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Especulação imobiliária: o Recife não é mais do povo


O geógrafo e sociólogo pernambucano Josué de Castro (em “Geografia da Fome”), já nos idos de 1940 e 50, escrevia sobre a fome e a brutal desigualdade em que viviam a maioria dos recifenses. Outro sociólogo, Gilberto Freyre, também já havia denunciado (em “Sobrados e Mocambos”) a desigualdade nos tipos de moradias dos recifenses até os anos de 1930. O Recife, de lá para cá, pouco mudou essa perversa lógica de uma das cidades mais desiguais do mundo. Convivem no Recife o luxo e a pobreza, frente a frente, numa imagem que revolta os mais sensíveis aos problemas sociais.


Uma das questões onde a desigualdade social mais afeta a capital pernambucana é justamente a questão da moradia. O Recife é umas das cidades no Brasil com o maior número de pessoas vivendo em favelas e em locais insalubres. Estas condições de vida são tratadas, por exemplo, nas composições do grande Francisco de Assis França, o “Chico Science”, onde denunciava a péssima qualidade de vida da maioria dos recifenses e classificando-a como sendo a “quarta pior cidade do mundo”.


Apesar da miséria latente o Recife tem Casa Forte, Espinheiro, Boa Viagem, Apipucos, entre outros locais nobres onde o metro quadrado tem o valor equivalente aos bairros de luxo de capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. Mas, existe um limite natural para o crescimento de áreas nobres na cidade: a questão geográfica. O Recife não tem mais espaço geográfico. Sua área territorial está totalmente ocupada. Até os anos de 1950 ainda existiam áreas rurais que hoje são bairros populosos. As cidades do Grande Recife formam hoje uma média metrópole e os problemas só aumentam. A alta criminalidade é um desses graves problemas do Grande Recife.


Já que não tem área nova, vamos às áreas do velho Recife, pensam as grandes empresas construtoras. A cobiça e a ambição desenfreada do capitalismo criaram a especulação imobiliária. Espaços pertencentes e renegados pelo Poder Público ou por culpa direta da desindustrialização de Pernambuco abriram brechas para a chegada de grandes empresários imobiliários que viam nestes locais “sem interesse” uma forma de ganhar dinheiro, muito dinheiro. Um desses locais que hoje gera muita briga pela sua propriedade é o Cais José Estelita. A área onde fica o Cais José Estelita possui 101,7 mil metros quadrados e está localizada entre os bairros de Boa Viagem e Recife antigo. Fica em frente à Bacia do Pina, lugar privilegiado no Recife e que motivou a corrida de várias construtoras pela posse do local.


O terreno pertencia à antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), desmontada à partir do final dos anos de 1970 e – após ser sucateada - privatizada nos anos de 1990. Em 2008 ocorreu um leilão desse terreno com uma única proposta de compra pelo chamado Consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara Empreendimentos e GL Empreendimentos. Todas estas construtoras são financiadoras de campanhas políticas no Estado e a Moura Dubeux é uma das que mais especula em solo recifense, mantendo relações além da política com o futebol da capital (um dos proprietários da empresa, Gustavo Dubeux, foi presidente do Sport Club do Recife e atuou como um dos principais interessados na construção da Arena Sport que ainda passa por análise no Conselho Dirigente do clube pernambucano). O terreno do José Estelita foi adquirido por 55 milhões de reais, uma verdadeira pechincha (540 reais por metro quadrado). A União praticamente fez uma doação ao consórcio vencedor do “leilão”.


O projeto do Consórcio Novo Recife é construir 12 prédios (sete torres residenciais de luxo, duas comerciais, dois flats e um hotel) que poderão ter até 40 andares. Também serão construídos estacionamentos de até 5 mil vagas. O valor após a construção será de 4 mil reais por metro quadrado, bem diferente dos míseros 540 reais. O Consórcio ainda vai “investir” 62 milhões de reais em obras para compensar o impacto ambiental e público da obra (parque, biblioteca, ciclovias, etc). O Novo Recife nada mais é que um Recife de luxo, fechado à população pobre, com segurança própria e tudo mais através das benesses do Estado brasileiro que adora servir à burguesia.


Várias ações contra este projeto estão na Justiça, incluindo uma do Ministério Público Federal (MPF). A União, segundo o MPF, nunca poderia ter leiloado este terreno sem antes consultar órgãos como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico). O IPHAN, inclusive, teria se interessado pelo terreno e pretendia restaurá-lo para torna-lo um espaço público com criação de museus e áreas de lazer para a comunidade.


Após tudo isso, em maio do ano passado, o consórcio decidiu iniciar a demolição dos antigos depósitos de açúcar do cais. Um grupo de populares começou a resistir e nascia ali o Movimento Ocupe Estelita. O movimento é formado por advogados, arquitetos, sociólogos, artistas, professores, engenheiros, estudantes, médicos, administradores, publicitários, jornalistas, designers e antropólogos, entre outros. Segundo o site do movimento: "A luta do movimento Ocupe Estelita é para que a cidadania ocupe o cais por meio da observância da legislação vigente; da inclusão popular no desenho das oportunidades para a área do centro-sul da capital pernambucana; do respeito ao meio ambiente e do investimento imobiliário responsável”.


Além de ações políticas e sociais, o MOE também age no sentido cultural com a presença de várias manifestações culturais no local e apoio de grupos de cultura popular. O principal slogan do movimento é “A cidade é nossa”. Infelizmente o Recife, cada vez mais, não é dos recifenses, pelo menos não é dos recifenses mais pobres.

por Clovis Manfrini Souto Calado

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