"A Questão Palestina e as Relações Internacionais"
No Brasil temos hoje entre 15 e 20 mil palestinos. Desde o início dos anos oitenta tem crescido em nosso país um movimento de solidariedade com a causa palestina que atravessa as barreiras ideológicas, políticas, partidárias e religiosas. É possível encontrar sindicatos filiados a diversas centrais sindicais (Central Única dos Trabalhadores-CUT, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil – CGTB, Central Sindical-Popular Coordenação Nacional de Lutas – CSP-CONLUTAS, INTERSINDICAL, Força Sindical, entre outras) assinando manifestos e participando da organização de atos e mobilizações de apoio a luta pela criação do Estado Palestino. Desde os anos 1980 a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) possui escritório de representação diplomática em Brasília, que hoje já tem status de Embaixada, é a Embaixada da Palestina no Brasil, que foi uma ação concreta de reconhecimento de vários governos brasileiros à legitimidade dessa luta por independência e libertação nacional. Também entre os diversos partidos políticos brasileiros o apoio aos palestinos é grande, principalmente entre os partidos de centro-esquerda, progressistas e de esquerda. A defesa da criação de um Estado Palestino consta nos programas partidários ou aparece em discursos e manifestos das lideranças. Se fizermos um levantamento entre parlamentares brasileiros, certamente também encontraremos deputados estaduais e federais, senadores e vereadores em todos os Estados que, de alguma maneira, expressam ou já expressaram sua solidariedade contra as arbitrariedades que são cometidas pelo Estado de Israel nesses 62 anos de ocupação militar estrangeira. Também percebemos a existência de vários Comitês de Solidariedade à Luta do Povo Palestino, em vários Estados do Brasil. Em São Paulo, nos últimos anos, foi criada a Frente de Defesa do Povo Palestino, com a participação de movimentos populares, partidos, movimento sindical, movimento estudantil, etc. Os estudantes brasileiros e suas organizações, seja a União Nacional dos Estudantes (UNE) ou a Associação Nacional de Estudantes Livre (ANEL), apesar de divergirem em vários temas da política interna, estão unidos neste tema da política internacional. Entre os movimentos de trabalhadores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina (movimento internacional de trabalhadores rurais e camponeses) tem enviado delegações em missões humanitárias na Palestina. Inúmeros religiosos, judeus, cristãos (das mais diversas denominações) ou muçulmanos também no Brasil se encontram para homenagear este povo e denunciar o constante desrespeito aos direitos humanos praticado pelos sucessivos governos israelenses. Nos últimos anos o governo brasileiro abriu uma Embaixada junto a Autoridade Nacional Palestina (ANP), com sede em Ramalá, na Cisjordânia. Todas essas iniciativas demonstram que existe no povo brasileiro e em suas organizações políticas e sociais a disposição de fortalecer a luta pelo estabelecimento do Estado Palestino. Escrevemos este pequeno texto para estimular a reflexão crítica sobre a questão palestina, deixando de lado o preconceito contra um povo que busca de maneira legítima a sua libertação. Infelizmente, neste início de século 21, ainda somos obrigados a nos defrontar com essa situação injustificável, que é a negação dos direitos nacionais a um povo que vive há séculos naquela região. Esperamos contribuir com o debate ao mesmo tempo que reforçamos a necessidade de ações concretas de solidariedade, pois ser internacionalista é lutar, como já foi dito, contra toda e qualquer forma de injustiça, cometida contra qualquer cidadão, em qualquer lugar do mundo (Ernesto Che Guevara). Os meios de comunicação de massa (ou de desinformação em massa) costumam tratar a Questão Palestina como um conflito entre “judeus e muçulmanos” ou entre “árabes e israelenses”. Os árabes-palestinos sempre aparecem nos grandes veículos de comunicação como terroristas, pessoas sanguinárias, fanáticos religiosos que se explodem cometendo atentados em várias partes do Oriente Médio. Quais são os verdadeiros motivos que fazem com que a Palestina, região onde nasceram as três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo), seja palco de uma guerra onde as vítimas são crianças, idosos e demais membros da população civil que enfrentam todos os dias as agressões de um exército invasor que desrespeita os direitos humanos e