Prestes, o Partido Comunista e a união nacional
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Para a reconstrução do Partido Comunista do Brasil sobre uma base justa – marxista-leninista – se faz indispensável o estudo e a compreensão adequada da experiência histórica do movimento revolucionário do povo brasileiro na sua luta contra o fascismo, o latifúndio e o imperialismo.
O estudo da história do Partido Comunista em nossa terra tem um papel central para a realização exitosa dessa tarefa.
A importância de Luiz Carlos Prestes nessa história é inegável, porém, a análise da sua trajetória deve ser feita de maneira objetiva, o que quer dizer; materialista.
Ele esteve a frente do Partido Comunista durante 35 anos, durante os quais se verificaram os acontecimentos mais importantes da história do movimento comunista no Brasil, aqueles cujo estudo têm a maior relevância para se compreender o atual estado de coisas entre os comunistas em nosso país; a liquidação do Partido revolucionário perante o revisionismo moderno.
Permanecemos da mesma opinião sobre seu papel nesse período.
Após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Prestes lidera no interior do PC do Brasil a ala revisionista de direita que iria liquidar o Partido o transformando no novo PC brasileiro. Após a liquidação da ala ultra revisionista de Agildo Barata e do afastamento de uma série de dirigentes dos órgãos centrais de direção do Partido, a declaração de março de 1958 marca a virada para o revisionismo. A direção do Partido adota a orientação oportunista da via pacífica, o objetivo estratégico da revolução nacional-democrática é substituído pela formação de um governo nacionalista e democrático, a política do Partido se torna nos anos seguintes abertamente de direita. Idealiza-se o desenvolvimento do capitalismo, como o elemento mais progressista da realidade brasileira, sem se ter em conta o papel que o capital estrangeiro jogava nesse desenvolvimento. A postura quanto à administração de Juscelino Kubitschek é acrítica, limitando-se a tática de pleitear a retirada desse ou daquele ministro tido por reacionário. O estudo do marxismo-leninismo é substituído pelo seguidismo perante o nacional-desenvolvimentismo da burguesia brasileira.
Permanece, porém, a necessidade de esclarecer o papel de L. C. Prestes durante os anos anteriores. No estudo dessa política é necessário evitar dois equívocos fundamentais; em primeiro lugar, o prestar reverência a toda política seguida pelo partido naqueles anos, o que obstrui a tarefa de analisar detidamente a luta contra o oportunismo no interior do Partido. Quando um Partido Comunista adota uma linha política sã, marxista-leninista, sua atividade é no geral correta. Porém, ela não pode ser idealizada. Uma atitude correta por parte de um partido dessa natureza pressupõe a união das verdades universais do marxismo-leninismo a realidade concreta da revolução em seu próprio país. Nesse sentido, ela só pode ser construída no próprio movimento real da luta revolucionária, no qual são inevitáveis experimentações práticas compostas de acertos e erros, que devem ser estudadas com atenção, senão se quer ver a orientação degenerar. Em segundo lugar, a condenação completa daquela política, sem ter em conta o que nela teve de acertado. Buscando sempre antever a continuidade entre aquela política justa anterior e a orientação revisionista em que desaguou posteriormente. Sabemos que entre 1943-1958, por mais que possa ter cometido erros, o PC do Brasil foi uma organização marxista e leninista. A negação de toda a sua linha política equivaleria ao esquerdismo e a adoção das posições do trotskismo.
Neste artigo nos limitaremos a estudar os problemas referentes à política de união nacional contra o fascismo, adotada pelo Partido Comunista do Brasil, entre os anos de 1941-43 a 1947. Mais especificamente o papel de Prestes na elaboração e aplicação dessa linha.
Para isso nos valeremos da análise de seu livro Problemas atuais da democracia, publicado, em 1947, no Rio de Janeiro.
