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Connolly: "Socialismo na Irlanda"


I


Nós achamos que dentre uma grande fatia dos irlandeses nesse país (EUA) e Socialistas Irlandeses inclusos, é tacitamente suposto que o Socialismo não pode criar raízes na Irlanda, que a imprensa do Home Rule[1], os supostos hábitos conservadores do pensamento do povo e, acima de tudo, a hostilidade do clero, faz-se impossível que o pensamento Socialista avance entre a classe trabalhadora irlandesa. Essa suposição, obviamente, não é para ser discutida – você não pode discutir com algo que ignora fatos – mas é somente para ser combatida com uma silenciosa apresentação dos fatos para provar que o que é impossível de existência, já existe, e não só existe, mas é vigoroso, agressivo e poderoso. A influência da imprensa do Home Rule é na verdade nula entre a classe trabalhadora inteligente da Irlanda: os hábitos conservadores do pensamento que são supostos serem caracteristicamente irlandeses são na verdade reflexos das condições agrícolas da Irlanda, assim como qualquer outro lugar, e não prevalecem onde trabalhadores irlandeses vivem e sofrem com o ambiente industrial da cidade e a hostilidade do clero que se desgastou sozinho por sua frequente e indiscriminada ação.


O Partido Republicano Socialista Irlandês – fundado em maio de 1896, em Dublin, e agora representado pelo Partido Socialista da Irlanda – teve que sofrer sob o boicote de toda a imprensa irlandesa, com a honrada exceção do United Irishman[2], nos primeiros anos desse jornal (agora recristianizado, Sinn Fein[3]).


Dos jornais semanais isso era particularmente mais verdadeiro, e era desses jornais irlandeses semanais que os irlandeses nos EUA e os agricultores irlandeses derivavam e derivam suas impressões da vida política na Irlanda. Ainda assim, mesmo com essa tentativa de destruir a influência desse partido da classe trabalhadora e delimitar o escopo de suas atividades, este tem para sua memória e sua honra, o crédito de ter iniciado e conduzido para uma conclusão de sucesso – sem ajuda – o protesto de maior impacto contra a tirania britânica na Irlanda dessa geração, nomeadamente o Protesto Anti-Jubileu[4] de Dublin em 1897; de ter o espírito impetuoso de tornar inútil a visita da falecida Rainha Vitoria em uma missão para recrutamento em Dublin para a Guerra Boer (um fato registrado pelos jornais franceses da época, que falaram dos Socialistas Republicanos como o único centro o qual as autoridades britânicas esperam encrenca); de terem originado e popularizado a cruzada anti-alistamento em um tempo que mesmo alguns bem intencionados “homens de força física” apoiavam a ideia da juventude irlandesa entrar no exército britânico, “para aprender a usar um rifle” – atualmente uma das ideias mais desastrosas na Irlanda; de terem enfatizado o fato de somente ter havido duas correntes na história moderna irlandesa, nomeadamente a revolucionária e a reformista ou constitucional, e que suas ideias não podem mais se confundir, seus ideais não se misturam, não mais que água e óleo podem; de terem conduzido as primeiras campanhas políticas da classe trabalhadora irlandesa baseadas no socialismo revolucionário.


Deixe aqueles que nos dizem que os irlandeses nunca responderão ao chamado do socialismo lembrarem que há cinco anos o candidato do Partido Republicano Socialista Irlandês, em disputa contra os nomeados do Home Rule e os partidos dos Unionistas, juntaram votos que representaram um terço do eleitorado; deixe eles lembrarem isso, e aí, pensarem na alegria frenética dos Partidos Socialistas da América quando eles tiverem sucesso em juntar os necessários três ou cinco por cento em suas eleições oficiais. Deixemo-los pararem de tentar desencorajar os irlandeses na América com suas declarações tolas que o socialismo nunca se enraizará entre os irlandeses.


O socialismo na Irlanda é agora uma força, influenciando de modo idêntico o pensamento político, econômico e literário na ilha.


II


É interessante observar como a Irlanda foi e vem sendo o cenário de muitos experimentos radicais na legislação que, em qualquer outro país, seriam somente vistos como o resultado de uma grande sublevação socialista.


Os Land Acts[5], ou melhor, as cláusulas de compra desses atos sob as quais tantos de nossos doutrinadores gastaram tanta tinta em denúncias imprudentes são, apesar de suas muitas desvantagens, uma asserção do direito da comunidade original não somente estabelecer novas relações de propriedade para se corresponder a novas ideias, mas também estabelecer tribunais por meios os quais o funcionamento dessas relações seja supervisionado e controlado.