as resoluções da ONU desde 1948? A localização estratégica A Palestina é um território de 27.000 quilômetros quadrados que se localiza entre o Egito, Líbano, Síria e Jordânia, tendo um vasto litoral com saída para o Mar Mediterrâneo. Pelo sul da Palestina chega-se ao Golfo de Ácaba, que levará qualquer navegante ao Mar Vermelho, Golfo de Áden, Mar da Arábia, golfo de Omã e Oceano Índico. Do ponto de vista econômico, político e militar, sua localização é estratégica. A Palestina fica no centro do mundo, na divisa entre a África e a Ásia, e bem próxima da Europa. Por isso tal território sempre foi alvo de invasões ao longo de sua história. A região também sempre foi importante rota comercial terrestre e marítima. As origens do conflito atual: sionismo e imperialismo invadem a Palestina Durante o final do século 19 a Palestina estava sob o domínio do Império Turco-Otomano. Na Europa e na Rússia cresce o número e a força de grupos que perseguiam os judeus (“pogroms”). Também nesse período surge um movimento nacionalista judaico chamado Sionismo, que adota esse nome em referência a uma colina de Jerusalém (Sion) onde havia sido construído o Templo de Salomão. Um dos fundadores do movimento sionista foi Theodor Herzl[1](1869-1904). Herzl nasceu em Budapeste e estudou em Viena, duas cidades importantes do então Império Austro-Húngaro. Vinha de uma família de banqueiros, e elaborou sua concepção nacionalista judaica num livro chamado O Estado Judeu, publicado em 1896. Em 1897, Herzl e outros adeptos do Sionismo se reúnem no 1º Congresso Sionista, em Basiléia, na Suíça. A resolução final do Congresso falava da criação de um “lar nacional para os judeus”, algo que já estava presente no livro de Herzl, apontando a Argentina ou a Palestina como os locais mais favoráveis para a realização de tal empreendimento. A partir daí os sionistas correram o mundo para angariar recursos financeiros e apoio político para sua proposta. Herzl e seus seguidores vão estabelecer contatos com os governos da Inglaterra, da Alemanha, com o Império Turco-Otomano, com banqueiros, industriais e comerciantes judeus e não-judeus, visando fortalecer a idéia da necessidade de um Estado Judeu. A comunidade judaica européia se divide, e nem todos apóiam a idéia sionista, mas esse movimento consegue o apoio da burguesia judaica e de setores importantes da burguesia não-judaica européia. Em seu livro Herzl já afirmava sua preferência pela Palestina, que chamava de “pátria histórica” dos judeus, e dizia que o Estado Judeu seria, “para a Europa, um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (O Estado Judeu, p.66). Tal afirmação comprova o vínculo entre sionismo e imperialismo, pois o objetivo de Herzl era obter o apoio das potências imperialistas que dominavam o mundo, e em especial o Oriente Médio, para que a Palestina fosse entregue à burguesia judaica, para que a mesma transformasse esse território numa fortaleza militar contra o avanço do nacionalismo árabe e de possíveis movimentos antiimperialistas que cresciam no Oriente Médio do período pós-Primeira Guerra Mundial. Com a derrota do Império Turco-Otomano na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), França e Inglaterra invadem o Oriente Médio e dividem entre si a região, ficando a Palestina sob o domínio britânico de 1918 a 1948. Nesse período o movimento sionista está consolidado, e sua ambição de construir um “lar nacional para os judeus” na Palestina ganha ainda mais apoio, devido ao massacre de judeus pelos nazistas na Europa da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Criam-se, então, as condições favoráveis para a realização da profecia que Herzl e seus seguidores elaboraram em 1897: criar o “Estado Judeu” em cinqüenta anos. Durante vários séculos os judeus haviam passado por um processo de assimilação, ou seja, haviam se integrado na comunidade nacional de vários países. Trabalhavam, estudavam, participavam da vida política, econômica, social e cultural de onde viviam, e muitos também se envolviam nas lutas por justiça, democracia, igualdade e em defesa dos trabalhadores contra a exploração do capital e do capitalismo. O movimento Sionista divide a comunidade judaica e vai iniciar uma propaganda em defesa de um nacionalismo burguês conservador e com um conteúdo racista e anti-democrático. Basta ver a proposta de organização política do Estado Judeu defendida por Herzl. Diz ele: “Considero a monarquia democrática e a república