"O Debacle Sírio"
- NOVACULTURA.info
- 12 de dez. de 2024
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Joe Biden parece estar apressado para varrer toda a sujeira para debaixo do tapete antes da grande festa de 20 de janeiro, quando se formaliza a troca de coroa e servos, cavalariços e lacaios de todos os tipos, que já estão exercitando suas línguas, alinham-se para lamber as botas ou qualquer coisa do novo rei do mundo.
Enquanto isso, com a queda do governo do presidente sírio Bashar al-Assad, o extermínio sionista de qualquer forma de resistência no Líbano e o desaparecimento da Palestina, transformada em um mar com importantes jazidas de gás e apta para todo tipo de empreendimento imobiliário, o futuro do regime genocida de Benjamin Netanyahu será de canto e glória.
Sem pagar por nenhuma das centenas de milhares de mortes que causou, o “Führer” Netanyahu, após o ataque acordado com o Hamas em 7 de outubro de 2023, na célebre operação “Dilúvio de al-Aqsa”, em que apenas inocentes ou intelectuais ingênuos podem acreditar que a resistência palestina conseguiu escapar do enxame de câmeras, sensores sonoros e térmicos, satélites, radares e espiões com os quais Netanyahu vigia os palestinos até mesmo em seus pensamentos.
Com a queda de al-Assad, Netanyahu tornou-se o grande herói dessa farsa, enquanto espera que Trump valide cada um de seus crimes, o que quase certamente acontecerá, oferecendo-lhe um cheque em branco para muitos outros.
Resta esperar o que virá com essa nova reconfiguração do Oriente Médio e como Egito, Turquia (ou seja qual for seu nome hoje), além da Arábia Saudita e até mesmo da Rússia, lidarão com um Israel mais poderoso e arrogante do que nunca. Nesse tumultuado bairro, o Irã parece ser o único que tem clareza sobre a situação e se prepara para o pior.
Desde 2020, esperávamos a contraofensiva do Exército Árabe Sírio (EAS) em sonhos, até que, na manhã de domingo, a televisão estatal síria proclamou a queda do governo de Bashar al-Assad, sua partida para Moscou, enquanto seu primeiro-ministro prometia “cooperar” com os terroristas, agora transformados em jovens e belos rebeldes.
Pelas ruas de Damasco, começaram a desfilar seus “libertadores”, os mujahideens do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que precisaram de apenas duas semanas para terminar o trabalho iniciado pela aliança OTAN-ONU-Monarquias do Golfo-Israel-Turquia com a Primavera Árabe, há 13 anos.
Como visto antes em Bagdá e depois em Trípoli, repete-se agora em Damasco a mesma brutal encenação de retratos de “ditadores” destronados, profanados por hordas de “libertados”, estátuas arrastadas pelas ruas e milhares de milicianos locais e estrangeiros, frenéticos e repletos de Captagon até as orelhas, desfilando em Toyotas, disparando suas Kalashnikovs ao ar, enquanto se espera pela divisão do país ou pelo início de uma nova guerra civil na Síria ou conflitos em outro lugar – claro, em qualquer lugar, menos na Palestina.
Quanto à nova Síria, resta saber se a Turquia, que tanto fez para a queda de al-Assad, aceitará de bom grado que o país se torne um protetorado judeu ou, retornando ao plano original, se dividirá em áreas para xiitas-alauítas, incluindo drusos e cristãos, e outras duas para sunitas e curdos.
O presidente turco, Recep Erdogan, talvez não concorde muito com isso, mas é fato que ele também não tem muito espaço ou tempo para manobrar antes de 20 de janeiro, quando Donald Trump decidirá qual lugar ocupará em seu frustrado novo império otomano.
A decisão sobre a Ucrânia será conhecida nos próximos 40 dias, mas, quanto à Síria, essa já tomamos nosso amargo café da manhã no domingo.
Trump, após reunir-se com Volodymyr Zelenskyy em Paris, pediu um cessar-fogo imediato na Ucrânia, afirmando que Kiev “gostaria de chegar a um acordo” para encerrar sua guerra com a Rússia. Assim, o bufão ucraniano, enfim, poderá voltar ao que sabe fazer: provocar risos e pena, como qualquer bom palhaço.
