top of page
textura-03.png

"Sobre o desenvolvimento criativo de Vigotski"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

Na presente Obras Escolhidas, são apresentados pela primeira vez os principais trabalhos do eminente psicólogo soviético Lev Semenovitch Vigotski com suficiente completude. Vigotski foi um escritor prolífico: em menos de 10 anos de atividade como psicólogo ele escreveu cerca de 180 trabalhos. Destes, 135 foram publicados e 45 esperam publicação. Muitas das publicações de Vigotski se tornaram raridades bibliográficas.

Não somente psicólogos, mas também representantes das humanidades — filósofos, linguistas etc. — apontaram a necessidade de uma nova edição dos trabalhos de Vigotski. Nenhum desses acadêmicos consideram seus trabalhos como pertencentes à história. Hoje, mais do que nunca, eles se voltam aos trabalhos de Vigotski. Suas ideias se tornaram tão firmemente estabelecidas na psicologia científica que elas são mencionadas como sendo usualmente conhecidas, sem referência aos trabalhos correspondentes ou sem ao menos mencionar o nome de Vigotski.

Essa é a situação não somente na psicologia soviética, mas também na psicologia internacional. Em anos recentes os trabalhos de Vigotski foram traduzidos em inglês, francês, alemão, italiano, japonês e outras linguagens. E no exterior ele também não é uma figura histórica, mas um investigador contemporâneo, vivo.

Pode-se dizer que o destino científico de Vigotski se desenvolveu felizmente e inusitadamente para o século XX, que é caracterizado pelos desenvolvimentos científicos tempestuosos em que muitas ideias já estão obsoletas um dia depois que foram expressas. A psicologia não é, naturalmente, exceção aqui e dificilmente encontraremos investigações concretas na psicologia internacional do século XX que reteve toda sua atualidade 45-50 anos depois que foram publicadas.

A fim de entender o "fenômeno Vigotski”, a excepcionalidade de seu destino científico, é essencial apontar para dois aspectos de seu trabalho criativo. Por um lado, existem os fatos concretos, os métodos concretos e hipóteses de Vigotski e seus colaboradores. Muitos desses métodos e hipóteses foram brilhantemente confirmadas e foram posteriormente desenvolvidas nos trabalhos de psicólogos contemporâneos. Os métodos elaborados por Vigotski, os fatos que encontrou, são considerados clássicos. Eles se tornaram partes componentes muito importantes da base da psicologia científica. E aqui a psicologia contemporânea, tendo confirmado o pensamento de Vigotski e se apoiando nele, foi mais além no plano dos fatos, métodos e hipóteses etc. Mas, por outro lado, existe ainda outro aspecto no trabalho criativo de Vigotski — um aspecto metodológico teórico. Sendo um dos maiores psicólogos teóricos do século XX, ele estava realmente décadas a frente de seu tempo. E a atualidade dos trabalhos de Vigotski reside no plano metodológico teórico. É por isso que nós não devemos falar sobre suas concepções como se elas fossem de alguma forma completas. Suas investigações concretas foram somente o primeiro estágio na realização de seu programa metodológico teórico.

1

O trabalho criativo de Vigotski foi, primeiro de tudo, determinado pela época em que ele viveu e trabalhou, a era da Grande Revolução Socialista de Outubro.

A reforma profunda e decisiva que a revolução introduziu na psicologia científica não ocorreu imediatamente. Como é bem conhecido, um espírito do idealismo impregnou a psicologia científica oficial cultivada nas universidades e ginásios pré-revolucionários, apesar das poderosas tendências democráticas revolucionárias e materialistas na filosofia e psicologia russa. Além disso, a partir do ponto de vista científico elas ficaram significantemente atrás da psicologia científica dos principais países europeus (Alemanha, França) e os Estados Unidos. Reconhecidamente, por volta da virada do século muitos laboratórios experimentais evoluíram na Rússia, e em 1912 o primeiro Instituto de Psicologia do país foi criado na Universidade de Moscou através da iniciativa de Chelpanov. Mas a produção científica desses centros era baixa e seu conteúdo em muitos casos não muito original.

