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O Samba perde Beth Carvalho

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

O samba perde Beth Carvalho: artista que unia os acordes da política e da música como poucos se despediu de nós nesta terça-feira.

Do pai, militante comunista nos anos 1960, herdou o entusiasmo por política e a admiração por figuras como Che Guevara e outros heróis revolucionários. Da mãe, o gosto pela música, pelo Rio de Janeiro e seu povo. Elizabeth Santos Leal de Carvalho, além de cantora, empunhava o violão e o cavaquinho, incorporando a negritude e o feminismo, revivendo os sambas aguerridos de Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara, além de entonar as pautas políticas e sociais do povo, presentes em suas interpretações das canções de Paulinho Tapajós e Jorge Aragão.

Militante do samba, resgatou figuras mitológicas da fina flora da Mangueira – gravou as clássicas “As Rosas não Falam” e “Folhas Secas”, de Cartola e Nelson Cavaquinho, respectivamente –, além de amadrinhar toda uma geração nova de sambistas nos anos 1980, como Luiz Carlos da Vila, Arlindo Cruz e o grupo Fundo de Quintal.

Além de benfeitora do samba nacional, Beth Carvalho fora talvez a artista mais politicamente engajada de nosso país. Botava boa parte da chamada “classe artística” no bolso ao se posicionar em favor do socialismo, da libertação do Brasil e de sua cultura nacional. Exaltava a experiência venezuelana e a revolução cubana, bem como as figuras de Fidel Castro e Hugo Chávez. Foi convidada por este último a participar do programa “Aló, Presidente” [1], da TV Estatal teleSUR. Também havia visitado recentemente Nicolás Maduro, declarando mais uma vez seu apoio e solidariedade ao processo bolivariano.

Nos últimos anos esteve ao lado dos movimentos democráticos e populares, sempre denunciando o golpe orquestrado em 2016. Afirmava que estava em vigência no Brasil nos últimos anos uma “ditadura civil”, referindo-se ao controle ideológico e institucional burguês-latifundiário dissimulado na forma de uma democracia representativa. Leu de maneira acertada as Jornadas de Junho de 2013, destacando a falta de uma articulação central do movimento e o momento em que a direita tentou cooptá-lo [2].

Em 2015, indignada pelo movimento “Vem Pra Rua” se apropriar da canção “Vou Festejar” (Jorge Aragão) gravada com a sua voz, disse:

“Para que fique bem claro, eu, Beth Carvalho sempre me posicionei ao lado de líderes como Che Guevara, Fidel Castro, Hugo Chavez, Leonel Brizola. Inclusive, a música “Vou Festejar”, gravada primeiramente em 1978, sempre representou movimentos de esquerda e de abertura política como as Diretas Já e o segundo turno de Lula contra o Collor em 1989” [3]

Interpretando muitas vezes canções com temáticas feministas, afiançou o papel da mulher no samba. Ao lado de Clara Nunes e Alcione, patenteou a influência matriarcal no samba, enaltecendo o protagonismo de Dona Zeuma e Dona Zica na história do gênero.

Era extremamente preocupada com o que ela chamava de “colonialismo informativo e cultural” e com a “integração soberana dos povos do sul do continente” [4]. Apregoava que uma comunhão das manifestações artísticas dos países da América Latina era indispensável para colocar um fim à submissão à mercadoria imperialista que é consumida nos meios culturais. Sobre o colonialismo cultural dizia:

“ [...] o samba teve prejuízo enorme. Hoje dificilmente se consegue senhoras para a ala das baianas nas escolas de samba. Elas estão nas igrejas evangélicas, proibidas de sambar. Não se vê mais garoto com tamborim na mão, vê com fuzil [...]. Isso [a desvalorização do samba] tem tudo a ver com a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA). É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura” [5]

Junto de Violeta Parra, Inezita Barroso, Clementina de Jesus, Nara Leão e Mercedes Sosa, Beth Carvalho faz parte do panteão das grandes cantoras que denunciavam o imperialismo, as agruras sul-americanas e almejavam uma América Latina verdadeiramente livre. Todas representantes legítimas de nosso povo e figuras indispensáveis para estabeleçamos uma cultura genuinamente livre e popular em nosso continente – uma Nova Cultura!

A sambista se despede com a certeza de ter ficado, durante toda a sua vida, ao lado correto da História.

E, como ela gostaríamos que fizéssemos, sigamos com samba:

Notas

[1] Ver < http://feeds.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2504200408.htm>

[2] “O Lado B da MPB – O Palco e o Palanque de Beth Carvalho”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=3xhkjjrRtlQ>

[3] Ver <https://www.viomundo.com.br/denuncias/beth-carvalho-repudia-uso-de-vou-festejar-em-passeata-da-direita-minha-voz-e-meu-samba-nao-os-representa-nem-hoje-nem-ontem-nem-nunca.html>

[4] Roda Viva com Hugo Chávez – Exibido em 15/03/2005, pela TV Cultura. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=fDSYMNmqdkg>

[5] Ver < https://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/beth-carvalho-a-cia-quer-acabar-com-o-samba/n1597382636665.html>

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