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"Marxismo e a emancipação da mulher"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

O Marxismo, a ideologia da classe operária, concebe o ser humano como um conjunto de relações sociais que mudam como uma função do processo social. Então, o Marxismo é absolutamente oposto a tese da “natureza humana” como uma realidade eterna e imutável fora das condições sociais; essa tese pertence ao idealismo e a reação. A posição Marxista também implica a superação do materialismo mecânico (dos velhos materialistas, antes de Marx e Engels) que eram incapazes de entender o caráter social do ser humano como o transformador da realidade, então irracionalmente tinha que contar com condições metafísicas ou espirituais, como no caso de Feuerbach.

Ao passo que o Marxismo considera o ser humano como uma realidade concreta gerada historicamente pela sociedade, ele não aceita também a tese da “natureza feminina,” o que não passa de um complemento da dita “natureza humana” e portanto uma reiteração que as mulheres têm uma natureza eterna e imutável; agravada, como vimos, porque o que o idealismo e a reação entendem por “natureza feminina” é uma “natureza deficiente e inferior” comparada a dos homens.

Para o Marxismo, as mulheres, tanto quanto os homens, são um conjunto de relações sociais, historicamente adaptadas e mutáveis como uma função das mudanças da sociedade no seu processo de desenvolvimento. As mulheres então são um produto social, e sua transformação demanda a transformação da sociedade.

Quando o Marxismo foca na questão da mulher, portanto, ele o faz de um ponto de vista materialista e dialético, de uma concepção científica que permite de fato um entendimento completo. No estudo, pesquisa e entendimento das mulheres e suas condições, o Marxismo trata a questão da mulher com respeito a propriedade, família e o Estado, porque através da história a condição e lugar histórico da mulher é intimamente ligado à esses três fatores.

Um exemplo extraordinário de análise concreta da questão da mulher, desse ponto de vista, é visto em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, por F. Engels, que, apontando para a substituição do direito materno pelo direito paterno como o começo da submissão da mulher, escreveu:

“Dessa forma, pois, as riquezas, á medida que iam aumentando, davam, por um lado, ao homem uma posição mais importante que a da mulher na família, e, por outro lado, faziam com que nascesse nele a idéia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida. [...]Tal revolução. - uma das mais profundas que a humanidade já conheceu - não teve necessidade de tocar em nenhum dos membros vivos da gens. Todos os membros da gens puderam continuar sendo o que até então haviam sido. Bastou decidir simplesmente que, de futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na gens, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela, passando à gens de seu pai. Assim, foram abolidos a filiação feminina e o direito hereditário materno, sendo substituídos pela filiação masculina e o direito hereditário paterno. Não sabemos a respeito de como e quando se produziu essa revolução entre os povos cultos, pois isso remonta aos tempos pré-históricos. [...] O DESMORONAMENTO DO DIREITO MATERNO, A GRANDE DERROTA HISTÓRICA DO SEXO FEMININO EM TODO O MUNDO. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução.” (Ênfase da autora) [1]

Este parágrado de Engels estabelece a tese fundamental do Marxismo sobre a questão da mulher: a condição da mulher é sustentada nas relações de propriedade, na forma de propriedade exercida sob os meios de produção e as relações produtivas emanando deles. Essa tese do Marxismo é extremamente importante porque ela estabelece que a opressão adjunta a condição feminina tem como suas raízes a formação, aparecimento e desenvolvimento do direito a propriedade dos meios de produção, e portanto que sua emancipação está ligada à destruição do mesmo. É indispensável, para se ter um entendimento marxista da questão da mulher, começar dessa grande tese, e mais do que nunca hoje quando supostos revolucionários e até mesmo autoproclamados marxistas fingem que a opressão feminina surge não da formação e aparecimento da propriedade privada mas da divisão simples do trabalho como uma função do sexo que atribuiu tarefas menos importantes para as mulheres em comparação com as dos homens, reduzindo-as a esfera doméstica. Essa proposta, apesar de toda propaganda e esforços para apresentá-la como revolucionária, é só a substituição da posição marxista emancipação da mulher, com propostas burguesas as quais em essência não passam de variações da suposta “natureza feminina” imutável.