É claro que não é a Nacionalização de Terras que muitos de nós gostaríamos de ver, mas é de qualquer maneira o germe da socialização de terras que poderá se desenvolver em última instância. Na Irlanda, a propaganda da Nacionalização das Terras foi condenada à esterilidade no passado em virtude do fato que as pessoas mais seriamente radicais e verdadeiramente revolucionárias no país, e assim as pessoas mais sinceramente democráticas, olharam para o governo como um governo estrangeiro e, assim então, para a proposta de nacionalização das terras como uma proposta de entregar o solo de seu país para um governo estrangeiro e assim aumentar os poderes desse governo sobre a vida política e econômica dos irlandeses.


Em sua fraseologia, a Nacionalização das Terras significava fazer as terras propriedade do governo, e eles perguntariam: “Que governo? O Governo Inglês! Nós não temos outro governo aqui. Oh, não! É muito poder que o governo já tem.”


Assim, nem mesmo Michael Davitt poderia popularizar a Nacionalização das Terras nos dias dele. O trabalho de base era insuficiente - a base necessária de um governo diretamente sob controle do povo em questão. Com as massas nacionalistas a mesma dificuldade foi encontrada na propagação do socialismo, até a atitude inflexível dos Socialistas de Dublin na questão nacional deixou claro que o socialismo significava uma mudança absolutamente revolucionária no aspecto político da Irlanda que faria o povo da Irlanda completos governantes de seu próprio país, já que a mudança econômica iria assim logicamente torná-los donos do país que eles governariam politicamente.


Em outras palavras, os socialistas da Irlanda tiveram que reconhecer que o mundo para os trabalhadores só pode ser concretizado pelo povo de cada país apoderando-se de seu próprio país, forçando de um jeito ou de outro a tomada do poder das mãos dos atuais governantes ou proprietários e restaurando este com todos seus poderes e potencialidades para o povo que o habita e que trabalha sobre ele.


Com o advento do autogoverno em qualquer formato na Irlanda, a questão de possessão e administração do solo pode, e será, ser abordada com um novo espírito.


Uma mudança que eu prevejo, e tenho esperança em, existe já em estágio embrionário no Ato das cabanas de trabalhadores[6]. Sob esses atos, a autoridade local tem poder de adquirir terras e construir cabanas para os trabalhadores. Esses vão se tornar inquilinos para a autoridade local.


Agora, eu prevejo que pode haver uma mudança no espírito do futuro Land Acts, e que os Conselhos de Condado locais podem ser autorizados a adquirir terras agora sendo compradas pelo fazendeiro, e que o preço de compra sendo pago pelos presentes inquilinos pode ser mudado para um aluguel pago para o democraticamente eleito Conselho de Condado.


Se isso fosse feito com uma redução no pagamento anual, juntamente com a garantia da estadia do inquilino e o direito de um interesse de venda na fazenda (goodwill[7]) dado aos fazendeiros em troca de sua rendição de seus futuros diretos de posse, é bem concebível que tal mudança seria efetivada sem nenhuma oposição a mais do que seria oferecida para qualquer outra mudança legislativa.


Mas o resultado dessa mudança seria que o Conselho do Condado local se tornaria o dono do solo sob o governo nacional; que todas as questões afetando a administração do solo estariam profundamente sob a supervisão da democracia diretamente interessada como as questões afetando a ocupação das cabanas de trabalhadores estão agora, e assim a democratização gradual dos interesses da agricultura se tornaria a questão vital na política rural, assim como a difusão do mesmo princípio e método político de administração afetaria similarmente os interesses industriais nas políticas urbanas e nacionais.


O bate-boca sobre a ocupação de uma cabana de trabalhador que, no presente, é uma leitura tão picante em nossos jornais irlandeses, tem um lado sórdido, mas isso que eu rapidamente vi mostra que eles têm um lado prático e esclarecedor também.


Quando as deliberações principais de um Conselho Urbano ou de Condado forçosamente virarem-se para questão de administração das fazendas e outras terras do Condado, assim como as deliberações dos Boards of Guardians[8] agora viram-se para as ocupações das cabanas de trabalhadores, nós vamos começar a ter um vívido entendimento da frase marxista sobre “o governo dos homens ser substituído pela administração das coisas”.


O Land Acts desapropriou os senhorios e assim acabou com a influência econômica qual o poder político deles era baseado. Assim, fora do Nordeste Ulster, a aristocracia fundiária cessou em ser um poder na política. Um trabalhador da agricultura teria uma maior chance de ser eleito do que um senhorio do Sudoeste ou Leste da Irlanda por seus antigos inquilinos.


