos que “algumas reformas são necessárias” para o país superar a situação de crise profunda que já se arrasta há mais de 5 anos. Tais reformas, como dissemos, compõem um projeto político-econômico que unifica uma série de grupos que coexistem dentro do Estado. O que eles não revelam em seus discursos é que essa é a política das classes dominantes, para que elas superem a sua crise, e isso à custa da espoliação do conjunto de nosso povo.

A chamada “Reforma Administrativa” é apenas mais um ponto desse projeto, atualmente em evidência por estar prevista para ser votada logo após as eleições deste ano. Sendo assim, é importante dedicarmos alguns comentários específicos sobre tal Reforma.

A Reforma: análise político-jurídica

No mês de setembro do presente ano, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, encaminhou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) elaborada por sua equipe econômica, pretendendo uma série de alterações concernentes às carreiras de servidores, empregados públicos e organização administrativa do Estado.

O Projeto foi identificado como PEC 32/2020, passando a ser referido como “Reforma Administrativa”. Ocorre que os principais pontos trazidos por tal “reforma”, em verdade, consistem num ataque direto aos trabalhadores do funcionalismo público e à própria estrutura da Administração Pública do país.

Em relação ao funcionalismo, a PEC propõe a extinção do regime jurídico único, estabelecendo novas formas precarizadas de contratação no serviço público, com menos direitos e garantias aos trabalhadores.


A abrangência da PEC, por sua vez, contempla todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vinculando-os à observância de novos princípios administrativos constitucionais inseridos ao caput do artigo 37 da Constituição da República, dentre eles o da “inovação” e “subsidiariedade”, que tentam implementar uma lógica empresarial e abstencionista à atividade estatal.

Nesse ponto, é manifesta a semelhança entre a PEC 32/2020 e outras “reformas” concretizadas ao longo dos últimos anos no Brasil, notadamente a partir dos anos 1990, onde, apoiando-se na doutrina do neoliberalismo, intensificam-se os ataques ao Estado brasileiro sob a pretensa justificativa de “modernização” e “eficiência”.

Podemos citar como exemplos diretos a reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017), no âmbito infraconstitucional, e a “reforma administrativa”, implementada pela Emenda Constitucional 19/1998, no âmbito constitucional.

Enquanto a primeira extirpou direitos trabalhistas sob a falsa roupagem da “flexibilização”, criando assim um exército de trabalhadores brutalmente espoliados, a segunda objetivou facilitar privatizações e novas formas de contratação pública tão precárias quanto as propostas na “reforma administrativa” de 2020. Da mesma forma, a EC 19/1998, ao inserir o princípio da eficiência ao caput do artigo 37, igualmente intentou imprimir papel “gerencial” e subsidiário ao Estado brasileiro, cuja premissa seria a não intervenção nos âmbitos social e econômico.

Não obstante a “reforma administrativa” de 1998 ter encontrado limites na hermenêutica constitucional, e a dilapidação do Estado não ter se aprofundado no grau almejado pelos autores da reforma, o que vislumbramos nas últimas movimentações do governo federal, quando da proposição da nova PEC da “reforma administrativa”, nada mais é do que a continuidade de um projeto iniciado décadas atrás.

O que podemos abstrair deste movimento, seja em relação ao desmonte de partes do Estado brasileiro (aquelas que não se adequam ao modelo neoliberal), seja em relação à precarização das relações de trabalho nas esferas pública e privada, é que existe, pois, um conjunto de ações orquestradas a fim de enfraquecer certas estruturas estatais, tornando o Estado ainda mais suscetível à interferências do poder econômico das classes dominantes, mas também para criar as condições necessárias para aumentar a espoliação dos trabalhadores por este mesmo grupo e seus agentes.

Assim, não há dúvidas de que as legislações brevemente visitadas nesta oportunidade, e o Direito como um todo, destinam-se a criar condições que viabilizem a exploração contumaz da classe trabalhadora, dando aparência de legalidade às maiores atrocidades cometidas contra o povo.

A espoliação dos trabalhadores

É certo que a chamada “Reforma Administrativa” não visa a uma suposta eficiência ao introduzir no Estado de forma mais direta a lógica empresarial de administração. O que realmente é almejado por esse projeto é a maior espoliação do povo brasileiro, no caso, pelo incremento da exploração dos trabalhadores do funcionalismo público; pretende-se, dessa forma, aprofundar a submissão do país aos interesses estrangeiros, uma vez que o montante espoliado tende a ser diretamente transferido para o pagamento de uma obscura dívida pública.

Ao facilitar a demissão de trabalhadores do funcionalismo público e regularizar formas precárias de contratação, levando em consideração que o Estado emprega mais de 11 milhões de pessoas, a tendência é que a Reforma aumente os já altíssimos índices de desemprego e retraia ainda mais o mercado interno.

Enfraquecendo determinadas estruturas do Estado, aquelas mais tendentes ao amortecimento das contradições, ao mesmo tempo em que outras são fortalecidas, aquelas mais diretamente repressivas, o projeto político-econômico neoliberal caminha de mãos dadas com o protofascismo brasileiro. Não é à toa que a dupla Guedes-Bolsonaro está à frente desse processo de reorganização do Estado, do qual a “Reforma Administrativa” faz parte como elemento necessário.

Temos inúmeros exemplos de que as políticas neoliberais estão custando muito caro aos trabalhadores. A Reforma Trabalhista, da Previdência, as privatizações, a criação de novas forças repressivas e o fortalecimento das que já existiam, sob o pretexto do “combate à criminalidade”, enfim, cada ponto do programa do imperialismo e seus lacaios, não tem trazido mais do que miséria e desespero ao nosso povo.

Os velhos burocratas que defendem esse programa pensam que poderão continuar indefinidamente com suas “reformas”. Como escreveu um cantor popular, “eles pensam que a maré vai e nunca volta”, mas não sabem que nosso povo, ainda que momentaneamente recuando, anda recolhendo fúrias, e alguns poderão se surpreender quando virem invertida a correnteza e tiverem que lidar com a ressaca.


Escrito por Daniela Cruz e Guilherme Nogueira

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