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"Modelo Perverso"


A montagem do parque industrial brasileiro deu-se pelo uso indiscriminado de pacotes tecnológicos agregados fora do País e controlados por grandes corporações estrangeiras. Esta sistemática que impõe a dependência externa é consequência direta da natureza do “modelo” tecnológico de crescimento econômico, que foi implantado entre nós na segunda metade dos anos 50. Desse modo a tecnologia externa se constituiu no principal instrumento, por meio do qual se molda e se controla a estrutura produtiva nacional, especialmente em setores dinâmicos e estratégicos. Ela conforma meio de dominação que caracteriza novo tipo de colonialismo, mais sutil e subjugador que aquele que imperou no século passado.

Sob o falaz argumento de promover-se o crescimento econômico de “50 anos em 5”, como se isto fosse possível “sem vender a alma ao diabo”, instalou-se no Brasil o “modelo” dependente de pacotes tecnológicos externos. 50 anos são 50 anos em qualquer sistema estelar, como 50 anos são 5 anos no nosso modesto sistema solar. Não se pode pretender alterar o caminhar inexorável do tempo sem um preço.

Deslocou-se para o exterior, fundamentando-se nesse equívoco, amplo espectro de importantes e intransferíveis decisões diretamente relacionadas com a produção e o poder nacional. Estas decisões são, por natureza, intrínsecas ao processo de agregação tecnológica. Como consequência, a dinâmica do “modelo” condicionou nossa estrutura produtiva às características econômicas, sociais, culturais, políticas e militares dos países ou regiões de origem desses pacotes e aos interesses das corporações que os controlam. Ou seja, cada pacote tecnológico externo é uma espécie de “cavalo de Troia”, que se instala no País como cidade de interesses alienígenas. Neste caso, o crescimento econômico dependente implica, de fato, em reserva global de mercado, para os outros, os países centrais, do mais estratégico instrumento de poder contemporâneo, o tecnológico. Tomando uma equivalência histórica, esta sistemática age como ampla “abertura dos portos” para a tecnologia externa, a qual atua como articuladora e controladora principal do poder externo difere, entretanto da “Abertura dos Portos”, que marcou nossa história e nos inviabilizou como nação soberana por cerca de dois séculos, por trazer para dentro do País os controladores estrangeiros de setores essenciais da nossa vida como Nação.

Na realidade, o poder da produção e, portanto, o controle da sua evolução, é exercido por corporações que agregam de modo generalizado os pacotes tecnológicos em uso nas sociedades dependentes, quaisquer que sejam as formas de composição acionária das empresas locais envolvidas. Isto é, mesmo aquelas que têm capital cem por cento em mãos de brasileiros, dependem, por causa do “modelo” tecnológico, às vezes de modo radical, dos controladores externos. O que é falsamente designado como “transferência de tecnologia” não passa de aluguel de uso de determinado modo de produção, estruturado dentro dos interesses de seus controladores e das políticas dos países a que estão vinculados. Esta realidade se reflete em dezenas de milhares de pacotes, compostos cada um por milhares e até milhões de itens, com amplas consequências sociais, econômicas, culturais, políticas, militares e, também, evidentemente, técnicas. Os agregadores externos desses pacotes escolhem as matérias primas, naturais ou já transformadas industrialmente; decidem as especificações dos componentes; deliberam as formas de produção, capital intensive ou labor intensive; optam pelas formas de energia; delineiam o modo de atuação no mercado, condicionando-o aos interesses dos controladores, com interferência nos hábitos, costumes e bases culturais dos países e regiões receptoras, etc. Tudo resultando de agregações em função de características, experiências industriais e políticas retiradas, em sua quase totalidade, dos países de origem dos pacotes. Com o tempo, o controle tecnológico consolida e aumenta o domínio dos grupos incorporadores externos. Ou seja, trata-se de “modelo” que entrega o poder de decisão última da produção nas mãos de eventuais concorrentes, sem compromissos com a nação, a cultura e o destino nacionais.

Nessa sistemática, os fatores de produção nacionais ou regionais são ignorados. Anulam-se possibilidades evidentes em prejuízo das comunidades locais e com crescente desvalorização desses fatores. Destroem-se vantagens comparativas em benefício do exógeno e do irracional. Nem mesmo a antiga falsa vantagem da “mão-de-obra barata” sobrevive, substituída por uma excessiva automação que aumenta os dispêndios de capital, fator de produção evidentemente escasso nas economias dependentes. Esta “vantagem”, entretanto, nunca passou de um tipo de escravidão contemporânea, pois corresponde à exploração da miséria.

A produção nacional, devido às origens dos pacotes, é dominada por normas e especificações externas. Isto transforma o processo dependente em promotor de imenso caleidoscópio de incongruências e incompatibilidades com as condições, interesses e políticas nacionais, regionais e locais, em uma global e múltipla reserva de mercado dirigida para o exterior, ou seja, contra nós, sempre de acordo com os interesses dos seus controladores. Por exemplo, a indústria siderúrgica brasileira é obrigada à produção de inconcebível variedade de tipos de aços, cerca de 1.500, quando economias muito complexas racionalizam suas produções com menos de 500 tipos. Essas ineficiências, causadas por normas provenientes das múltiplas origens dos pacotes, se desdobram nos bens intermediários subsequentes, chegando aos produtos finais com ineficiências acumuladas e, por isso, custos elevados, consequência direta da irracionalidade imposta pelo “modelo” dependente. Para reduzir esses custos excessivos impõe-se a necessidade imperiosa de subsídios universais, verdadeira “morfina” que encobre e mistifica a pseudo-eficiência das corporações transnacionais, causa substantiva do processo inflacionário. Essa “morfina” já nos custou, como vimos, cerca de 200 bilhões de dólares. A supressão desses subsídios é fator indispensável para a erradicação do processo inflacionário de natureza estrutural, o que, naturalmente, somente é possível, portanto, com a mudança do “modelo” dependente para um “modelo” autônomo do ponto de vista tecnológico. Ou seja, com a transferência das decisões estratégicas contidas nos pacotes para as mãos comprometidas com a Nação brasileira e o seu destino.

