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Sobre a noção falsa de "Poder Popular" em moda no Brasil

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

Não queremos de forma alguma repreender a empolgação popular, longe disso. Sabemos que os gritos entusiasmados de “lutar e criar o Poder Popular” já são entoados por grandes parcelas de nosso povo e pela pequena burguesia, particularmente por seus destacamentos mais conscientes e atuantes politicamente, em quase todos os protestos e manifestações das grandes cidades brasileiras, nas favelas e ocupações. Entoar um grito de guerra sobre lutar, criar e consolidar o poder popular é um grito revolucionário, do qual os revolucionários e os verdadeiros comunistas devem se apoderar como sua grande bandeira política. Porém, por detrás dos empolgantes e revolucionários gritos de lutar e criar o poder popular, esconde-se muito perigosamente, em nosso país, uma concepção burguesa não apenas sobre o poder popular, o poder das massas, como também sobre o poder político de maneira geral. Na verdade, é a visão da social-democracia sobre o que é o poder político. Portanto, é absolutamente falsa em nada serve à prática da revolução brasileira, ou talvez somente para entravá-la e confundir os elementos mais conscientes de nosso povo. Vejamos como alguns dirigentes políticos exprimem esta noção reformista sobre o poder popular. Guilherme Boulos, dirigente do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), assim exprime sua noção errada sobre o que significa o poder popular: “Poder Popular, para nós, tem um significado duplo. É a concepção de que não é pelo poder de Estado que iremos resolver nossos problemas. Não é por meio das vias institucionais, por dentro do Estado, neste sistema político, que conseguiremos resolver. A possibilidade de o povo conquistar direitos e construir, passo a passo, a transformação social no Brasil, é se mobilizando, se organizando, indo para as ruas. Essa é uma dimensão do que entendemos por Poder Popular, como o oposto via do poder de Estado. [...]”, e continua: “O segundo aspecto do Poder Popular é construir formas de atuação e decisão coletivas, por baixo. Vejamos uma ocupação. [...] Quando o MTST ocupa um terreno, a primeira coisa que se faz é organizar as famílias em grupos, dividi-las em grupos menores. [...] O primeiro fato é dividir as pessoas em grupos para que as mesmas possam falar, eleger seus coordenadores, ter seus representantes, que também são destituíveis se o grupo assim preferir. Ter seus espaços coletivos de realização. Cozinha coletiva, primeiro ponto. Numa ocupação, ninguém pode passar fome. Isso para nós é um princípio básico. [...] Assembleias diárias nas ocupações, reuniões de grupos para discutir pequenos problemas. [...] Construir soluções coletivas, para nós, é a construção do Poder Popular.” No ano de 2010, em propaganda eleitoral, Antônio Carlos Mazzeo, dirigente do revisionista “Partido Comunista Brasileiro” (PCBrasileiro), assim expôs sua noção errada sobre poder popular: “O Poder Popular é a organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho, moradia e estudo. Os trabalhadores organizam grupos para discutir seus problemas mais urgentes, como saúde, educação e moradia. Organizados em conselhos populares, os trabalhadores poderão pressionar os parlamentares e o governo para que decidam questões fundamentais para a população. Essa é a base do Poder Popular.” Num documento escrito, ao que consta, no ano de 2014, “Construindo o Poder Popular, por um Brasil Socialista”, o também dirigente do revisionista PCBrasileiro, Mauro Luís Iasi, assim expõe sua concepção igualmente errada de Poder Popular: “Uma das condições políticas da alternativa socialista é a unificação da classe trabalhadora. [...] O Poder Popular não pode ser confundido com um conjunto de instituições, como conselhos, assembleias, associações ou qualquer outro organismo ou organização próprios da vida dos trabalhadores, ainda que estes sejam importantes e cumpram funções na luta de classes. O Poder Popular deve constituir-se como forma de dar unidade a esta diversidade das lutas sindicais, sociais e outras, como expressão política de uma alternativa de poder dos trabalhadores contra o Estado Burguês. O Poder Popular já existe no aqui e agora das lutas dos trabalhadores, na luta pela terra e nos assentamentos, na luta urbana por moradia, na luta contra a privatização da saúde e em defesa da educação pública, na resistência contra a violência policial, nas greves e resistências dos trabalhadores nas fábricas e nos diferentes espaços de exploração do trabalho, na luta das mulheres, na resistência dos povos indígenas e quilombolas, na luta contra todas as formas de preconceito. [...]” Logo em seguida, o dirigente faz as seguintes ponderações, porém