Realmente, no começo do século XX na Europa nasceram novas escolas psicológicas tais como a psicanálise, psicologia Gestalt, a escola Würzburg etc. A psicologia empírica subjetiva tradicional da consciência obviamente deu em nada. Nos Estados Unidos surgiu uma corrente (para a época radical) na psicologia — behaviorismo. A psicologia científica internacional estava em frenesi; durou um excruciante e intenso período. Nos mesmos anos Chelpanov e seus colaboradores estavam ocupados lidando com a replicação dos experimentos executados pela escola wundtiana. Para eles as últimas notícias ainda eram os trabalhos de James. Em uma palavra, eles estavam na periferia da psicologia internacional e não sentiram toda a intensidade da crise que tomou conta dela. Eles perderam o contato com os problemas mais importantes da teoria psicológica. A psicologia na Rússia existiu como uma ciência universitária estreitamente acadêmica sobre as aplicações práticas do que era inconcebível falar. E isso em uma época em que a Europa e os Estados Unidos a psicologia aplicada ou psicotécnicas estava rapidamente se desenvolvendo, a psicologia médica dava os primeiros passos etc.

A revolução trouxe mudanças radicais para a psicologia científica. A psicologia foi forçada a regenerar em todos os aspectos, em sua essência. Uma nova ciência teve que se desenvolver ao invés da velha psicologia dentro de um pequeno espaço de tempo.

O primeiro requisito para a psicologia científica foi ditado pela vida do próprio país, um país destruído e arruinado pela guerra. Foi o requisito de proceder à análise dos problemas aplicados práticos. Imediatamente depois da revolução, um novo campo da psicologia — psicologia industrial ou psicotécnica — começou a se desenvolver na Rússia. Esse requisito de vida estava tão além das dúvidas que até mesmo na cidadela da psicologia introspeccionista acadêmica — o Instituto de Psicologia encabeçado por Chelpanov — uma nova seção surgiu; a seção para problemas aplicados.

Mas a tarefa principal para os psicólogos nesses anos era elaborar uma nova teoria ao invés da psicologia introspectiva da consciência individual que foi cultivada no período pré-revolucionário e que repousava sobre o idealismo filosófico. A nova psicologia deveria proceder a partir da filosofia do materialismo histórico e dialético — deveria se tornar uma psicologia marxista.

Os psicólogos não entenderam imediatamente a necessidade para tal reforma. Muitos deles eram estudantes de Chelpanov. Entretanto, já em 1920, e mais definidamente em 1921, Blonski começou a levantar essa questão (em seus livros A Reforma da Ciência e Esboço de uma Psicologia Científica). Mas o evento decisivo desses anos foi a conhecida palestra de Kornilov Psicologia e Marxismo no Primeiro Congresso de Toda a Rússia sobre Neuropsicologia, que ocorreu em Moscou em janeiro de 1923. Ela formulou a linha para o desenvolvimento da psicologia marxista com grande clareza. Nessa palestra muitas teses fundamentais do marxismo foram apresentadas que possuem relevância direta para a psicologia (a primazia da matéria sobre a consciência, a mente como uma propriedade da matéria desenvolvida superior, a natureza societal da mente do homem etc.). Na época, para muitos psicólogos educados no espírito do idealismo, essas teses não eram somente não óbvias, mas simplesmente paradoxais.

Após o congresso uma polêmica eclodiu com o fervor característico dos anos revolucionários da década de 1920. Mais corretamente, foi uma genuína luta entre os psicólogos — materialistas encabeçados por Kornilov e os psicólogos idealistas encabeçados por Chelpanov. A esmagadora maioria dos acadêmicos logo reconheceram que Kornilov estava certo em sua luta para o desenvolvimento de uma psicologia marxista. Uma expressão externa da corrente materialista foi a decisão tomada pelo Conselho Científico do Estado em novembro de 1923 para liberá-lo de suas funções como diretor do Instituto de Psicologia e apontar Kornilov para o lugar.