A ideia da propriedade camponesa é essencialmente individualista, e, portanto, exerce uma influência de desintegração da força política e da influência do camponês proprietário. O Land Acts, assim, apesar de seus defeitos, destruiu a escravidão promovida pelos terratenentes irlandeses, tirando seus poderes exclusivos sobre assuntos agrícolas irlandeses e abrindo caminho para a reorganização fundamental da vida social da comunidade


Depois, dois anos atrás, outra Comissão Real investigando a questão da via ferroviária irlandesa, reportou a favor da nacionalização. Com a chegada do autogoverno a quase unânime expressão de aprovação com que isso foi recebido na Irlanda é provável que isso tome uma forma concreta na promulgação de um ato legislativo.


E agora outra Comissão reporta, da mesma maneira, em favor do Serviço Estatal de Saúde. E isso também é recebido com uma ovação de aprovação.


Eu não disse que, apesar dos irlandeses terem pouca consideração com as teorias socialistas, eles têm uma alta tendência a favor de ações em linhas que são em essência linhas da atividade socialista?


Lado a lado com todo esse desenvolvimento do simples socialismo parlamentar, aqueles que conhecem a Irlanda sabem bem que há um desenvolvimento naquele espírito forte e rebelde da rebelião industrial, que a contestação agressiva dos direitos e poderes da classe governante é absolutamente necessária para prevenir tal parlamentarismo degenerar-se em paternalismo déspota.


Eu não acredito ser possível de prevenir a contínua extensão dos poderes do governo, mesmo que fosse desejável, mas eu olho para o espírito rebelde sendo cultivado para assegurar que a extensão das funções do governo signifique a conquista dos poderes pela classe trabalhadora ao invés da invasão de nossos direitos pela classe governante.


É por causa do espírito desafiador e rebelde da Irlanda de hoje, sempre mantendo o passo e de fato ultrapassando a tendência da experiência legislativa com os problemas sociais, que nós socialistas irlandeses sentimos que enfim estamos deixando o estágio da teorização e estamos vendo nossos princípios tornando-se a fé que move nossa classe para a ação.


É uma inspiração conhecer a classe trabalhadora na Irlanda durante seus tempos de conflito. Ver essa classe resoluta, ereta, desafiadora, dia após dia lutando contra seus governantes Nacionalistas, e em fome e sofrimento vencendo seu caminho para a vitória, que, ao mesmo tempo que cerra em conflito com o explorador irlandês, mantém-se em qualquer circunstância longe de e hostil contra os governantes britânicos e seus aliados irlandeses. Conhecer essa classe é amá-la.


E eu tenho pena daqueles em que seu preconceito colonial limitado ainda são, depois de 300 anos de plantation, muito resistentes para permiti-los se identificar com tal nação.



James Connoly, publicado no The Harp, Março, 1908, e no Forward, 16 de Agosto de 1913, respectivamente.


NOTAS


1: Home Rule era um partido nacionalista irlandês, de caráter liberal, que pregava o autogoverno no sentido de haver uma administração legislativa independente da administração que a Grã-Bretanha exercia sobre o país.

2 e 3: o United Irishman era um jornal de caráter nacionalista fundado em 1899 por Arthur Griffith e William Rooney que foi fechado após um processo de injuria e refundado em 1906 como Sinn Fein (não confundir com o nome do partido).

4: Protesto contra a celebração do jubileu da Rainha Victoria (marcando 60 anos de seu reinado) que resultou na prisão de James Connolly.

5: Atos que introduziram medidas para lidar com os contratos de propriedade e a questão de propriedade de camponeses de suas terras. De 1870 para 1929, esses atos aumentaram de 3% para 97% o número de fazendeiros irlandeses que possuíam de fato suas terras.

6: As cabanas de trabalhadores (labourers’ cottages) foram moradias construídas de forma compulsória por autoridades locais sob atos que se seguiram entre 1883 e 1936, com o objetivo de melhorar as condições de moradia dos trabalhadores da agricultura.

7: Termo utilizado para uma fração do preço que é baseada na credibilidade do que está sendo vendido – nesse caso, a reputação dos fazendeiros em relação ao seu cuidado com a fazenda.

8: Forma de governo antiga que era eleita por votos graduais (baseado na renda dos eleitores) que na época retratada estava sendo ocupadas mais por inquilinos das terras do que seus proprietários.



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