A união nacional contra o nazismo e alguns desvios de direita
Os anos de 1935-1945 são anos de intensa luta contra o fascismo no Brasil. O perigo do fascismo encontrava-se principalmente no crescimento da recém-fundada Ação Integralista; na influência dos integralistas em uma série de instituições da república, principalmente em suas forças armadas, onde eram proeminentes; na aproximação gradual com o presidente Getúlio Vargas a quem prestavam apoio.
Já em 1934, a I Conferência Nacional do PC do Brasil corrige os seus erros esquerdistas do começo da década e adota a política de frente única contra o fascismo. A radicalização da luta política leva a uma série de choques, inclusive armados, entre fascistas e comunistas.
A formação da Aliança Nacional Libertadora é um marco da luta antifascista no Brasil. Um poderoso movimento de massas, democrático e anti-imperialista, no qual toma parte ativa e decisiva o Partido Comunista. Em meados de 1935 a ANL é colocada na ilegalidade pelo governo, que inicia uma deriva perigosa para a fascistização. Após a derrota da insurreição nacional-libertadora de novembro daquele ano se inicia uma nefasta reação no país, com a instituição do Estado de Guerra em plena paz e instauração do Tribunal de Segurança Nacional que condena os melhores democratas e antifascistas do nosso povo. O Partido Comunista é o alvo central dessa ofensiva repressiva.
Em 10 de novembro de 1937, após breve período de abertura, é desencadeado o golpe de Estado Novo que liquida as últimas liberdades democráticas.
Em maio de 1938, após um putsch palaciano comandado pelos integralistas, a Ação Integralista é varrida. O regime de Estado Novo não pode ser assim qualificado, do nosso ponto de vista, como puramente fascista. Se bem que em seu meio tenha contado com a participação de muitos fascistas, inclusive elementos abertamente nazistas e pró-alemães, como Filinto Muller, Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, verdadeiros carrascos do povo brasileiro. Ele foi uma ditadura reacionária latino-americana, hegemonizada pelos elementos da ala direita da burguesia nacional, que têm como lema “Devemos erguer o punho esquerdo para abater o imperialismo e o punho direito para abater o Partido Comunista”.
Durante a repressão ao putsch integralista de 1938, Prestes se posicionou favoravelmente ao governo, na luta contra o integralismo. Nesse momento ele afirma que, para lutar contra a ameaça do fascismo estava disposto a “apoiar até o próprio Getúlio”[1]. Julgamos que Prestes esteve com a razão nesse momento. Ele soube apreciar corretamente o momento político.
Durante os anos 1930 ergueu-se a ameaça fascista sobre a Europa e o mundo. Em 1931, na China, se iniciava a ofensiva do Japão militarista. Em 1935, Mussolini inicia a agressão dos exércitos fascistas contra o povo da Etiópia. Em 1936, Hitler e Mussolini iniciam juntos sua agressão contra o povo republicano espanhol, com a ajuda da política de não-intervenção dos Estados ocidentais a Europa: Inglaterra e França. Em 1937, os militaristas japoneses estendem sua agressão contra a maioria do território chinês.
Com os acordos de Munique, de 1938, entre Alemanha, Inglaterra e França, contra o povo da Checoslováquia, ficava claro que uma nova conflagração mundial era inevitável e que nela as potências capitalistas ocidentais empurrariam Hitler contra os povos da União Soviética. A política de luta contra o nazismo se tornava a questão principal para o proletariado internacional.
Prestes compreendeu esse momento histórico. Ele sabia da situação especial do Brasil. Era fundamental a ruptura do Brasil com a Alemanha para deter o crescimento da influência nazista sobre o continente latino-americano. Hitler não se resignaria a aceitar isso sem uma agressão militar contra o Brasil – o que se confirmou em 1942. Era preciso travar a guerra contra o nazismo. Nas condições do Brasil, para travar qualquer guerra na Europa era necessário a união nacional em torno do governo Vargas.
A política de união nacional correspondia a essa necessidade histórica. Ela foi adotada tanto por Prestes, na cadeia, quando pelas forças comunistas que reorganizaram ao redor do CNOP (Comissão Nacional de Organização Provisória) os órgãos centrais do PC do Brasil.