A partir do início de 1924 a reorganização do Instituto foi rápida. Novos colaboradores apareceram. Alguns dos apoiadores de Chelpanov deixaram o Instituto. Novas seções etc. foram criadas. Dentro de um pequeno período o Instituto de Psicologia se tornou fundamentalmente mudado. Ele apresentou um quadro muito heterogêneo. O próprio Kornilov e seus colaboradores mais próximos desenvolver uma teoria reactológica que não se tornou uma corrente dominante usualmente aceita pelos psicólogos soviéticos naqueles anos. Muitos psicólogos usaram a terminologia reactológica somente superficialmente e envolveram os resultados de suas próprias pesquisas nela, pesquisa que estava muito distante das ideias de Kornilov. Essa pesquisa foi em diversas direções e não podia ser reduzida à investigação de velocidade, forma e força da reação que o próprio Kornilov estava interessado. Assim, N. A. Bernstein, que naqueles anos trabalhava no Instituto, começou suas clássicas investigações da "formação dos movimentos”. Na área da psicologia industrial (psicotécnica), S. G. Gellerstein e I. N. Spielrein e seus colaboradores começaram seus trabalhos. Os jovens acadêmicos do Instituto, A. R. Luria e A. N. Leontiev, conduziram investigações com o método motor combinado. V. M. Borovski, que naqueles anos aderiu ao behaviorismo, se ocupou com a zoopsicologia. B. D. Fridman tentou desenvolver a psicanálise e M. A. Rejsner, que trabalhou na área da psicologia social, incrivelmente combinou reflexologia, teoria freudiana e marxismo.

Apesar disso, muitos psicólogos trabalhando em vários campos e defendendo diferentes posições concordaram sobre a coisa principal. Eles tentaram desenvolver uma psicologia marxista e aceitar isso como a tarefa básica da psicologia científica. Mas os caminhos concretos em direção ao desenvolvimento de uma psicologia marxista eram naquele período ainda incertos. Essa tarefa completamente nova não possui seus análogos na história da psicologia internacional. Além disso, a maioria dos psicólogos soviéticos daqueles anos não eram especialistas marxistas — eles estudaram os rudimentos do marxismo e sua aplicação para a psicologia científica ao mesmo tempo. Não é surpreendente que como resultado eles algumas vezes fizeram não mais que ilustrar as leis da dialética com o material psicológico.

Uma multidão de questões complexas surgiram: qual era a conexão das várias correntes psicológicas concretas existentes na década de 1920 (reflexologia, reactologia, teoria freudiana, behaviorismo etc.) para o futuro da psicologia marxista? Uma psicologia marxista deve estudar o problema da consciência? Uma psicologia marxista pode usar os métodos da auto observação? Uma psicologia marxista deveria realmente surgir como a síntese da psicologia subjetiva empírica (a "tese”) e a psicologia do comportamento (a "anti-tese”)? Como resolver o problema da determinação social da mente humana? E a qual lugar pertence a psicologia social no sistema da psicologia marxista?

Um número de outras questões surgiu que não eram menos importantes e fundamentais e que tinham que ser resolvidas para ser possível realizar posterior movimento para a frente. A situação foi complicada pela necessidade de lutar em duas frentes: com o idealismo (Chelpanov, em particular, continuou lutando a ideia de uma psicologia marxista) e com o materialismo vulgar (mecanicismo e o energismo de Bekhterev, o reducionismo fisiológico e a biologização da mente etc.).

Não obstante, o passo principal e decisivo foi tomado naquela época: os psicólogos soviéticos foram os primeiros no mundo a proceder conscientemente ao desenvolvimento de uma psicologia nova, marxista. Exatamente na mesma época, em 1924, Lev Semenovitch Vigotski apareceu na psicologia.

2

Em janeiro de 1924, Vigotski participou no Segundo Congresso Neuropsicológico de Toda a Rússia que ocorreu em Leningrado. Ele apresentou diversas comunicações. Sua palestra Os Métodos de Investigação Reflexológicos e Psicológicos (mais tarde ele escreveu um artigo com o mesmo nome(2)) causou uma forte impressão em Kornilov, que o convidou para vir e trabalhar no Instituto de Psicologia. O convite foi aceito e em 1924 Vigotski se mudou de Gomel, onde ele vivia na época, para Moscou e começou a trabalhar no Instituto de Psicologia. A partir desse momento a verdadeira carreira psicológica de Vigotski começa (1924-1934).

Mas, embora em 1924 Vigotski, com então 28 anos, era ainda um psicólogo iniciante, ele já era um pensador maduro que havia passado por um longo desenvolvimento espiritual que logicamente o levou à necessidade de trabalhar na área da psicologia científica. Essa circunstância foi de grande importância para o sucesso das investigações psicológicas de Vigotski.

