A Reforma Administrativa e a putrefação do Estado semicolonial brasileiro
- NOVACULTURA.info
- 28 de out. de 2021
- 7 min de leitura
Atualizado: 31 de out. de 2021

O Brasil, como nação subserviente aos interesses imperialistas, na sua condição de semicolônia, vem pautando seu desenvolvimento de acordo com as orientações do Consenso de Washington. Ainda que a Constituição Federal de 1988 garanta, pelo menos em aspectos formais, direitos elementares ao proletariado como direito a um sistema público de saúde, de acesso à educação, moradia, alimentação adequada, lazer, etc.; a mesma Constituição também guardou caminhos jurídicos e oportunidades políticas para que estes princípios nunca fossem efetivados.
A cartilha neoliberal, como resposta a um momento de recuo do Movimento Comunista Internacional, tratou de consolidar, ainda mais, as formas de dominação das nações da periferia do mundo por parte das nações imperialistas.
No Brasil nota-se logo no princípio dos anos de 1990 uma postura privatista dos governos de plantão que vão contra elementos importantes “defendidos” pela CF/88, como de soberania nacional, ampliação de direitos para o povo e ampliação da democracia interna. O que se observou, por meio das privatizações, foram formas do imperialismo de ocupar setores estratégicos da nação sob condições favoráveis de aquisição de lucros, seja por impor uma intensificação da exploração do trabalho, seja por obter suntuosos “incentivos” estatais para iniciar operações no Brasil. O discurso era sempre o mesmo sobre o aumento da eficiência e/ou rebaixamento dos preções para acessar tais serviços. As privatizações do sistema de telecomunicações é um exemplo interessante para se observar que, além de aumentar os preços dos serviços – falácia liberal sobre aumento da concorrência e rebaixamento dos preços de produtos e serviços – também ocorre uma deterioração da qualidade do serviço prestado.
Pois bem, os anos finais da década de 1990 e os iniciais da década de 2000 inauguram, por sua vez, um aprofundamento das formas de rapina ao proletariado brasileiro. A Emenda Constitucional 19/1998 insere o princípio da eficiência ao caput do artigo 37 da CF/88, com isso, atribui ao Estado um caráter gerencial e subsidiário, a partir da premissa de intervenção cada vez menor nos âmbitos social e econômico. Assim, a jurisprudência para se avançar ainda mais sobre o Estado brasileiro está posta, nossas classes dominantes e seu sócio maior, o imperialismo, se beneficiam enormemente.
A partir do momento em que serviços públicos ficam a mercê dos interesses da nossa burguesia burocrática e compradora somada aos imperialistas – sobretudo estadunidense – a coisa vai perdendo sua razão, tais serviços passam a atuar de acordo com outras finalidades que não o atendimento as necessidades do povo. Isso está posto ao privatizar serviços como educação, saúde, correios, minas e energia e etc.; o resultado? É Mariana e Brumadinho, SUS em colapso em plena pandemia, apagão como o que aconteceu no estado do Amapá e sistema educacional em definhamento.
O tema deste artigo é a PEC 32/2020, em vias de aprovação, que se enquadra perfeitamente neste contexto de extinção de serviços públicos como direito do povo e dever do Estado, ou seja, como extinção de um princípio fundamental de nossa Constituição. Mas antes de nos aprofundar sobre o tema, é interessante apontar como esse movimento da PEC 32/2020 foi precedido de outras ações por parte dos governos de plantão, seja Lula ou Bolsonaro, que atuaram para atender aos interesses privados dos imperialistas para obtenção de condições mais favoráveis de extração da mais-valia e a consequente intensificação da exploração do povo.
