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Mariátegui: “Literaturas europeias de vanguarda”



Quem deseja efetuar uma viagem econômica por várias literaturas de vanguarda da Europa, pode partir com confiança do livro de Guilhermo de Torre. A viagem deste livro tem todas as vantagens e todos os defeitos de uma viagem de ônibus. É barato, rápido e mais ou menos seguro. Contudo, obriga-nos a parar o mesmo tempo em todas as estações. Não nos permite descer nos cantos, onde gostaríamos de parar por alguns minutos. A estação de partida está em um subúrbio e aí temos de perder um tempo que nos parece desproporcional, em relação ao que utilizamos para atravessar os lugares centrais.


“As Literaturas Europeias de Vanguarda – escreve Guilhermo de Torre no frontispício de seu livro – são um álbum panorâmico, na sua primeira parte, das cinco tendências latinas vanguardistas mais representativas”. Estas cinco tendências são o ultraísmo espanhol, o criacionismo hispano-francês, o cubismo e o dadaísmo franceses e o futurismo italiano. Na terceira parte do volume, Guilhermo de Torre nos mostra, por uma janelinha do ônibus, outros horizontes: o imagismo anglo-saxão, o expressionismo germânico e a nova poesia eslava. A perspectiva e o itinerário da viagem são os de um sobrevivente do ultraísmo espanhol.


Guilhermo de Torre nos explica, em primeiro lugar, esta literatura de vanguarda, contudo, de sua própria exposição resulta que o ultraísmo espanhol tem um valor muito modesto ao lado dos outros ismos literários da Europa. O ultraísmo não careceu de antecedentes próprios e de modalidades peculiares; mas alimentou-se da experiência e das ideias destes outros ismos. Foi, em grande parte, um reflexo ou um eco do futurismo, do expressionismo, do cubismo e do dadaísmo. Não influenciou nenhum dos movimentos nem nenhuma das escolas de que era tributário ou dependente. O próprio Guilherme de Torre o constata honradamente.


O criacionismo tão pouco aparece como um movimento ou uma escola, ao menos no sentido que estas palavras têm quando qualificam ao cubismo, ao expressionismo, etc. Que alguns literatos tenham se chamado de criacionistas, não prova suficientemente a existência do criacionismo como movimento de vanguarda. Guilhermo de Torre, no respectivo capítulo, classifica prudentemente o criacionismo como uma “modalidade”, mas, como já vimos, considera-o na introdução do livro uma “das cinco tendências latinas vanguardistas mais representativas”. O criacionismo, por outro lado, em Literaturas Europeias de Vanguarda, se reduz como atividade literária as atitudes e trabalhos do poeta chileno Huidobro e do poeta francês Reverdy. Guilhermo de Torre trata ao meu ver com um pouco de negligência a este último. Encontro diferentemente, muito acertado seu juízo sobre o aporte de Herrera Reissig à formação de um novo estilo, bem como suas notas sobre a modernidade ou o vanguardismo das teorias estéticas de Oscar Wilde.


O livro de Guilhermo de Torre mostra uma preocupação exasperada da hora. O autor teme angustiadamente chegar atrasado. Jorge Luis Borges o reprova, com palavras agudas, deste “gesto irritante de tirar o relógio de vez em quando”. Borges escreve: “Seu pensamento traduzido ao meu idioma (com o risco óbvio de sofisticá-lo e alterá-lo) seria dito assim: Nós ultraístas somos os homens da sexta-feira; vocês rubenistas são os de quinta-feira e talvez os de quarta-feira, logo valemos mais que vocês... Ao que caberia replicar: E quando chega o sábado, onde se enquadra a sexta-feira?”


Acontece também a Torre o que a outros literatos vanguardistas. Mais que a novidade de espírito olha para a novidade de procedimento. O procedimento o obceca. No haver do ultraísmo anota, como uma aquisição capital, o gosto da metáfora, da imagem. Ainda que seja verdade que, páginas mais adiante, parece subscrever esta outra certeira observação de Jorge Luis Borges: “Creio que se equivocam os demasiadamente obstinados em pesquisas de imagens. O criacionismo que tal coisa prega é uma gaiola: uma caçada da phrase a effet [1] da engenhosidade, que é o maior perigo para escritores de origem espanhola como nós”.