Foi uma política no geral acertada. Cremos, porém, que em sua aplicação prática se verificaram uma série de erros e desvios de direita. Vejamos o seu desenvolvimento e analisemos o papel de Prestes nele.
Na II Conferência Nacional, em 1943, ficou estabelecida a política de união nacional com o governo contra o nazismo. Nessa conferência se adotou a palavra de ordem de “apoio irrestrito ao governo”. Essa foi uma palavra de ordem equivocada. O governo Vargas efetivamente guinava ao antifascismo, já 1941, se aproximando dos países aliados e, em janeiro de 1942, rompendo relações com os governos do eixo. Em 1944, nossas forças expedicionárias combateriam na Itália, contando com o concurso de muitos comunistas. Porém, a união nacional com o governo contra o fascismo seria facilitada e fortalecida, se Vargas tivesse realizado efetivas políticas de democratização. A política do PC do Brasil nesse período não tomou uma orientação coerente de defesa da democratização interna – óbvio que se se queria uma unidade com o governo a crítica deveria ter um tom adequado, mas ela simplesmente não foi conduzida, nem mesmo amigavelmente.
É verdade que a direção eleita em 1943 era composta em sua maioria de militantes jovens. Quase todos eles haviam ingressado no Partido há menos de uma década, principalmente depois dos acontecimentos de novembro de 1935. Haviam, portanto, passado pelo batismo de sangue das duras repressões anticomunistas de 1936 e 1939-1940, mas eram inexperientes na atividade de formulação política, pelo que os desvios de direita se justificam.
Prestes, o dirigente político mais experiente de então – eleito secretário-geral naquela conferência – estava na cadeia, e não poderia participar na formulação da política do Partido, senão indiretamente.
Analisando seus escritos da prisão, vê-se que ele avaliou bem a questão da democracia para a união nacional.
Em 21 de agosto de 1942, logo após o ataque de Hitler a nossa navegação de cabotagem, escreveu um telegrama a La Razón, de Montevidéu: "é necessário abrir as prisões onde se encontram os mais consequentes lutadores antifascistas, porque só assim, consolidada a união nacional, será possível esmagar a quinta-coluna e desmascarar os agentes do inimigo que se escondem nas posições mais elevadas do aparelho estatal. Convém ainda não esquecer o que há de trágico no atraso industrial dos países sul-americanos e que, nestas condições, não hão de ser pequenos exércitos mal armados e precariamente municiados as principais armas de defesa, mas a vontade inquebrantável das massas populares – homens, mulheres e crianças, livre e espontaneamente mobilizados para a luta de morte até o total esmagamento do nazismo no mundo inteiro".
“Os povos da América só exigem liberdade para participar com consciência e orgulho da luta mundial pelo progresso.”[2]
Nos últimos meses de 1943, ele se queixava da “(...) incapacidade dos aliancistas de unir e organizar suas forças a fim de mobilizar as massas em apoio da política de guerra do governo e para que exijam a prática da democracia no país.”[3]
E definia as tarefas políticas dos comunistas e antifascistas como: “Aproveitar todas as oportunidades, com coragem e audácia, para exigir do governo: 1) a imediata revogação de todas as leis (inclusive artigos constitucionais) que impedem ou limitam as liberdades populares: liberdade de pensamento, palavra e imprensa, liberdade de reunião, liberdade de organização, liberdade de opiniões políticas, liberdade para os partidos políticos etc.; 2) anistia para todos os presos políticos, com exceção naturalmente dos espiões e quinta-colunistas comprovados; 3) medidas práticas imediatas, eficientes contra a carestia da vida, contra a fome, a miséria, as doenças, etc.”[4]
Definindo, em abril de 1944, o programa da união nacional-democrática, escrevia: “Aconselhar ordem e disciplina e fazer esforços honestos nesse sentido, dentro da mais ampla liberdade assegurada pelo Governo.”[5]
Em maio do mesmo ano: “(...) nada poderá ser mais desastroso para o país do que chegarmos à vitória sobre o nazismo sem que previamente se tenha dado modificações substanciais no regime de opressão em que ainda nos encontramos. Com a vitória virá abaixo o último escudo que protege a reação governamental, que só se sustentará então pelo emprego da força em suas formas mais terríveis e devastadoras. Mas, derrotado o nazismo, onde encontrará o Governo tais forças, como organizá-las no país, quando os nossos soldados voltam do convívio com as massas populares europeias livres e democráticas? O caos será inevitável e as insurreições mais desastradas e perigosas se sucederão ameaçando a própria independência nacional.