aristocrática como as mais belas instituições políticas (...) Sou amigo convencido das instituições monárquicas porque elas tornam possível uma política permanente e representam o interesse ligado a conservação do Estado de uma família historicamente ilustre, nascida e educada para reinar (HERZL, 1998, p.111 e 112)”. Sua posição elitista e anti-democrática considera “o referendum como absurdo, pois, em política, não há questões simples que possamos resolver por um sim ou por um não. Aliás, as massas são ainda piores do que os parlamentos (grifo nosso) (...) Diante de um povo reunido, não podemos fazer nem política exterior nem política interior (...) A política deve ser feita do alto” (Idem, p.112). Essa ideologia conservadora serviu de base para a instauração do Estado de Israel. Compreender o conteúdo racista e conservador do sionismo é fundamental para que possamos explicar a posição atual do governo de Israel em relação ao povo palestino. Três idéias foram fundamentais para convencer milhares de judeus a emigrar para a Palestina:
que a Palestina era uma “terra sem povo” e os judeus eram um “povo sem terra”;
que a Palestina é a “pátria histórica” dos judeus;
que os judeus são o “povo eleito” por Deus.
Essas idéias fizeram com que banqueiros e grandes empresários judeus contribuíssem para a criação da Companhia Judaica, empresa de colonização com o objetivo de comprar terras para instalar colônias judaicas na Palestina. Durante os anos 20 e 30 do século 20 o crescimento dessas colônias deu início a uma série de conflitos entre judeus sionistas e árabes-palestinos. Nos anos 40 o movimento sionista começa a organizar grupos terroristas como o Irgun, Stern e Haganah, que fazem ações armadas e atentados contra a população árabe-palestina, com a intenção de intimidá-los através da violência, fazer com que abandonem seus lares, suas propriedades e suas aldeias. O Sionismo se organiza de quatro maneiras:
politicamente: através de várias organizações nacionais e internacionais que visam buscar apoio político de governos para seu projeto colonialista;
economicamente: buscando recursos financeiros de empresários e banqueiros judeus e não-judeus para a instalação de colônias na Palestina;
militarmente: organizando grupos terroristas/paramilitares para espalhar o pânico entre a população árabe-palestina, grupos que, depois de 1948, se transformam nas Forças Armadas de Israel;
culturalmente: através da difusão, pela indústria cultural, de idéias que buscam justificar a dominação territorial da Palestina e o direito “histórico e sagrado dos judeus” de ocupar aquela região.
Em 1947, como resultado de uma articulação política internacional dirigida por representantes das potências imperialistas (EUA, Reino Unido e França) e do sionismo internacional, e com o apoio da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e das recém criadas “repúblicas socialistas” do Leste Europeu, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprova a Partilha da Palestina, que deveria criar naquela região dois Estados, um Judeu e um Palestino. O Estado Judeu ficaria com 56,4% do território, o Estado Palestino ficaria com 42,9%, e 0,7%, correspondente à cidade de Jerusalém, seria administrado pela ONU, por ser local sagrado para cristãos, judeus e muçulmanos. Além de receber a maior parte do território palestino, o Estado Judeu ficou com as terras mais férteis. No ano da partilha (1947), a população árabe-palestina era maioria absoluta em 15 dos 16 subdistritos existentes. Somente em Jaffá a maioria da população era formada por judeus. Eram 1.310.000 de árabes-palestinos-muçulmanos e 630.000 judeus. Quem coordenou a votação na Assembléia Geral da ONU foi o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, ex-Ministro das Relações Exteriores. Orientado pelo governo brasileiro para acompanhar o voto dos EUA, Aranha adiou por dois dias a votação, para que o lobby sionista e estadunidense pudessem convencer outros países sobre a necessidade da criação do Estado Judeu. No dia 29 de novembro de 1947 a votação foi a seguinte:
Favoráveis: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielo-Rússia, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Suécia, Tchecoslováquia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela. Contra: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia. Abstenções: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México, Reino Unido. (GATTAZ, 2002, p. 94 e 95).