A dúvida é se Putin, tão próximo da vitória, depois de tanto esforço, sacrifício e mortos, aceitará apenas contemplar Kiev, um pouco mais perto do que estava em 24 de fevereiro de 2022.
Enquanto isso, na Síria, o exército sionista já entrou com tanques em suas novas posses, bombardeando com sua artilharia o que suspeita serem arsenais, para evitar que esses armamentos sejam capturados pelos rebeldes e, em um imprevisto, possam ser usados contra eles.
Para prevenir qualquer risco, os sionistas estão se expandindo na zona de amortecimento das Colinas de Golã, no norte da Síria, áreas que Netanyahu já declarou como pertencentes a Israel por toda a eternidade, com todas as implicações que isso traz. Enquanto tudo isso acontece, Trump pediu a Biden que não intervenha mais na região para evitar aprofundar a crise que ele terá de enfrentar assim que voltar a Washington.
O sobrenome de um Traidor
Como sempre ocorre com terroristas que, na realidade, servem ao establishment, perdoam-se seus pecados veniais, como queimar pessoas vivas, crucificar, estuprar ou até comer o coração recém-arrancado de um inimigo – tudo isso gravado e divulgado ao vivo nas redes sociais –, transformando-os em “rebeldes”.
Essa metamorfose é a que acaba de viver o Hayat Tahrir al-Sham (HTS) ou Comitê de Libertação do Levante, que, desde sua criação em 2017, ao reunir meia dúzia de grupos terroristas que operavam na Síria desde 2011, agora apresenta-se como uma força “legítima”.
Seu líder, Abu Mohammed al-Golani, um dos fundadores da al-Nusra – por muito tempo a filial da al-Qaeda na Síria, de onde emergiu o Daesh em janeiro de 2014 – afirma ter abandonado o jihadismo para se tornar um verdadeiro lutador pela liberdade.
Desde que o ex-terrorista, ex-rebelde e agora, aparentemente, homem forte da Síria, al-Golani, anunciou que ele e seu grupo renunciaram ao jihadismo internacional, que tanto mal causou, e que apenas desejava acabar com o regime de al-Assad, recebeu aportes financeiros do MI6 e da CIA.
O emir do HTS ganhou fama entre os mujahideens quando Abu Bakr al-Baghdadi – que anos depois se tornaria o califa Ibrahim, ao fundar o Daesh – o escolheu como favorito para estabelecer a filial da al-Qaeda na Síria, o Frente al-Nusra. Por isso, os Estados Unidos chegaram a colocar um preço de dez milhões de dólares por sua cabeça.
Al-Golani, cujo verdadeiro nome seria Ahmed Hussein al-Shar’a, nunca hesitou em trair: fez isso com al-Baghdadi, ao recusar abandonar a al-Qaeda para ingressar no Daesh, em janeiro de 2014. Mais tarde, traiu seus irmãos da al-Nusra em 2016 para formar o HTS. Talvez o faça novamente, entregando combatentes ao Ocidente enquanto fortalece núcleos terroristas no Sahel, para combater a aliança Burkina Faso-Mali-Níger. Ele provavelmente se contentará com um cargo de alto escalão na nova Síria – algo que o Departamento de Estado já fez no Afeganistão, com Hamid Karzai, embora sem o turbante de pele de carneiro.
Mas será necessário ouvir Netanyahu para saber se ele aceita que alguém com o nome de guerra “al-Golani” – referência às Colinas de Golã, controladas por Israel desde 1973 – ocupe um cargo importante em sua nova colônia. Aliás, Netanyahu já se apressou em ratificar que as colinas são definitivamente suas.
A questão é se o emir do HTS estaria disposto a mudar novamente de nome e chamar-se, por exemplo, Abu Mohammed al-Netanyahu.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional
Nota dos editores: nem todas as posições expressas neste texto ou pelo autor condizem necessariamente e/ou integralmente com a linha política de nosso site ou da União Reconstrução Comunista.
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