“Ao contrário, se a democracia for restabelecida durante a guerra, a união nacional em torno do Governo permitirá uma transição dentro da lei e da ordem até a constitucionalização definitiva do país. Com a derrota do nazismo o governo de guerra e de união nacional será então para o povo um governo vitorioso, contando com o apoio espontâneo e livre das grandes massas trabalhadoras que na defesa de suas conquistas democráticas serão as mais interessadas em sustenta-lo para que se faça em ordem a reconstitucionalização do país. Depois da terrível longa noite fascista e de tantos anos de guerra, de dor e de miséria, os povos querem paz e ao proletariado mais adiantado e consciente, aos comunistas numa palavra, o que convém é a consolidação definitiva das conquistas democráticas sob um regime republicano, progressista e popular.”[6]
É importante reconhecer tudo isso, pois é uma questão em torno da qual a burguesia faz uma terrível propaganda anticomunista, tentando criar confusão entre as massas populares sobre quem são seus verdadeiros amigos e confundi-los sobre a orientação política justa a seguir. Nisso contam com o apoio dos trotskistas, cuja corja de intelectuais ao serviço do imperialismo mente, tentando apresentar os comunistas como apologistas do Estado Novo. Afirmam alguns, criminosamente, sem o menor vestígio de evidências, que os melhores elementos do Partido comunista, responsáveis por sua reorganização nos anos 1940, estavam a soldo da policia política de Getúlio Vargas. Isso é uma mentira, a verdade é que foram os trotskistas, que se opondo a política consequente de união nacional contra o fascismo, em todos os países onde atuaram, se converteram objetivamente nos maiores colaboradores, remunerados ou não, do nazismo; ajudando a dividir os povos que combatiam a besta-fera hitlerista.
O fim da guerra, a liquidação do fascismo e a quinta-coluna
Outra estratégia utilizada por eles para mentir e distorcer a justa política marxista-leninista de união nacional dos comunistas naqueles anos foi a acusação de que os comunistas teriam aderido ao “queremismo”. Essa é uma acusação mentirosa.
Após a anistia aos presos políticos e a legalização do Partido Comunista do Brasil, este realiza uma autocrítica dos desvios de direita verificados na aplicação da linha justa de união nacional.