Em 14 de maio de 1948 os britânicos deixam a Palestina e é fundado o Estado de Israel. Desde os primeiros dias de sua existência, o governo sionista impediu a criação do Estado Palestino, desrespeitando com isso a resolução 181 da ONU, que previa a constituição de dois Estados. Tem início a Guerra da Palestina, onde de um lado está o Exército Sionista-Colonialista de Israel e, de outro, a população palestina, que desde esta época luta pela sua libertação, pela criação de um Estado Laico e Democrático, onde possam viver em paz judeus, cristãos e muçulmanos, onde seja garantido aos indivíduos o direito de decidir e manifestar livremente suas posições políticas e/ou religiosas. Portanto, desde 1948 o povo palestino vive uma tragédia: foram expulsos de suas terras e de suas casas, e tiveram suas propriedades roubadas ou destruídas pelo chamado Exército de Defesa de Israel. Vilas e cidades palestinas vêm sendo constantemente destruídas durante os 62 anos da Nakba (“A tragédia”). Milhares de pessoas seguiram o caminho do exílio e os refugiados palestinos já chegam a 5 milhões. E, ainda assim, milhares seguem resistindo dentro dos territórios ocupados por Israel. Em 1967, o expansionismo israelense se intensifica. Novas colônias e assentamentos judeus-sionistas são criados em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém, agora tomada militarmente pelo exército colonialista, em mais um desrespeito às resoluções da ONU sobre a questão palestina. Além disso, Israel ocupa militarmente as colinas de Golan, que são da Síria, e a Península do Sinai, do Egito. A única resolução da ONU que Israel respeitou até o momento foi a da sua própria criação. Israel segue hoje como o único país do Oriente Médio com armas nucleares, ou seja, armas de destruição em massa. Fala-se de 200 ogivas. Mordechai Vanunu, físico nuclear israelense, que denunciou o programa nuclear de Israel, comprovando sua finalidade bélica, ficou 18 anos na prisão, sendo 16 na solitária, depois foi para a prisão domiciliar, com proibição de se comunicar com qualquer estrangeiro por quaisquer meios. Em 2010 voltou para a cadeia, acusado de tentar fazer contato com membros do Movimento pelo Fim das Armas Nucleares no Oriente Médio. A ofensiva de 1964 a 1988 e o legítimo direito do povo palestino à resistência diante do colonialismo israelense A resistência palestina já desenvolveu as mais diversas formas de luta. Mas foi nos anos sessenta do século 21 que o movimento de libertação nacional palestino adquiriu importância internacional, conquistando espaços junto a organismos internacionais, governos e representações diplomáticas de vários países, sendo apoiado pelo bloco de países socialistas do Leste Europeu (Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Romênia), pela Albânia, pela China, pelo Vietnã, pela Coréia do Norte, pela URSS, pelo Movimento dos Países Não-Alinhados[2] e pela Liga Árabe[3]. Todo esse apoio internacional à causa palestina produziu inúmeras resoluções da ONU e condenações ao Estado de Israel, e gerou uma conjuntura favorável para que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) fosse convidada a falar na Assembléia Geral da ONU em 1974, quando Iasser Arafat fez um discurso histórico para um plenário majoritariamente a favor do cumprimento das várias Resoluções sobre a Questão Palestina. Arafat afirmava que o mundo necessita de esforços tremendos para que se realize as suas aspirações de paz, liberdade, justiça, igualdade e desenvolvimento para que a sua luta seja vitoriosa contra o colonialismo, imperialismo, neocolonialismo e racismo em todas as suas formas, inclusive o sionismo(...) "Nossa revolução é também para os judeus, como seres humanos. Lutamos para que judeus, cristãos e muçulmanos possam viver em igualdade, gozando os mesmos direitos e assumindo as mesmas responsabilidades, livres da discriminação racial e religiosa (...) "Sou um rebelde e a liberdade é a minha causa. Bem sei que muitos dos presentes aqui hoje se ergueram na mesma posição de resistência que ocupo hoje e de onde devo lutar. Um dia vocês tiveram que converter sonhos em realidade em sua luta. Portanto, agora vocês devem compartilhar o meu sonho, o nosso sonho de um futuro