prosseguindo em suas posições erradas: “No entanto, o Poder Popular ainda não existe pelo fato de que estas iniciativas não se unificam em um programa, nem se apresentam como alternativa de poder. A construção de um Poder Popular por um Brasil Socialista implica em uma ruptura que pode ser combinada ou não com vitórias e embates eleitorais, mas certamente vai além destes, exigindo a auto-organização e a mobilização dos trabalhadores em defesa de seus direitos e de seus interesses históricos.” Tal é a noção errada não de três dirigentes sobre o que significa o Poder Popular, mas a noção que atualmente prevalece em nosso país sobre seu significado. Caso tal noção errada não seja rigorosamente combatida e superada, não poderemos avançar, e o movimento popular de nosso país continuará sofrendo derrotas humilhantes. Se tais noções sobre Poder Popular são erradas, como compreender de forma correta o significado de Poder Popular? Apenas o Marxismo pode dar tal resposta. Para chegarmos ao ponto de explicar o significado de Poder Popular, pensamos ser necessário explicar a noção de poder político e de Estado. O que significa o poder político? O que significa o Estado? Ao contrário do que possamos imaginar, o poder político e o Estado não existiram sempre. Surgiram como reflexo dos interesses dos homens numa determinada etapa de seu desenvolvimento, na qual estes se dividiram em classes antagônicas, inconciliáveis, entre exploradores e explorados. Nesta etapa do desenvolvimento humano, isto é, quando os homens se cindiram em classes antagônicas, observou-se a necessidade de se desenvolver um instrumento, um organismo aparentemente “acima” da sociedade, por fora desta, mas que jamais poderia surgir à margem da mesma sociedade, sem as transformações pelas quais esta vinha passando. O poder político, o Estado, é tal instrumento, tal organismo. Ele não aparece, porém, como um instrumento para “conciliar” os interesses de classes antagônicas, ou como um instrumento “administrativo” para gerenciar uma sociedade crescentemente complexa. Ao contrário, trata-se de instrumento utilizado por uma parcela da sociedade para oprimir e explorar outra parte da sociedade. Como diria Engels, “o Estado é um órgão de dominação de classe.” Na verdade, é o órgão utilizado pelos exploradores, pelos proprietários dos meios de produção, para explorar as massas trabalhadoras de cada sociedade determinada, que não possuem meios de produção. Portanto, não há poder político, em qualquer canto do mundo ou em qualquer época da humanidade, que não pressuponha, sempre, o poder de uma classe historicamente determinada, de uma forma determinada de propriedade sobre os meios de produção e de distribuição dos meios de existência entre as diferentes classes de uma determinada sociedade. Assim sendo, a primeira forma de poder político do Estado que aparece na humanidade é o poder político escravista, o Estado escravista, utilizado pelos escravistas para manter a propriedade sobre os escravos e as terras, para manter o status quo de apropriação, por parte dos escravistas, dos excedentes produzidos pelos escravos. Com a desintegração da sociedade escravista e a ascensão da sociedade feudal, o poder político passou a ser detido pela classe latifundiária, sua criadagem e burocratas (clero, pequenos nobres, beatos, etc.), proprietários das grandes extensões de terras, para oprimir e se apropriar dos excedentes produzidos pelos camponeses, artesãos, comerciantes e até mesmo capitalistas (que então se configuravam como classe oprimida no âmbito da sociedade feudal ou semifeudal). Com a eclosão das revoluções democrático-burguesas que colocaram fim às sobrevivências feudais, desintegram-se tais sociedade feudais e emergem as sociedades capitalistas, com as classes antagônicas básicas de tais sociedades: os capitalistas e os operários. O poder político burguês, capitalista, configura-se como um instrumento dos capitalistas (e nos tempos atuais, dos capitalistas monopolistas, dos grandes conglomerados) para oprimir e se apropriar dos excedentes dos operários e camponeses pobres. Como, porém, mantém-se a opressão dos exploradores sobre os explorados? Seria tão somente pela propriedade sobre os meios de produção, pela apropriação da produção das massas trabalhadoras? Não seria possível para os exploradores manter uma situação na qual uma parte ou a grande maioria de uma sociedade mantém-se na condição de explorada, sem acesso aos meios de produção, e portanto obrigada a trabalhar para os proprietários dos mesmos, sem “algo a mais”, sem um instrumento de coação que mantivesse, pela violência, tal situação na qual os exploradores são exploradores e os explorados são explorados. O fator fundamental e determinante de qualquer poder político, de qualquer forma de Estado, pois, é o monopólio da