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"A telecracia"


Hoje em dia, o estádio é um gigantesco estúdio de televisão. Joga-se para a televisão, que oferece a partida em casa. E a televisão manda.

No Mundial de 86, Valdano, Maradona e outros jogadores protestaram porque as principais partidas eram disputadas ao meio-dia, debaixo de um sol que fritava tudo que tocava. O meio-dia do México, anoitecer da Europa, era o horário que convinha à televisão européia. O arqueiro alemão, Harald Schumacher, contou o que acontecia:

- Suo. Tenho a garganta seca. A grama está como a merda seca: dura, estranha, hostil. O sol cai a pique sobre o estádio e explode sobre nossas cabeças. Não projetamos sombras. Dizem que isto é bom para a televisão.

A venda do espetáculo importava mais do que a qualidade do jogo? Os jogadores existem para chutar, não para sapatear; e Havelange pôs um ponto final no aborrecido assunto:

- Que calem a boca e joguem - sentenciou.

Quem dirigiu o Mundial de 86? A Federação Mexicana de Futebol? Não, por favor, chega de intermediários: quem dirigiu foi Guilhermo Canedo, vice-presidente da Televisa e presidente da rede internacional da empresa. Foi o Mundial da Televisa, o monopólio privado que é dono do tempo livre dos mexicanos e também dono do futebol do México. E nada era mais importante que o dinheiro que a Televisa podia receber, junto com a FIFA, pelas transmissões aos mercados europeus.

Quando um jornalista mexicano cometeu a insolência de perguntar pelos gastos e lucros do Mundial, Canedo cortou-o secamente:

- Esta é uma empresa privada que não tem porque prestar contas a ninguém.

Terminado o Mundial, Canedo continuou sendo cortesão de Havelange, numa das vice-presidências da FIFA, outra empresa privada que tampouco presta contas a alguém.

A Televisa não apenas tem em suas mãos as transmissões nacionais e internacionais do futebol mexicano, possui além disso três dos clubes da primeira divisão: a empresa é dona do América, o mais poderoso, do Necaxa e do Atlante.

Em 1990, a Televisa fez uma feroz exibição de seu poder sobre o futebol mexicano. Naquele ano, o presidente do clube Puebla, Emilio Maurer, teve uma ideia mortal: ocorreu-lhe que a

Televisa bem que podia desembolsar mais dinheiro por seus direitos exclusivos de transmissão das partidas. A iniciativa de Maurer teve boa repercussão em alguns dirigentes da

Federação Mexicana de Futebol. Afinal, o monopólio pagava pouco mais de mil dólares a cada time, enquanto ganhava fortunas vendendo os espaços de publicidade.

A Televisa mostrou, então, quem manda. Maurer sofreu um bombardeio implacável: de repente descobriu que seus negócios e sua casa tinham sido embargados por dívidas, foi ameaçado, foi assaltado, foi declarado fora da lei e lançou-se contra ele uma ordem de prisão. Além disso, o estádio de seu time, o Puebla, um belo dia amanheceu fechado, sem aviso prévio. Mas os métodos mafiosos não bastaram para derrubá-lo do cavalo, de modo que não houve outra solução senão mandar Maurer para a prisão e varrê-lo do time rebelde e da Federação Mexicana de Futebol, junto com todos os seus aliados.

Em todo o mundo, por meios diretos ou indiretos, a televisão decide onde, quando e como se joga. O futebol se vendeu à telinha de corpo, alma e roupa. Os jogadores são, agora, astros da televisão. Quem concorre com seus espetáculos? O programa que teve mais audiência na França e na Itália em 1993 foi a final da Copa europeia de campeões, disputada pelo Olympique de Marselha e pelo Milan. O Milan, como se sabe, pertence a Silvio Berlusconi, o czar da televisão italiana. Bernard Tapie não era o dono da televisão francesa, mas seu time, o Olympique, tinha recebido da telinha, em 1993, trezentas vezes mais dinheiro do que em 1980. Razões não lhe faltavam para terlhe carinho.

Agora milhões de pessoas podem ver as partidas, e não apenas as milhares que cabem nos estádios. Os torcedores se multiplicaram e se transformaram em possíveis consumidores de qualquer coisa que os manipuladores de imagens queiram vender. Mas, diferente do beisebol e do basquetebol, o futebol é um jogo contínuo, que não oferece muitas interrupções úteis para fazer publicidade. Um intervalo só não é suficiente. A televisão norte-americana

propôs corrigir este defeito desagradável dividindo as partidas em quatro tempos de vinte e cinco minutos, e Havelange está de acordo.

Por Eduardo Galeano, no livro “Futebol ao Sol e a Sombra”

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