de paz na terra sagrada da Palestina (...) "Apelo a todos vocês que permitam que o nosso povo estabeleça soberania nacional independente sobre a sua própria terra. Hoje eu venho portando um galho de oliveira e uma arma dos lutadores pela liberdade. Não permitam que o galho de oliveira caia de minha mão (...)" (ARAFAT, 2007, p. 87, 105 e 107.) Em novembro de 1974 a Resolução da ONU 3237 convida a OLP para participar, na condição de observadora, dos trabalhos e sessões da Assembléia Geral, se transformando numa imensa vitória diplomática daquela que seria reconhecida como a única e legítima representante do povo palestino. Entre 1964 e 1988, a OLP conduziu o processo de mobilização anti-colonialista e desencadeou uma incrível luta de libertação nacional que deu esperanças para as massas populares de todo o mundo árabe. Criada pela Liga Árabe, a OLP vai adquirindo autonomia/independência deste organismo, até conquistar plenamente o direito de decidir sobre muitas questões relacionadas à luta palestina sem consultar e/ou concordar com as posições dos governos de países árabes. Essa maior autonomia ampliou o apoio e garantiu mais legitimidade da OLP entre a classe trabalhadora e as massas populares palestinas e árabes. Enquanto uma frente de cerca de 10 partidos políticos (nacionalistas laicos/nasseristas[4] e comunistas/socialistas), a OLP seguia como a única e legítima representante do povo palestino. Sem dúvida é a organização política mais antiga e mais importante na história do movimento de libertação nacional palestino. Dentro desta frente estão os partidos da esquerda palestina, como a Frente Democrática pela Libertação da Palestina (FDLP), a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) e o Partido do Povo Palestino (PPP). Mas o partido político que sempre ocupou o espaço de força política hegemônica no interior da OLP foi o aL-Fatah (ou simplesmente Fatah), ou Movimento de Libertação Nacional, agrupamento nacionalista laico sob a liderança de Iasser Arafat. Já o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que governa e que tem mais força política na atualidade em Gaza, nunca fez parte da OLP. Criado em 1987 com apoio da burguesia árabe-islâmica, de governos do Oriente Médio e de organizações como a Irmandade Muçulmana, o Hamas representa uma das principais forças do nacionalismo islâmico, corrente política em franca ascensão nos diversos países árabes. Além do apoio de setores importantes da burguesia árabe-islâmica e governos como o do Irã, esse partido político possui hoje uma base social muito forte entre trabalhadores empregados, subempregados e desempregados dos territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia. Nos anos noventa do século 20 surgem outros atores no interior do movimento de libertação nacional palestino, como a Jihad Islâmica, partido político que também está fora da OLP. Além de partidos políticos e organizações político-militares, os palestinos tem organizações de juventude, camponeses, trabalhadores, operários, mulheres, entre outros.[5] Nos últimos vinte e dois anos o movimento da resistência palestina tem priorizado a luta de massas, a mobilização social enquanto principal forma de luta contra as arbitrariedades e a violência praticada pelo governo do Estado de Israel. Toda sexta-feira, em várias cidades da palestina ocupada, o povo palestino sai em marcha das mesquitas ou praças até o muro que foi construído para separar os palestinos, muro que foi construído ilegalmente por Israel. Esse muro tem hoje cerca de 500 quilômetros de extensão e dez metros de altura. Nessas marchas há sempre confronto com o Exército e a polícia israelenses, pois a manifestação pacífica é sempre reprimida e resulta em grande número de palestinos feridos ou mortos, como nos episódios na cidade de Ni´lin, uma comunidade no interior da Cisjordânia conhecida pela sua disposição de luta e pela organização de atos semanais em repúdio ao que chamam de “o Apartheid de Israel”.