Sob os ditames do paternalismo do FMI e Banco Mundial, se promove uma reforma trabalhista a conta gotas durante o período petista num primeiro momento, mas como uma avalanche pós-golpe de 2016 com Temer/Bolsonaro que coloca o povo brasileiro em condições ainda mais desfavoráveis para venda de sua força de trabalho. Exemplos deste contexto não faltam, a flexibilização nas condições de trabalho do povo efetiva-se na terceirização, no rebaixamento salarial, na intensificação da carga-horária trabalhada, na negociação de férias e décimo terceiro e etc. Enfim, cria-se, no Brasil, um ambiente dos mais favoráveis para obtenção de lucros por meio do aprofundamento da exploração do trabalho no lombo do proletariado e do campesinato.
Nesse mesmo movimento de ampliação das condições de rapina ao nosso povo, a Emenda Constitucional 109/2019 impõe ao Estado um ajuste fiscal que, em tese, congela o teto constitucional. O que, por sua vez, cria mecanismos para cortar investimentos sociais, serviços públicos e direitos do funcionalismo público de acordo com as flutuantes necessidades de recursos empregados para a dívida pública. Ou seja, a qualidade ou a existência, pura e simples, de serviços públicos como saúde e educação ficam a cargo dos interesses de maior ou menor repasse aos gastos da dívida pública, com pagamento de juros e amortizações!
O Sistema da Dívida Pública
Trocando em miúdos, falar em dívida pública é falar em remessas do dinheiro que é arrecadado pelo Estado e que, ao invés de ser revertido em investimentos para infraestrutura, industrialização e serviços públicos, é enviado aos cofres imperialistas, sobretudo via FMI e Banco Mundial. O obscurantismo em torno desta “dívida” é tamanho que, caso a CF/88 não passasse de letra morta, uma auditoria deveria ter sido realizada no ano de 1989. No entanto, não ocorreu e a dívida pública consome cada vez mais do orçamento estabelecido pela Lei Orçamentária Anual a cada novo período de um ano. É nesse contexto que aparece outra falácia, a de que o funcionalismo público custa caro.
Vamos ver em números para atestar se isso procede? Segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA 2021, a divisão dos gastos do orçamento fica da seguinte forma: Juros e amortizações da dívida pública comprometem 53,92% do orçamento; Previdência Social, 19,46%; Saúde, 2,85%; Educação, 2,69%; Outros encargos especiais, 2,50%; Assistência Social, 2,46%; Defesa Nacional, 1,95%; Trabalho, 1,88%; Reserva de contingência, 1,35%; Judiciário, 0,95%; Administração, 0,70%; Agricultura, 0,58%; Transporte, 0,37%; Segurança Pública, 0,29%; Outros, 1,12%; Transferências a estados e municípios, 6,92%.
O discurso de que o funcionalismo público é muito oneroso ao Estado não passa de uma narrativa – só para usar uma palavra que está na moda no vocabulário dos burocratas bolsonaristas no Senado e Câmara Federal – falsificadora da realidade. Se tiver algo que é oneroso ao Estado, esse algo é a Dívida Pública!
Conforme dados da cartilha “Diga não ao fim dos serviços públicos! Diga não à PEC 32/2020” produzida pela Auditoria Cidadã da Dívida, de 1995 a 2015, o governo federal deixou de gastar 1 trilhão de reais do que arrecadou. Esse chamado superávit primário teve como destino o pagamento da dívida pública. Nesse mesmo período, “a dívida interna federal aumentou de 86 bilhões de reais para quase 4 trilhões de reais” e como efeito rebote “o Tesouro Nacional gastou quase 3 trilhões para sustentar o Banco Central”. E a culpa do excesso de gastos no orçamento anual é realmente do funcionalismo público?
O funcionalismo público
A PEC 32/2020 tem como um dos objetivos acabar com direitos trabalhistas de servidores e servidoras públicas, tais como estabilidade, plano de carreira, Regime Jurídico Único etc.; a consequência deste avanço: terceirização, domínio das iniciativas público-privadas, deterioração de todo o serviço público, com atenção especial para Assistência Social, Saúde, Educação, políticas de moradia e trabalho. Com isso, o resultado só poderá ser um: a marginalização e a exclusão dos estratos mais empobrecidos do proletariado que, cada vez menos, terá acesso ao mais básico para sua sobrevivência.