Sua atividade científica começou quando ele ainda era um estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou (simultaneamente ele estudou na Faculdade Histórica-Filológica da Universidade de Shaniavski). Neste período (1913­1917) seus interesses era uma sincera natureza humanitária. Graças as suas capacidades únicas para a educação séria, Vigotski foi capaz de trabalhar em diversas direções ao mesmo tempo: na área da dramaturgia (ele escreveu críticas de teatro brilhantes), história (em sua nativa Gomel ele liderou um círculo sobre história para estudante das classes superiores do ginásio), na área da economia política (ele falou esplendidamente em seminários sobre economia política na Universidade de Moscou) etc. De especial importância para seu trabalho criativo foi seu estudo minucioso da filosofia que começou naquela época. Vigotski estudou a filosofia alemã clássica em um nível profissional. Em seus anos de estudante ele começou seu entendimento com a filosofia do marxismo, que ele estudou principalmente usando edições ilegais. Nessa época nasceu o interesse de Vigotski pela filosofia de Espinoza, que permaneceu seu pensador favorito para o resto de sua vida.

Para o jovem Vigotski o lugar mais importante em todos esses interesses humanitários diversos foi ocupado pela crítica literária (isso se tornou definitivamente claro por volta de 1915). Em sua juventude ele apaixonadamente amou literatura e muito cedo ele começou a lidar com ela em um nível profissional. Suas primeiras palavras como crítico literário (os manuscritos infelizmente foram perdidos) — uma investigação de Anna Karenina, uma análise do trabalho criativo de Dostoiévski etc. — cresceu diretamente a partir de seus interesses como leitor. Incidentalmente, é por isso que Vigotski chamou seus trabalhos de uma "crítica do leitor”. A coroa dessa linha de seu trabalho criativo se tornou a famosa análise de Hamlet (existem duas variantes desse trabalho, escritas em 1915 e 1916, respectivamente; a segunda variante foi publicada no livro de Vigotski Psicologia da Arte(3) em 1968).

Todos esses trabalhos são caracterizados por uma orientação psicológica. Pode-se abordar uma obra de arte por vários lados. Pode-se clarear o problema da personalidade do autor, tentar entender sua ideia, estudar a orientação objetiva da obra de arte (isto é, sua moral ou significado político-social) etc. O que interessava Vigotski era outra coisa: como o leitor percebe uma obra de arte, o que é que está no texto da obra de arte que causa certas emoções no leitor, i.e., ele estava interessado no problema da análise da psicologia do leitor, o problema da influência psicológica da arte. Desde o início, Vigotski tentou abordar esse problema psicológico complexo objetivamente. Ele tentou sugerir alguns métodos para a análise de um fato objetivo — o texto da obra de arte — e a partir disso proceder a sua percepção pelo espectador.

O período determinado da carreira criativa de Vigotski alcançou seu acabamento em seu trabalho extensivo Psicologia da Arte, que ele terminou e defendeu como uma dissertação em Moscou, em 1925. As ideias que ele, em 1916 em sua análise de Hamlet ainda expressava "em meio tom”, agora se tornou uma demanda pelo desenvolvimento de uma psicologia da arte materialista.

Vigotski tentou resolver dois problemas — realizar uma análise objetiva do texto da obra de arte e uma análise objetiva das emoções humanas que surgem durante a leitura desta obra. Ele legitimamente escolheu a contradição interna na estrutura de uma obra de arte como seu aspecto central. Mas, a tentativa de analisar objetivamente as emoções causada por tal contradição não foram bem sucedidas (e não poderiam ser bem sucedidas tendo em vista o nível de desenvolvimento da ciência psicológica na época). Isso pré-determinou a de alguma forma natureza inacabada e unilateral de Psicologia da Arte (aparentemente, o próprio Vigotski também sentiu isso. Ele teve a oportunidade de publicá-lo durante sua vida, mas, apesar disso, nunca o fez).

Os problemas que se revelaram durante seu trabalho na área da psicologia da arte e a impossibilidade de revolvê-los no nível da psicologia científica da década de 1920 tornou inevitável que Vigotski se moveria para a verdadeira psicologia científica. A transição ocorreu gradualmente nos anos 1922-1924. No final deste período, Vigotski, que em Gomel continuou seu trabalho sobre Psicologia da Arte, já havia começava sua investigações no campo da psicologia científica. Como já foi dito, a transição se tornou completa com sua mudança para Moscou em 1924.