Muitos exemplos demonstram a natureza do “modelo” dependente. Vejamos alguns:

a) o Brasil detém cerca de 98% das reservas mundiais de nióbio. Entretanto, este estratégico metal é muito pouco usado em nosso País, sendo substituído por outros importados. Evidentemente, seu uso é ditado por especificações de pacotes tecnológicos definidas no exterior, onde este metal é muito escasso; por isso, não se recomenda entre nós o seu uso.

b) toda a nossa grande siderurgia, com exceção da ACESITA, fundamenta-se, como combustível e como redutor, no uso de carvão mineral, quase todo importando e representando um ônus de cerca de 500 milhões de dólares por ano. Além disto, esta dependência tem provocado difíceis negociações para obtê-lo, às vezes tendo que fazer concessões lesivas aos nossos interesses. Em contrapartida, detemos o maior potencial mundial de carvão vegetal, renovável, limpo e barato, e não o usamos...;

c) somos o maior produtor de quartzo de primeira qualidade, com cerca de 100% das reservas mundiais, base da indústria eletrônica contemporânea. Exportamos, como vimos, o quartzo bruto por menos de dois dólares por quilo e o importamos, após ser transformado em componentes ou produtos finais, a preços, por quilo, acima de 2.000 dólares. Esta irracionalidade econômica é fruto da dependência tecnológica que dita as normas que regem nosso comércio externo;

d) veículo de passeio, entre os mais simples do ponto de vista tecnológico, detém, agregado em seu pacote tecnológico de produção, cerca de 30.000 itens, cada um deles orientado dentro dos interesses dos controladores. Várias características merecem ser lembradas neste caso: - a ciência nele envolvida não ultrapassa o limiar do século XIX e qualquer estudante de engenharia ou de física no Brasil domina seus conceitos; - a tecnologia nacional de cada uma de suas partes, especialmente das que dão competitividade ao produto, como o motor, por exemplo, embora exista desenvolvida no País, não consegue impor-se devido à falta de suporte político, inviabilizado pela natureza do “modelo” que impede pacotes internos; - este setor tem sido, nos últimos 30 anos, o “carro chefe” da economia brasileira, com desdobramentos em muitas centenas de empresas produtos de componentes e de serviços. Sua autossuficiência, portanto, resultaria em importante demanda tecnológica interna, essencial ao surgimento de estruturas institucionais específicas, as conhecidas fábricas de tecnologia. Estas demandas por sua provocariam outras no campo científico, o que criaria condições para a ciência brasileira ter possibilidade de servir ao País. Esta dinâmica de demandas internas abrangeria em suas consequências amplos setores da sociedade, com profundas mudanças na vida nacional, essencial a uma nação que detenha o controle de seu destino. Este setor tomado como exemplo, é de enorme significação tendo em vista suas implicações nas áreas de transportes e outras correlatas, que se encontram em grave crise potencial, no Brasil e no mundo, devido à exaustão das reservas de combustíveis líquidos fósseis. O total domínio tecnológico externo deste amplo e fundamental setor torna impossível qualquer alteração substantiva da situação de vulnerabilidade em que nos encontramos; Já pagamos por isso, desnecessariamente, o alto preço da montagem de gigantesca e impagável dívida externa, como veremos adiante. Ademais, desde 1973, já dispendemos em importações desnecessárias de petróleo a gigantesca quantia de 200 bilhões de dólares, mesmo com preços de dumping mantidos por longo período.

Devido à natureza dependente do “modelo”, apenas pouquíssimos exemplos produtivos fogem à subordinação tecnológica externa. Entre eles, projetos de modelos de aviões da EMBRAER; programa de alternativas nacionais renováveis aos derivados do petróleo; trabalho da CODETEC no setor de fármacos; realizações do grupo de São Carlos em ótica e materiais; tecnologia da fibra ótica do Centro de Pesquisa da Telebrás; resultados da Fundação de Tecnologia Industrial no campo dos metais refratários e a tentativa de desenvolvimento pela PETROBRAS de métodos de prospecção de petróleo em grandes profundidades marinhas. A quase totalidade destas iniciativas hoje se encontra em grande vulnerabilidade institucional e, com exceção da última, foram implementadas no passado, especialmente no período 1974/78, quando havia política de coordenação que as tornavam viáveis. O restante cai na “vala comum” da dependência, alicerçado em abrangente quadro jurídico-econômico-político que garante a sistemática neocolonial. De certa maneira, quanto mais a economia cresce com este “modelo” mais se aprofunda e consolida o poder internacional dentro do País. Ou seja, mais ineficiente se torna a produção como um todo e mais negativas suas consequências para o povo brasileiro, salvo para uma reduzida minoria associada a esses interesses externos. Seus efeitos são semelhantes aos do câncer, em que o crescimento irregular das células leva o organismo à morte. Muitos apresentam este crescimento econômico, que nos transformou na 8ª economia do mundo, como vantajoso. Nesta sistemática de dependência, no entanto, somos um País com vulnerabilidade extremas que comprometem nosso futuro e a própria sobrevivência.

Trecho do livro “Soberania e Dignidade – Raízes da Sobrevivência”, do físico, engenheiro e ex-professor da Universidade de Brasília José Walter Bautista Vidal, escrito e publicado em novembro de 1991.

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