violência, através da qual as classes dominantes, pela força das armas, dos canhões, espadas, mantêm seu poder político. O monopólio da violência é algo tão importante e determinante para a conformação do poder que, muitas vezes, em diversas passagens de documentos escritos pelos clássicos do Marxismo, ele até mesmo se confunde a noção de poder político. É o que podemos observar quando o Presidente Mao Tsé-Tung estabelece que “o poder político nasce do cano do fuzil”, ou quando Lênin corretamente diz que “a única garantia para a democracia é um fuzil no ombro de cada operário.” Desenvolvendo ainda sua noção sobre poder político, transcreve Lênin, em seu importante documento O Estado e a Revolução, algumas citações de Engels: “‘A segunda característica é a instituição de um poder público, a qual já não coincide diretamente com a população que a si própria se organiza como força armada. Este público especial é necessário porque desde a divisão em classes se tornou impossível uma organização armada espontânea da população. [...] este poder público existe em cada Estado; não consiste meramente de homens armados, mas também de apêndices materiais, prisões e instituições de coação de toda ordem, das quais a sociedade gentílica (de clãs) nada conheceu. [...]’” Prosseguindo, agora com suas próprias palavras: “Sem esta divisão, a ‘organização armada espontânea da população’ distinguir-se-ia pela sua complexidade, pelo elevado nível da sua técnica, etc., da organização primitiva de um bando de macacos armados com paus, ou de homens primitivos ou homens associados na sociedade de clãs, mas tal organização seria possível. Ela é impossível porque a sociedade da civilização está dividida em classes hostis e, além disso, inconciliavelmente hostis, cujo armamento ‘espontâneo’ conduziria a uma luta armada entre elas. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, destacamentos especiais de homens armados, e a cada revolução, ao destruir o aparelho de Estado, mostra-nos uma luta de classes aberta, mostra-nos claramente como a classe dominante se esforça por reconstruir os destacamentos especiais de homens armados, que a servem, como a classe oprimida se esforça para criar uma nova organização, capaz de servir não aos exploradores, mas aos explorados.” Conforme os trechos que aqui transcrevemos, é certo, o Estado, o poder político do Estado, é algo mais que o monopólio da violência. Ele pressupõe não apenas o monopólio da violência (forças armadas, prisões, etc.), mas também todo um conjunto de ordenamentos jurídicos, funcionários públicos, tributações, valores e concepções de mundo que legitimem e justifiquem toda uma situação classista, uma forma de propriedade sobre os meios de produção, de dominação de uma classe sobre a outra, tal como ela se estabelece numa determinada etapa do desenvolvimento humano. Porém, ainda assim, todo este conjunto de funcionários, leis e valores nada seria (ou seria um “gigante de pés de barro”) sem o fator fundamental e preponderante do monopólio da violência, das forças armadas e das prisões. Quem reprimiria eventuais levantes dos explorados contra os exploradores? Quem garante a tal “aplicação da lei”? Nada que não seja o próprio monopólio da violência. Portanto, é possível formularmos uma noção mais ou menos exata do verdadeiro significado de poder político. Poder político nada mais é que o monopólio da violência legitimado por um conjunto de valores, leis e concepções de mundo para manter uma situação classista determinada, uma determinada forma de propriedade sobre os meios de produção que engendra uma situação classista decorrente. Portanto, é possível falarmos num poder escravista, feudal, burguês e até mesmo operário, popular. O poder político é a ditadura de uma classe sobre outra. Portanto, mesmo a forma mais democrática de poder político até então existente, o poder político vermelho (ou o Poder Popular), não pode deixar de ser também uma ditadura. Observemos, aqui, as palavras sábias de Engels, que em seu trabalho Sobre a Autoridade polemiza com os “anti-autoritários”, tão comuns na atual “esquerda” burguesa brasileira: “Mas os anti-autoritários pedem que o Estado político autoritário seja abolido de um golpe, antes mesmo que se tenham destruído as condições sociais que o fizeram nascer. Pedem que o primeiro ato da revolução social seja a abolição da autoridade. Estes senhores alguma vez já viram uma revolução? Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que se possa imaginar, é o ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra por meio das espingardas, das baionetas e dos canhões, meios autoritários como poucos, e o partido vitorioso, se não quer ser combatido em vão, deve manter o seu poder pelo medo que as suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris teria dura