3

Chegando na psicologia, Vigotski imediatamente se encontrou em uma situação especial comparada à maioria dos psicólogos soviéticos. Por um lado, ele claramente entendeu a necessidade de construir uma nova psicologia, objetiva, chegando independentemente a essas ideias enquanto trabalho em sua psicologia da arte. Por outro lado, particularmente para Vigotski, com seu interesse primordial nas emoções humanas superiores causadas pela percepção da obra de arte, as deficiências das correntes objetivas realmente existentes na psicologia internacional e psicologia soviética na década de 1920 (behaviorismo, reactologia, reflexologia) eram especialmente intoleráveis. A principal deficiência delas era a simplificação dos fenômenos mentais, a tendência ao reducionismo fisiológico, a descrição inadequada da manifestação superior da mente — a consciência humana.

Vigotski precisava expor claramente os sintomas da doença que as correntes objetivas na psicologia sofriam e então encontrar caminhos para a cura. Seus trabalhos teóricos iniciais foram dedicados a esses objetivos; sua palestra Os Métodos de Investigação Reflexológicos e Psicológicos, que ele apresentou no Segundo Congresso Neuropsicológico (1924), o artigo A Consciência como Problema da Psicologia do Comportamento(4) (1925) e o grande trabalho histórico-teórico O Significado Histórico da Crise da Psicologia(5) (1926-1927), que é publicado pela primeira vez neste volume. Várias ideias que estavam conservadas neste trabalhados também podem ser encontradas em outros trabalhos, incluindo seu último. Muitas das ideias de Vigotski que formaram a chave para seu trabalho criativo assim como para muitos psicólogos soviéticos podem ser encontradas em seu trabalho somente implicitamente ou foram expressas por ele boca em boca.

A deficiência das correntes objetivas na psicologia — sua incapacidade de estudar adequadamente os fenômenos da consciência — foi visto por muitos psicólogos. Vigotski foi meramente um dos mais ativos, mas longe de ser o único participante na luta por um novo entendimento da consciência na psicologia soviética da década de 1920.

É essencial observar a posição única de Vigotski. Ele foi o primeiro que já em seu artigo A Consciência como Problema da Psicologia do Comportamento levantou o problema da necessidade por um estudo psicológico concreto da consciência como uma realidade psicológica concreta. Ele fez a ousada (para a época) afirmação que nem a "nova” psicologia — behaviorismo, que ignorou o problema da consciência — nem a "velha” psicologia — psicologia empírica subjetiva, que se declarou como sendo a ciência sobre a consciência — realmente a estudava. Isso parece uma forma paradoxal de declarar o problema. Para Kornilov, por exemplo, o estudo da consciência significava o retorno a uma versão mais suave da psicologia empírica subjetiva. Em seguida ele vislumbrou uma tarefa concreta — combinar os métodos introspectivos da "velha” psicologia com os métodos objetivos da "nova” psicologia. Isso ele chamou "síntese”.

O conteúdo da "nova” psicologia não poderia adicionar qualquer coisa à análise da consciência na "velha” psicologia. Era simplesmente uma diferença de avaliação. A "velha” psicologia viu o estudo da consciência como sua tarefa mais importante e acreditou que estava realmente estudando ela. A "nova” psicologia não viu novos métodos de qualquer natureza para estudar a consciência e a cultivou para a "velha” psicologia. Os representantes da "nova” psicologia poderiam avaliar o problema da consciência como insignificante e ignorá-la, ou considera-la sendo importante e comprometendo com a "velha” psicologia para resolvê-la (posição de Kornilov).

Para Vigotski o problema parecia bastante diferente. Ele não queria ouvir sobre um retorno à "velha” psicologia. Deve-se estudar a consciência diferentemente a partir da forma como era feita (ou, mais corretamente, "declarada”) pelos representantes da psicologia da consciência. Consciência não deve ser vista como um "estágio” no qual as funções mentais agem, não como "o chefe geral das funções mentais” (o ponto de vista da psicologia tradicional), mas como uma realidade psicológica que possui importância tremenda para toda a atividade vital da pessoa e que deve ser estudada e analisada concretamente. Em contraste com outros psicólogos da década de 1920, Vigotski conseguiu ver no problema da consciência não somente um problema de métodos concretos, mas antes de tudo um problema filosófico e metodológico de importância tremenda, a pedra angular da futura psicologia científica.