Na primeira seção plenária do Comitê Nacional a se reunir na legalidade, em agosto de 1945, Prestes afirma: “acertando no fundamental, não soube no entanto a Conferência assinalar que a luta pela guerra era inseparável da luta pela democracia no país, e, adotando, de maneira um tanto esquemática a política de apoio ao Governo, não soube mostrar ao Partido e ao próprio Governo o quanto seria este reforçado e o quanto seria mais sólida a União Nacional, à medida que fossem dados passos no sentido da democracia, especialmente com a libertação dos preses políticos e a suspensão da censura à imprensa e restrições às liberdades civis. É verdade que as difíceis circunstâncias da época, a própria ilegalidade a que estávamos reduzidos sob a vigilância brutal de uma polícia ainda reacionária e de um Departamento de Propaganda em que predominavam os agentes da quinta-coluna, reduziam a quase nada as poucas possibilidades existentes para qualquer luta pela democracia no país, mas a leitura do que escrevemos naquela época em publicações legais mostra que muito mais poderíamos haver dito, porque, ao alertar o povo contra as manobras divisionistas dos que só sabiam atacar o Governo, seria igualmente possível mostrar o quanto se reforçaria a União Nacional com a prática da democracia e a liberdade dos presos políticos. Isto no entanto, não foi feito. Basta ler a coleção da revista ‘Continental’, onde se fala em União Nacional, apoio ao Governo e ‘pacificação da família brasileira’, mas isto, unicamente no sentido unilateral de aceitar sem ódios e ressentimentos a ação governamental e nada pedir pelos presos políticos. ‘É preciso não esquecer que a União Nacional é, pela sua própria essência, um movimento de pacificação da família brasileira’, escrevia ‘Continental’ de Março de 1944 (Nº 7, pág. 27), mas o conselho era unilateralmente dirigido aos patriotas para que se unissem aos governantes e nenhuma palavra se escrevia a favor dos que sofriam nas mãos do Governo nem se mostrava a este o quanto se reforçaria com a prática da democracia. Era justíssimo tudo subordinar ao esforço de guerra, salientar o que era fundamental no momento (‘Continental’, Nº 6, pág. 14), mas simultaneamente seria necessário ajudar os elementos democráticos do Governo a se desfazerem dos reacionários e fascistas que o comprometiam, pela crítica construtiva e serena dos erros do Governo, visando sempre o seu reforçamento por maior apoio popular, só possível com a prática da democracia no país e a liberdade dos presos políticos. Esses erros secundários na aplicação prática de uma linha política justa no fundamental, serviram e ainda servem, de pretexto aos nossos adversários e a todos aqueles que vacilavam quanto ao cumprimento do dever patriótico de apoiar o Governo em guerra contra o nazismo, pretexto para a luta que sustentaram, e muitos ainda sustentam, contra o nosso Partido e seus dirigentes, logo acusados de oportunistas e policiais, de instrumentos da ditadura, etc. Como sempre acontece, nossos erros secundários eram utilizados para encobrir e justificar a atitude criminosa dos que se negavam a apoiar o Governo em guerra e tudo faziam para impedir a unidade nacional do nosso povo. Consciente ou inconsciente, não importa, serviam os que assim procediam de instrumento à reação fascista e quinta-colunista. Hoje se acham ao lado do ‘Correio da Manhã’, em combate aberto ao nosso Partido e à democracia em nossa terra.”[7]
Com o esmagamento do nazi-fascismo na Europa e do militarismo japonês na Ásia, o Brasil também inicia um processos de abertura no caminho da democracia. Vargas, atendendo ao avanço do movimento popular, concede anistia política, as liberdades democráticas fundamentais são restituídas e o Partido Comunista legalizado.
Como resposta a essa política, um amplo movimento popular agita a bandeira da continuidade de Getúlio na presidência da república. É o chamado queremismo.
Por outro lado, os setores mais reacionários das forças armadas, aqueles que haviam colaborado abertamente com a Alemanha e com a Gestapo, nomeadamente Góis Monteiro e Gaspar Dutra, articulam-se com a embaixada americana no Brasil, e com o apoio do embaixador Adolf Berle Jr preparam-se para empreender um golpe de Estado.
A política do Partido Comunista do Brasil foi justa e prudente.
Aquela altura Prestes afirmava: “O fascismo corrompeu e envenenou o mundo inteiro – seus restos meio mortos, meio vivos, são ainda perigosos e precisam ser removidos, arrancados de raiz. Está em nossas mãos esta obra – a liquidação moral e política, definitiva e completa da grande peste.”[8]
E avançava o programa tático a ser adotado: “Esta a nossa posição política, a linha política de nosso Partido – unificação nacional para iniciar a solução dos graves problemas econômicos e sociais e chegarmos, de maneira pacífica, através de eleições livres e honestas, à Assembleia Constituinte e à reconstitucionalização democrática que todos almejamos.”[9]
Essas palavras sintetizavam a linha política adotada a partir de então, pela Comissão Nacional do Partido Comunista do Brasil, a defesa da formação de uma Assembleia Nacional Constituinte, realmente soberana, para conduzir a plena reconstitucionalização do país.