No entanto, vamos ver se contém algo de verdadeiro nessa narrativa do funcionalismo público como algo oneroso ao Estado. Segundo a já citada “Diga não ao fim dos serviços públicos! Diga não à PEC 32/2020”, houve, nos últimos 12 anos, uma redução com os gastos relacionados ao funcionalismo público no Brasil. Levando em consideração – corretamente! – a inflação neste período, o comprometimento do PIB brasileiro com o funcionalismo público diminuiu de 4,54% para 4,34%. No contexto de servidores e servidoras federais, 77% ganham até 5 mil reais mensais. O cálculo que o DIEESE faz sobre o valor que deveria ser o salário mínimo hoje é de R$5.304,90. Quando analisamos o padrão salarial do funcionalismo público vinculado aos estados e municípios, essa média cai para 2 mil reais por mês. Os trabalhadores dos setores públicos estão longe de viverem “mamando nas tetas do Estado”, a situação já é de precarização e com possibilidades cada vez maiores de serem submetidos a condições mais e mais deterioradas de trabalho.
E nós, o que temos com isso?
O discurso do corrupto governo Bolsonaro é de que a PEC 32/2020, caso aprovada, será determinante para redução dos gastos públicos. No entanto, essa lógica não se aplica para a aristocracia de chefias dos cargos estratégicos e politicamente indicados, nesse caso específico, a tendência é que a farra e a gastança com dinheiro público se acentuem e, por sua vez, o gasto aumente.
A redução de gastos virá em outra frente, esse corte se dará no contingente de trabalhadores e trabalhadoras que tem suas funções ligadas ao atendimento às necessidades do povo; a consequência: redução do número de escolas, hospitais, outros equipamentos da saúde pública e da assistência social e etc. Além de colocar servidores e servidoras públicas na mira da precarização do trabalho e da retirada de direitos trabalhistas, a PEC 32/2020 terá rebatimentos muitos mais amplos, atingindo todo o conjunto dos explorados e oprimidos no Brasil.
O estudo disponibilizado pela Auditoria Cidadã da Dívida faz uma síntese dos impactos desta PEC de forma esclarecedora: “O artigo 37 da PEC 32 altera profundamente os princípios que devem ser obedecidos na Administração Pública. E estabelece o princípio da subsidiariedade. O que isso significa? Que a prioridade para construir e manter escolas, postos de saúde, hospitais, universidades, centro de pesquisa, delegacias e presídios, serviços de correios, de energia, exploração e refino de petróleo, serviços bancários, produção e circulação de dinheiro, dentre outros serviços públicos, será das grandes empresas privadas”.
Conforme já denunciamos, esse sistemático ataque às estruturas do Estado que funcionam no sentido de amenizar implicações das contradições produzidas pela nossa própria condição de semicolônia, juntamente com o fortalecimento das estruturas de repressão estatal, nos aponta a íntima relação entre o projeto neoliberal – ou liberalismo, puro e simples, em seu nível maior de putrefação – e o reacionarismo brasileiro. Nesse sentido, Bolsonaro e Guedes são representantes legítimos desta reorganização do Estado pós-golpe de 2016 e a reforma administrativa é fator fundamental deste redesenho do estado de coisa em que estamos inseridos.
Esse contexto de uma avalanche de retrocessos para o povo brasileiro, a reforma trabalhista, da Previdência, as – sempre presentes – privatizações, o recrudescimento repressivo estatal contra o proletariado e o campesinato mostram como o velho Estado burguês-latifundiário segue à risca a cartilha imperialista para o Brasil.
Como foi dito em outro artigo aqui: “Os velhos burocratas que defendem esse programa pensam que poderão continuar indefinidamente com suas ‘reformas’. Como escreveu um cantor popular, ‘eles pensam que a maré vai e nunca volta’, mas não sabem que nosso povo, ainda que momentaneamente recuando, anda recolhendo fúrias, e alguns poderão se surpreender quando virem invertida a correnteza e tiverem que lidar com a ressaca”.
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