[6] No entorno de Ni´lin foram construídos assentamentos judeus em terras palestinas, e parte do território que era utilizado pelos camponeses palestinos para cultivar oliveiras foi ocupado pelos colonos sionistas com apoio da polícia e do exército israelenses. Esses colonos recebem treinamento militar e autorização para usar armas de fogo e organizar suas próprias milícias que, com pistolas automáticas e fuzis, ameaçam constantemente a população de Ni´lin e de outras cidades e vilas vizinhas aos assentamentos. É comum encontrar nas cidades e regiões sob o controle do Estado de Israel jovens, homens e mulheres, com roupas civis, às vezes vestidos até com bermudas, camiseta e sandália, e com um fuzil pendurado no ombro e uma mochila com munição. Nas ruas, nos ônibus, nas escolas, etc. A Questão Palestina e o fim da URSS e do Bloco Socialista: início de um período de defensiva De 1988 a 1994, novos personagens surgem e o fim da URSS e do Bloco Socialista desencadeia uma crise também no interior da esquerda palestina. A al-Fatah empurra a resistência palestina para a mesa de negociação, mas em condições bastante desfavoráveis para o povo palestino. A existência de um bloco de países “socialistas” foi fundamental para fortalecer a posição dos palestinos no cenário internacional, pois essa aliança entre URSS e Bloco Socialista com o Movimento dos Países Não-Alinhados e a Liga Árabe era a garantia de vitória em muitos embates no interior da ONU, fato que contribuiu para que a legitimidade desta luta de libertação nacional fosse acumulando cada vez mais força, resultando em sucessivas condenações do Estado de Israel. Infelizmente, as centenas de decisões contrárias à política expansionista/colonialista de Israel não se transformaram em ações concretas e contundentes da ONU, o que só fortaleceu a idéia de ineficiência e desinteresse dos que controlam essa instituição quando o assunto é fazer com que um grande aliado das potências imperialistas cumpra as resoluções aprovadas pela Assembléia Geral ou pela Comissão de Direitos Humanos. O empenho de países como EUA, França, Reino Unido, Espanha, Itália e Alemanha (só para falar de alguns) para que se cumpram Resoluções da ONU muda de acordo com o réu. Se for Israel, total cumplicidade, morosidade e inaplicabilidade da lei, mas sé é o Iraque de Saddam Hussein após distanciamento deste governante dos EUA, então, faça-o cumprir rigorosamente as determinações da ONU, nem que para isso seja preciso matar 100 mil civis iraquianos, como ocorreu em 1991 no ataque militar contra Bagdá. O fim da URSS e do chamado “Bloco Socialista” tem um profundo impacto nas relações internacionais e no movimento nacional de resistência palestina. A força da esquerda no interior da OLP advinha também das relações e do apoio que esse setor tinha com o “mundo socialista”, e da intervenção conjunta desses países nos diversos organismos da ONU. Além disso, os palestinos tinham, até 1991, dois grandes aliados de sua causa no Conselho de Segurança da ONU: URSS e China. As condições eram muito mais favoráveis para aqueles que defendiam a imediata construção do Estado Palestino. Com o argumento de que precisa adquirir maior credibilidade e dar mais uma demonstração de que está disposta a fazer concessões em seu programa original se isso, de fato, for contribuir para o avanço do processo de paz, a OLP altera seu estatuto em 1988, e reconhece o direito do Estado de Israel existir, ao lado de um Estado Palestino, conforme a Resolução 181, de 1947. Ou seja, a OLP reconhece pela primeira vez a legitimidade do Plano de Partilha da Palestina, antes apresentado pela organização como sendo um instrumento da aliança do sionismo com o imperialismo para ampliar sua influência e exercer a dominação territorial de uma parte estratégica do Oriente Médio. Esta posição da OLP encontrou resistência entre os próprios palestinos, mas as forças que se opuseram a tal mudança de posição se encontravam em situação de minoria, e não conseguiram impedir a vitória dessa proposta, que parte de Yasser Arafat e da direção majoritária de seu partido, a al-Fatah. Mesmo dentro desse partido surgem posições contrárias as de Arafat, o que prova que precisamos observar, no estudo do caso palestino, as contradições e conflitos não só entre o Estado de Israel e as organizações árabes-palestinas, mas também entre as próprias organizações da resistência palestina. Os “acordos de paz” firmados com Israel em 