Seguindo essa linha o partido tinha em vista principalmente dois elementos. Em primeiro lugar, os restos podres do fascismo continuavam ativos em nossa terra e, como em muitos países do mundo, eram rearticulados pelo imperialismo norte-americano para realizar a manutenção da antiga ordem contra o movimento popular antifascista que se tinha erguido em todo mundo durante os anos da segunda grande guerra mundial. Qualquer medida destemperada poderia servir de pretexto para o fascismo reerguer a cabeça e direcionar o país para a reação, sob o pretexto de garantir a ordem.
“O remédio não está, evidentemente, na guerra civil nem nos golpes salvadores.”[10] Advertia Prestes, contra as forças de esquerda, que agitando a deposição imediata de Vargas, criavam o clima favorável ao golpe de mão preparado pela reação contra o Governo.
Em segundo lugar, o Partido tinha no devido valor, o fato que qualquer substituição na presidência simplesmente levaria ao poder um novo presidente, com os mesmos poderes ditatoriais concedidos ao executivo pela carta de 1937. Era preciso, portanto, primeiro convocar uma Assembleia com soberania efetiva.
Depois do golpe de Estado de 29 de outubro de 1945, o Partido soube valorar corretamente o acontecimento: “É evidente que o golpe militar aparentemente dirigido contra o Sr. Getúlio Vargas e seu governo foi de fato desfechado contra o povo e a democracia, contra o proletariado e suas organizações e antes de tudo contra o Partido da classe operária e seus dirigentes. Este o verdadeiro e mais profundo sentido do último pronunciamento militar....”[11]
De fato, o golpe de 1945, que levou ao derrubamento de Vargas, visava, sobretudo, deter o crescimento do movimento popular, enfraquecer os comunistas e evitar que esses se tornassem uma força preponderante. 200 tanques blindados desfilaram com seus canhões apontados para a sede nacional do Partido durante o golpe e os escritórios do Partido e de seu jornal foram pilhados. Em poucos meses de legalidade, no ano de 1945, o Partido Comunista do Brasil passou de um pequeno grupamento de 4 mil homens, para um partido em crescimento avassalador, que rapidamente alcançaria os 100 mil membros e conquistaria 600 mil votos na primeira eleição democrática depois do Estado Novo. O golpe de outubro impediu que a reabertura democrática do pós-guerra ganhasse cores populares, não concedendo a liberdade sindical. Já as manifestações do 1º de maio de 1946 são violentamente reprimidas pelo braço armado da Delegacia de Ordem Política e Social e nos anos posteriores o governo do nazista Dutra procederia a intervenção ministerial sistemática contra as direções sindicais comunistas ou combativas.
Os desdobramentos posteriores ao golpe, também confirmaram a justeza da linha política de ordem e tranquilidade, adotado naquele momento pelo Comitê Nacional do PC do Brasil, para fazer fracassar as provocações guerreiras dos agentes fascistas. “(...) cumprimos o nosso dever de revolucionários, desmascarando os falsos democratas e correspondendo com inteireza e coragem cívica à confiança com que nos honrara o nosso povo, ao seguir nossos conselhos de ordem e tranquilidade e ao defender-se com firmeza e serenidade dos provocadores que pretendiam criar as condições necessárias ao banho de sangue desejado pelos fascistas e à implantação da ditadura militar projetada. O golpe militar fracassou, por isso, em seus objetivos principais, mas serviu para confirmar a justeza da linha política do Partido e para mostrar de que lado estão nos dias de hoje os setores sociais interessados na desordem e na guerra civil. Os fascistas, os reacionários, os que nos chamam de ‘desordeiros’ e ‘revoltosos’, são os que agora desejam a desordem e mais tremem ante a atitude ordeira e serena dos comunistas.”[12]