O Golpe de Estado de 1964 no Brasil

O golpe de Estado ocorrido em 1964 no Brasil completou 60 anos. Seu objetivo imediato foi derrubar o presidente João Goulart, o Jango, evitando assim que pudessem avançar em nosso país um conjunto de medidas conhecidas então como “reformas de base”.
Para entendermos as razões do golpe de 64, vamos recuar dez anos. Em 1954, Getúlio Vargas se matou, deixando em sua carta testamento, a denúncia dos motivos que o levaram ao suicídio: “depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei dos lucros extraordinários foi detida no Congresso”.
Nesse e em outros trechos de sua carta, Vargas mostra como o imperialismo e seus aliados no Brasil buscaram evitar medidas que permitiriam ao governo brasileiro atender às necessidades nacionais. Seu ato extremo adiou e limitou as ações do imperialismo no Brasil naquele período.
Em seguida, após o mandato tampão de Café Filho, elegeu-se Juscelino Kubitschek, com uma clara orientação pró-imperialista. Todavia, na eleição seguinte, elegeu-se Jânio Quadros, que renunciou sete meses depois. Seu vice, João Goulart era um político nacionalista, discípulo de Vargas. Goulart deveria tomar posse, de acordo com a Constituição, fato que, evidentemente, não agradava os grupos imperialistas e seus aliados no Brasil.
Em seu livro “Capitalismo e revolução burguesa no Brasil”, Nélson Werneck Sodré caracteriza o golpe de 64 como um momento da revolução burguesa no Brasil. Ele escreve que: “O ‘desenvolvimentismo’ então adotado como norma de ação, vai desembocar, finalmente, na ditadura esboçada com o golpe militar de 1964 e consolidada em 1968, propiciando o chamado ‘modelo brasileiro de desenvolvimento’, com a participação ativa e decisiva das multinacionais, modelo que, vinte anos depois, prova sua inadequação ao desenvolvimento do país e cujos efeitos constituem fator de retardo desse desenvolvimento”. E complementa: “A partir de 1964, e particularmente a partir de 1968, quando a ditadura se aprofundou eliminando qualquer resquício de franquias democráticas, o Estado brasileiro e a economia estatal, entretanto, trabalham para as multinacionais, e a área estatal da economia passou a subsidiar a área multinacional da economia. Era a revelação do caráter essencial do regime que necessitaria instalar o terror para assegurar a manutenção do modelo adotado e que seria aperfeiçoado adiante sob a vigência do mesmo terror”.
Em sua obra, Sodré mostra que a revolução burguesa no Brasil avançou aos tropeços. A burguesia necessitava do apoio do proletariado, mas, ao mesmo tempo, temendo esse apoio, se aliava ao imperialismo e ao latifúndio. Assim, podemos dizer que o golpe de Estado de 1964 foi um golpe burguês-imperialista, ou seja, um golpe liderado pelos setores da burguesia brasileira aliados ao imperialismo. Os governos militares, como ficou provado no desenrolar dos acontecimentos, foram governos servis aos interesses do imperialismo, sobretudo aos interesses dos Estados Unidos no Brasil.
Durante muito tempo, os brasileiros aprenderam a referir-se ao regime instalado com o golpe de 64 simplesmente como ditadura militar. Nos últimos anos apareceram obras sobre aquele período que usam expressões diversas em relação a ele. “Ditadura civil-militar”, “ditadura cívico-militar” ou “ditadura empresarial-militar”, são alguns exemplos dessas novas denominações.
Do nosso ponto de vista, tais denominações não acrescentam grande coisa, pois todas as pessoas minimente informadas sobre o período sabem que o golpe não foi obra exclusiva dos militares e que teve apoio em outras setores da sociedade brasileira.
O que não se fala abertamente é o próprio caráter de classe do Exército, como força repressiva do Estado burguês brasileiro. Não se trata, portanto, de condenar uma casta específica da nossa sociedade por todos os males do Golpe, mas compreender a ideologia por detrás do processo, como parte da grande ofensiva do imperialismo estadunidense na América Latina.
Além disso, tais denominações não ajudam a esclarecer o caráter de classe do golpe e do regime instalado, o que para nós é o fundamental.
O processo de redemocratização burguesa no Brasil, de 1985 até hoje, não alterou, economicamente, o modelo adotado depois do golpe. As “reformas de base” continuam por serem feitas. A desnacionalização da economia brasileira inclusive se aprofundou nas últimas décadas, com as privatizações realizadas pelos sucessivos governos.
Algumas das famílias de militantes opositores ao regime militar, que “desapareceram” naqueles anos, na luta armada contra o regime imposto pelas classes dominantes, continuam cobrando providências do governo sobre o paradeiro de seus familiares.
O fato é que os governos que tivemos até então, após a redemocratização burguesa da sociedade brasileira, estão a serviço das mesmas classes dominantes que estimularam e patrocinaram o golpe de 64. Logo, tais governantes não tem nenhum interesse em incomodar seus amos com essas questões.
Foi o que pudemos ver, não somente na acomodação do governo atual que se negou até citar os 60 anos do Golpe de 1964 para não causar “desconfortos”, ou mesmo se compararmos com os nossos países vizinhos da América do Sul, que em uma ou outra medida, foram capazes de punir os militares por seus inúmeros crimes quando estiveram no poder no século XX, enquanto aqui ainda segue vigente a indecente “Lei de Anistia”, que salvaguardou os crimes fardados de ter qualquer punição.
Assim como as “reformas de base” sempre adiadas, o esclarecimento dos crimes do regime militar continua na dependência de que o povo brasileiro reúna força suficiente para tomar o poder e assim instalar um governo que esteja, de fato, a serviço dos interesses populares e nacionais. Somente assim poderemos superar a herança maldita da ditadura.
ARTIGO PUBLICADO NA EDIÇÃO #29 DO JORNAL RUMOS DA LUTA