1994 alimentam ilusões e ignoram a natureza expansionista/imperialista deste Estado, que negocia e, ao mesmo tempo, faz crescer o número de colônias judias nos territórios palestinos ocupados em 1948 e 1967. Além disso, Israel aplica até hoje uma política de assassinatos seletivos de lideranças políticas palestinas, e de perseguição e prisão em massa. Um resultado dessa política de repressão intensa e permanente são os 8 mil presos políticos palestinos, alguns vivendo nos cárceres israelenses há pelo menos 20 anos. Desses 8 mil, mais de 700 estão condenados a prisão perpétua. Entre 1993 e 2005, apesar de inúmeras reuniões, conferências e acordos firmados entre a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e o governo do Estado de Israel, e apesar das expectativas de uma paz duradoura apresentadas pelo presidente palestino eleito em 1996 com 87% dos votos, Iasser Arafat, o que se viu foi uma continuada violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais do povo palestino, assim como a negação do direito nacional à independência e à soberania, deixando ainda mais distante o sonho do Estado Palestino Laico e Democrático. Os dois signatários dos acordos de Oslo de 1993 morreram. Yitzhak Rabin, pelo lado israelense, assassinado por fundamentalistas judeus-sionistas em 1995 e Iasser Arafat, pelo lado palestino, morre em 2004 resultante de problemas de saúde (mas surgem denúncias que afirmam ter sido conseqüência de envenenamento gradativo). Esses acordos livraram os palestinos do controle militar israelense em algumas cidades e vilarejos de Gaza e Cisjordânia, criando para a população uma situação melhor do que a anterior, com melhores condições para se desenvolver o comércio, a indústria, a agricultura, educação, a saúde, a cultura e o esporte, enfim, para que seja possível construir/reconstruir uma vida cotidiana com um mínimo de dignidade, mas essa nova situação não resolve plenamente grande parte dos problemas econômicos, sociais e políticos da ampla maioria do povo palestino. Os resultados pífios dos acordos e o não cumprimento da quase totalidade dos termos dos mesmos por Israel levam a uma nova situação de impasse que coloca em xeque as posições da direção da OLP e da agora chamada Autoridade Palestina (AP). O não cumprimento de diversas cláusulas dos acordos, entre elas a suspensão da construção de novos assentamentos judeus e da demolição de casas palestinas ajudam a diminuir a credibilidade que parcela do povo palestino depositava na al-Fatah, ainda mais com as constantes denúncias – que muitas vezes são comprovadas – de corrupção de líderes e membros desta organização. É nessa conjuntura complexa que ganha projeção como uma alternativa política o partido Hamas. A crise política, ideológica e organizativa dificulta a ascensão da esquerda palestina (FPLP, FDLP,PPP e outros) como força majoritária no movimento de libertação nacional. As denúncias de corrupção e de enriquecimento de muitos dos dirigentes demonstram um processo de degeneração em setores importantes da al-Fatah. As eleições de 2006 contribuem para acirrar as disputas internas no movimento da resistência palestina, com Hamas vitorioso em Gaza e al-Fatah na Cisjordânia. A esquerda palestina tem procurado convocar todas as forças progressistas, populares, democráticas e socialistas a se unir num grande movimento nacional de resistência para desencadear novamente uma ofensiva contra as medidas do governo de Israel que visam a acelerar o processo de expropriação de terras do povo palestino, mas parece que todo esse esforço ainda tem sido insuficiente para alterar a correlação de forças dentro e fora da OLP. Quando do ataque militar israelense a Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, essa idéia de unidade nacional das forças da resistência palestina adquiriu grande importância, mas até agora parece que existem muitos fatores que ainda impedem que tal proposta volte a ser transformada em realidade. A impressão é que uma unidade política e programática mínima, em torno de alguns pontos de consenso amplamente discutidos com o povo palestino, seria fundamental para tentar se desencadear uma nova ofensiva política, popular e de massas contra o Estado