O valor de uma tendência literária nunca é uma mera questão de técnica. Uma das vantagens mais evidentes do vanguardismo – especialmente em nossa literatura –, consiste na reação contra a retórica e contra a ênfase. Mas verdadeiramente repudia a verdade da retórica e da ênfase o escritor ou o poeta que chega à modernidade no espirito. Torre sabe bem disso, posto que escreve o seguinte sobre o expressionismo: “De todos os movimentos modernos de vanguarda é talvez o expressionismo o único que triunfou plenamente – até o ponto de que na pintura e no teatro, tem ao menos um acatamento oficial – logrando a imposição de seus módulos em todas suas ramificações estéticas: no romance com Leonard Frank e no teatro com Carl Sternheim e Kasimir Edschmid. Isso se deve precisamente a que, mais que um movimento, é uma tendência comum da época. É como eles dizem Zeitgeits einer Gesinnung [2], o espírito de um tempo. Não é um círculo limitado. Em rigor, toda a nova geração alemã é expressionista, não possui cânones carcerários nem chefes de prisão. O expressionismo reside antes numa certa atitude espiritual da consciência artística do mundo”.


Contudo, a principal insuficiência de Torre não é, aliás, nenhuma das apontadas. Parece que a encontro no esforço por considerar e examinar os fenômenos literários em si mesmos, independentemente de suas relações com os demais fenômenos históricos. Talvez se possa julgar assim uma individualidade, mas, de nenhum modo, um período. Guilhermo de Torre nos explica as teorias e as consequências literárias do futurismo, mas não nos explica suas causas nem suas raízes espirituais e é impossível entender realmente o futurismo sem uma noção mais ou menos completa de sua morfologia. Por isso, pode-se aprender sobre o futurismo mais na crítica de um político do que na crítica de um literato.


A respeito do futurismo escreve Giuseppe Prezzolini: “É curioso, à primeira vista, que não tenha nascido na América. Mas na Itália é fruto de uma reação. É o ‘alto’ gritado à tradição, à Arqueologia, a Veneza com o clarão da lua, ao dantismo, ao voltar-se sempre atrás dos italianos. Uma reação tanto mais furiosa, quanto mais poderosos eram os hábitos, maiores os homens, mais profundas as tradições”. Prezzolini aponta fatos muito certeiros. Mas a visão de Trotsky, por exemplo, descobre fatos superiores. “Os países – diz em seu livro Literatura e Revolução – que ficaram atrasados, mas que dispõe de certo grau de cultura intelectual, refletem em suas ideologias mais clara e poderosamente que outros as conquistas dos países mais avançados. Por isso mesmo tem refletido no pensamento alemão dos séculos XVIII e XIX as conquistas econômicas dos ingleses e as políticas dos franceses. Pelo mesmo fato não é na América nem na Alemanha onde o futurismo encontrou sua expressão mais essencial, mas na Itália e na Rússia. O poema que exalta arranha-céus, dirigíveis e submarinos pode ser escrito em um papel ruim e com um pedaço de lápis em qualquer aldeia do governo de Rjasan e para que a fria fantasia se exalte em Rjasan basta que existam na América arranha-céus, dirigíveis e submarinos”.


Um crítico exclusivamente literário como Guillermo de Torre nos passeia pela superfície do futurismo, mas não nos ensina seu subsolo nem nos instrui sobre toda sua transcendência. O seu estudo do futurismo não nos diz, pelo menos, o que é a moderna literatura italiana. Todo o moderno não está, evidentemente, nas Literaturas de Vanguarda Europeias. Na obra de Pirandello existem mais elementos essenciais da modernidade que em toda a produção futurista. Torre declara sua admiração por Pirandello, que com Giovanni Papini e Ardengo Soffici forma, em seu conceito, o trinômio italiano de valores mais interessantes de hoje. Não me sinto muito distante da opinião de Torre sobre este trinômio, ainda que desconfie um pouco destas tríades ou triângulos em que a crítica gosta as vezes de concentrar uma época. Contudo, penso que somente o relativismo e o suprarrealismo de Pirandello – por que não classificar Pirandello como um supra-realista? – contêm mais modernidade que todas as invenções literárias de Marinetti e seus seguidores.


Todas estas coisas não impedem que o livro de Guilhermo de Torre me pareça o melhor e o único veículo disponível para uma excursão por todas as escolas de vanguarda. Torre é um guia inteligente, seus juízos sobre o “sentimento cósmico e fraterno nos poetas dos cinco continentes”, são uma análise penetrante. O livro está semeado de preciosas observações. Seria um grande erro acreditar em algo como baedeeker[3] da literatura de moda.



Escrito por José Carlos Mariátegui


Publicado em Variedades: Lima. 28 de novembro de 1925.


Traduzido pela Equipe de Traduções Nova Cultura


NOTAS

[1] Frase eficaz.

[2] O espírito do tempo, a única maneira de pensar (Trad. Literal).

[3] Guia turístico.


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