Essa nova psicologia que lida com os fenômenos mais complexos da vida mental do homem, incluindo a consciência, só poderia evoluir com base no marxismo. Em tal abordagem a perspectiva do tratamento materialista da consciência se revela e as tarefas concretas, não declarativas, de uma psicologia marxista tomam forma.

Falando sobre o desenvolvimento de uma psicologia marxista, Vigotski conseguiu ver o principal erro da maioria dos psicólogos da década de 1920, que se deram essa mesma tarefa. É que eles viram essa tarefa como uma de meramente encontrar os métodos corretos. Além disso, eles abordaram essa tarefa a partir de uma teoria psicológica concreta e tentaram combinar isso com as teses básicas do materialismo dialético através de simples adição. Em seu trabalho O Significado Histórico da Crise da Psicologia, Vigotski escreveu diretamente sobre a inexatidão fundamental de tal abordagem. Ele apontou que a psicologia é, naturalmente, uma ciência concreta. Cada teoria psicológica têm sua base filosófica. Algumas vezes se manifesta, outras vezes está escondida. E em cada caso essa teoria é determinada por suas bases filosóficas. É por isso que não podemos tomar os resultados prontos da psicologia e combiná-los com as teses do materialismo dialético sem primeiro ter reformado suas bases. Devemos realmente construir uma psicologia marxista, i.e., devemos começar com suas bases filosóficas.

Como podemos construir concretamente uma psicologia marxista procedendo a partir das teses do materialismo dialético? Para responder essa questão, Vigotski sugere voltar ao exemplo clássico — a economia política marxista, explicada em O Capital, onde um modelo é dado de como elaborar a metodologia de uma ciência concreta com base nas teses gerais do materialismo dialético. Somente depois que a base metodológica de uma ciência foi elaborada que os fatos concretos podem ser considerados, que foram reunidos por pesquisadores tomando diferentes posições teóricas. Então esses fatos podem ser organicamente assimilados e não nos tornamos suas vítimas. Não nos tornamos cativados por eles e não tornamos a teoria em um conglomerado eclético de diversos métodos, fatos e hipóteses.

Assim, Vigotski foi o primeiro entre os psicólogos soviéticos a escolher tal importante estágio na criação da psicologia marxista como o desenvolvimento de uma teoria filosófica e metodológica de um "nível intermediário”.

Nos mesmos trabalhos dos anos 1925-1927, Vigotski fez uma tentativa para determinar um caminho concreto para o desenvolvimento da base metodológica teórica da psicologia marxista. Assim, a epígrafe no trabalho O Significado Histórico da Crise da Psicologia é o conhecido ditado do evangelho: "A pedra que rejeitaram os construtores, essa veio a ser a pedra angular...”(6). Ele mais além explica que está se referindo aos construtores da psicologia científica. Essa "rocha” é dupla: por um lado, a referência é para a teoria filosófica e metodológica de um "nível intermediário”; por outro lado, para a atividade prática do homem.

A tese sobre a extrema importância para a psicologia da atividade prática do homem era paradoxal para a psicologia internacional e soviética da década de 1920. Naquela época, a corrente dominante estudou a atividade motora externa da pessoa pela fragmentação dela em diferentes atos comportamentais elementares (behaviorismo), reações motoras (reactologia) ou reflexos (reflexologia) etc. Nenhuma lidou com a análise da atividade prática em toda sua complexidade, se não contarmos os especialistas da psicologia do trabalho. Mas estes e outros psicólogos trataram isso como uma área puramente aplicada e assumiram que as regularidades fundamentais da vida mental do homem não podiam ser reveladas quando analisamos sua atividade laboral prática.

Vigotski possui uma opinião diametralmente oposta. Ele enfatizou que o papel de liderança no desenvolvimento da psicologia científica pertence à psicologia do trabalho, ou psicotécnica(7). Reconhecidamente, ele adicionou que não é um assunto da própria psicotécnica com seu métodos, resultados e tarefas concretas, mas seu problema geral. A psicotécnica foi a primeira a proceder para a análise psicológica da atividade do trabalho, prática, do homem, embora ainda não entendia a completa importância desses problemas para a psicologia científica.

A idei