de Israel. A ação unitária de forças como a al-Fatah, FPLP, FDLP, PPP, Hamas, Jihad Islâmica e demais organizações e partidos políticos palestinos poderia fazer ressurgir nas amplas massas populares do mundo árabe – e no interior de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém – a esperança e a disposição necessárias para uma nova retomada da ofensiva deste que é, sem dúvida, um dos mais importantes movimentos de libertação nacional deste início de século 21. O que temos certeza para afirmar é que, por mais justo, combativo, corajoso e coerente que seja um partido ou uma organização da resistência palestina, de maneira isolada não terá capacidade para impor nenhuma derrota contra o sionismo israelense. Talvez essa unidade entre as três correntes políticas da resistência nacional palestina (nacionalismo laico, nacionalismo islâmico e socialistas/comunistas) possa construir uma frente anti-sionista/antiimperialista que obrigue o Estado de Israel a sentar na mesa de negociação numa outra correlação de forças, fazendo surgir daí as condições mais favoráveis para se apresentar propostas mais ousadas que as atuais, que privilegiam o debate de dois Estados, menosprezando a experiência histórica dos últimos 62 anos que indica que o sionismo não irá recuar um único milímetro em suas conquistas militares de 1948 e 1967. É possível perceber que sobre este tema existem pelo menos três posições:
Os que defendem a criação imediata de um Estado Palestino Laico e Democrático na chamada Palestina Histórica (em todo o território considerado Palestina antes do Plano de Partilha de 1947): nossa impressão é que tal opinião desconsidera a atual correlação de forças no interior do movimento nacional palestino e entre os palestinos e o Estado de Israel, fazendo de tal proposta mais um instrumento de agitação e propaganda do que uma possibilidade real no momento. É a defesa da estratégia, do objetivo principal a ser atingido sem a mediação das táticas, dos meios e caminhos que levarão até esse objetivo final. E os palestinos sabem que agitação e propaganda são insuficientes para fazer com que triunfem posições que possam levar a profundas transformações econômicas, sociais e políticas naquela região. Organizações nacionalistas islâmicas também defendem tal proposta, com a ressalva de que não se utilizam da expressão Estado Laico, mas simplesmente Estado Palestino.
Os que defendem a posição de dois estados existindo um ao lado do outro, ou seja, o cumprimento do Plano de Partilha da Palestina elaborado pela ONU em 1947. Essa opinião defende que o Estado de Israel já se consolidou, e agora, portanto, é necessário construir o Estado Palestino. Tal posição abandona o programa original da OLP e os princípios que orientaram a resistência palestina de 1947 a 1994. Entre 1993 e 2005 esta tem sido a proposta da al-Fatah e outras organizações palestinas. É o abandono da estratégia, é a transformação do meio em fim;
Os que defendem que é preciso acumular forças no atual período da luta nacional palestina. Que é necessário se organizar melhor para defender e fazer avançar as conquistas já obtidas como resultado das lutas e mobilizações sociais e populares, tentando fortalecer tudo aquilo que tem de positivo nos acordos firmados até agora, criticar e denunciar aquilo que não é de interesse do povo palestino e, ao mesmo tempo, tentar consolidar o controle palestino sobre todo o território de Gaza e da Cisjordânia. Nesse sentido seria importante intensificar as lutas: pela libertação dos presos políticos, pelo direito ao retorno dos refugiados, pela destruição do “Muro da Vergonha”, pelo cumprimento das Resoluções da ONU sobre a Questão Palestina, em especial sobre o estatuto de Jerusalém, pelo direito dos palestinos de resistir à ocupação militar israelense por todos os meios de que dispõem, para barrar as construções de novos assentamentos judeus-sionistas, para impedir as demolições de casas de palestinos, etc. Essa posição política procura fazer destas e outras lutas parte de um processo de acúmulo de forças que vai construindo no cotidiano as condições mais favoráveis para colocar o movimento nacional palestino na direção do rumo estratégico indicado: um Estado Pal