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"Simulado, relações públicas e os antidepressivos"


São quase 19 horas. Dia 21 de Junho. Defesa Civil de Congonhas e Relações Públicas da CSN já estão a postos, plantados na porta do salão da Associação do Residencial. O Bairro fica a menos de 100 metros de imensa barragem de rejeito. Aguardam o povo, que não chega. Exceto uns poucos gatos pingados. O presidente da Associação, jovem sensível ao sofrimento da Comunidade, chega a sentir-se culpado. Seu esforço: falou na Rádio, fez vídeo! Nem é sua tarefa, mas quer ajudar! Aquela ausência o desconcerta. O Relações Públicas permanece imbatível no seu bom humor: cumprimenta aqui, sorri ali, fazendo o seu papel. Ele lembra que ‘daqui a pouco vamos iniciar!’ e consola os presentes dizendo que ‘perdemos em número, mas ganhamos em qualidade!’. Um que outro, pouco afeito a essas táticas de dominação, pode sentir-se lisonjeado. Sua tranquilidade parece colocá-lo longe da preocupação com a segurança do povo. Com sua participação. Com as dezenas de cadeiras enfileiradas e vazias. Isso não interfere no seu salário. O Relações Públicas está centrado na sua boa relação com a empresa. Ele passa pelo povo apenas por tabela. Garantindo a boa imagem dela, mercadoria especialmente preciosa no capitalismo contemporâneo, garante o seu emprego. Por isso ele pode dar-se ao luxo de prometer a reconstrução de duas igrejas, destruídas pela CSN, e não cumprir. Ele pode prometer até coisas mirabolantes, como entrar com um Projeto de Lei na Câmara Municipal – favorável à empresa -, propondo a mudança da Lei da Gravidade; nesse caso, se a barragem romper-se, o rejeito sobe e se aloja na parte mais alta da montanha, de onde fora extraído o minério, ao invés de descer em avalanche, destruindo tudo, como ocorreu no crime de Fundão, em Mariana. Um Relações Públicas não tem nenhum poder de decisão. Então ele pode tudo! A única coisa que não pode fazer é contrariar a empresa, que lhe paga vencimento gordo para ‘conversar’ com o povo. Conversar sempre sem resolver nada! Inicia-se a reunião. Ele próprio tem a iniciativa de colocar umas poucas cadeiras em círculo. O suficiente. O projetor, ligado com antecedência, mostra a logomarca da CSN com a frase ‘ nós produzimos minério de excelência’. Vê-se, de imediato, que ‘pessoa’ não é o forte da empresa. A confirmação chega logo: ‘Várias empresas estão nos acompanhando’, diz. ‘Cinco delas estiveram no Simulado do dia 16 de junho’. E conclui: ‘estamos todos aprendendo!’. A verdade contida na expressão ‘estamos todos aprendendo’ é que a empresa, a despeito de todo aparato tecnológico e de relações públicas - com risos fáceis e bem ensaiados -, ainda não dialoga com o povo. Permitem-se falas. Desabafos. Mas a aparente participação do povo é semelhante ao latido de um cão amarrado. Ele vai até o limite imposto pela corrente, que lhe prende a mente, o pescoço ou o estômago. Nessa relação, onde um lado se considera todo poderoso e o outro se acha destituído de qualquer poder, tanto faz uma reunião decidir tudo ou não decidir nada. Ela não vai fazer nenhuma diferença no que é central. Ela não vai mexer numa letra, sequer, do interesse da empresa nem vai retirar um dólar, ao menos, de sua expectativa de lucro. Não será justamente por isso que o povo, sábio que é, faz-se ausente? Segue avaliação do Simulado de16 de junho, tido por ruim pela própria empresa. E nisso ela tem razão! Apenas 12% ouvem a mensagem de voz que deveria chegar a todas as famílias residentes na área de risco. O pacote emergencial, no seu conjunto, incluindo as sirenes, as placas espalhadas pela cidade de Congonhas, as rotas de fuga, os pontos de encontro, a triagem, tem um limite para muito além de seu arranjo tecnológico-logística. Ele esconde o risco real - não apenas simulado -, dando a esperança de que, no limite, existe uma tábua de salvação. E ela, definitivamente, não existe! A própria equipe de emergência deixa escapar essa verdade inarredável. Preocupada em relativizar a importância quase absoluta do plano de salvamento - sentindo-o extremamente frágil -, acaba afirmando que, num eventual rompimento da barragem, o tempo é muito curto para qualquer providência. Lembra, depois, ser imprescindível um monitoramento permanente dela. Só falta dizer que a solução definitiva é retirar aquele monstro dali - e não colocá-lo em nenhum outro lugar -, deixando em paz o povo, que o precede no tempo e valor. Buscando clarear seu raciocínio, ele compara a barragem a um doente. O médico lhe mede a pressão, sente sua melhora ou piora e toma as providências cabíveis. O esforço do remendo, porém, sai pior do que o soneto. Ele se esquece de que há ‘médicos’ que escondem a doença do paciente e da sociedade em geral. É o que ocorreu com na barragem de Fundão. E há pessoas que, atacadas de um infarto fulminante, nem chegam ao hospital. Apesar de sabida, soberbamente, da ineficácia dos procedimentos, foi marcado novo Simulado para o dia 29 de junho, incluindo, desta vez, teste de deslocamento dos moradores da área de risco. Por que um novo Simulado? É simples! A CSN pleiteia alteamento de sua barragem em 11 metros e, nesse intento, tem condicionantes a cumprir impostas num TAC – Termo de Ajustamento de Conduta. Ela precisa realizar uma série de atividades, algumas soando como brincadeira. Ela necessita de fotos e de listas de presença que, anexadas a calhamaços de papéis e documentos, vão para os órgãos licenciadores para cumprir uma formalidade. Finda a reunião! O Relações Públicas aproveita para informar a razão do próximo Simulado ser na parte da manhã: poupar estresse à comunidade. Não precisa esperar, durante o dia todo, que a sirene toque a qualquer momento. O informe mantém a política de boa vizinhança. Mas a fonte da ansiedade é a barragem em cima da cabeça. É sobre isso que a povo pode pensar: se continua aceitando calmantes e antidepressivos de quem mora em lugar seguro para forçar sono tranquilo ou se busca a cura definitiva pela força popular. Por Antônio Claret Fernandes, militante do MAB e padre da Arquidiocese de Mariana (MG)

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