Desenvolvendo esse ponto de partida materialista dialético, Engels ensina como sob essa base a família monogâmica foi instituida, sobre a qual ele fala: “Foi a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente.” E: “A monogamia não aparece na história, portanto, absolutamente, como uma reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário, ELA SURGE SOB A FORMA DE ESCRAVIZAÇÃO DE UM SEXO PELO OUTRO, como proclamação de um conflito entre os sexos, ignorado, até então, na pré-história.” (Ênfase da autora.) [2]

Após estabelecer que a propriedade privada sustenta a forma monogâmica de família, a qual sanciona a opressão das mulheres, Engels estabelece a correspondência entre três formas fundamentais de casamento com três grandes estágios da evolução humana: selvageria e casamento por grupos; barbarismo e casamento sindiásmico; civilização e monogamia, “com seus complementos: o adultério e a prostituição.”[3] Dessa forma os clássicos marxistas desenvolveram a tese sobre a condição social históricamente variável da mulher e seu lugar na sociedade; apontando para como a condição feminina está intimamente ligada com a propriedade privada, a família e o Estado, que é o aparato que legaliza tais relações e as impõe e sustenta pela força.

Essa proposta científica sistematizada por Engels é um produto da análise marxista da condição das mulheres através da história, e o mais elementar estudo corrobora a precisão e a atualidade dessas propostas, que são a fundação e o ponto de partida da classe operária para o entendimento da questão da mulher. Façamos uma recontagem histórica nos permitindo ilustrar o que Engels e os clássicos mostraram.

Na comunidade primitiva, com uma divisão natural do trabalho baseada na idade e no sexo, homens e mulheres desenvolveram suas vidas numa igualdade espontânea e a participação das mulheres nas decisões do grupo social; mais tarde as mulheres estavam envoltas com respeito e consideração, um tratamento diferencial e até mesmo privilegiado. Uma vez que as riquezas começaram a crescer, o que elevou a posição do homem na família, levando à frente a substituição do direito paterno pelo direito materno, as mulheres começaram a passar para o plano de fundo e sua posição deteriorou; ecos disso alcançaram os tempos da grande dramaturgo grego Ésquilo, que em seu trabalho As Eumênides, escreveu “Aquele que se costuma chamar de filho não é gerado pela mãe - ela somente é a nutriz do germe nela semeado -; de fato, o criador é o homem que a fecunda; ela, como uma estranha, apenas salvaguarda o nascituro quando os deuses não o atingem.”

Assim sendo, na sociedade escravista grega a condição das mulheres é aquela de submissão, inferioridade social e objeto de desprezo. Um deles disse: “Para o escravo falta completamente a liberdade de deliberar; a mulher a tem porém de maneira fraca e ineficiente” (Aristóteles); “A melhor mulher é aquela cuja os homens falam menos” (Péricles); e a resposta do marido que investiga assuntos públicos “não é coisa sua. Cale-se se não quer que eu te bata... Continue a tecer” (Aristófanes e Lisístrata) Que realidade é vinculada por essas palavras? As mulheres na Grécia eram mantidas como um menor eterno; sob o poder de seu tutor, seja o pai, marido, o herdeiro do marido ou o Estado, suas vidas eram mantidas em constante tutelagem. Elas recebiam um dote de casamento para que tivessem algo para viver e não passar fome, e em alguns casos eram autorizadas a se divorciar; para o resto, elas eram reduzidas pela misoginia em casa e na sociedade sob controle de autoridades especiais. Mulheres podiam herdar quando não havia nenhum herdeiro homem direto, neste caso ela tinha que casar com o parente mais velho dentro da gens paternal; dessa maneira ela não herdaria diretamente mas seria uma mera transferente de herança; tudo para proteger a propriedade da família.

A condição das mulheres em Roma, também uma sociedade escravista, permite um melhor entendimento de tal condição como derivada da propriedade, da família e do Estado. Depois do reino de Tarquínio e uma vez que o direito patriarcal foi estabelecido, a propriedade privada e portanto a família (gens), se tornou a base da sociedade: as mulheres continuarão sujeitas ao patrimônio e a família. Ela foi exluída de todo “trabalho viril,” e nos assuntos públicos ela era “uma menor civil”; ela não é negada diretamente da herança, mas é sujeita a tutela. Sobre esse ponto disse Gaio, o jurista romano: “A tutelagem foi estabelecida sob os interesses dos próprios tutores, de modo que a mulher de quem eles são supostos herdeiros não pode arrancar sua herança desejada, nem empobrecê-la por alienação ou dívidas.” A raíz patrimonial da tutelagem imposta sob as mulheres foi portanto claramente exposta e estabelecida.

Após as Doze Tábuas, o fato de que as mulheres pertencem à gens paternal e à gens conjugal (também estritamente por razões de salvaguarda da propriedade) gerou conflitos os quais foram a base para o avanço da “emancipação legal.” O casamento sine manu aparece: os pertences dela permanecem dependentes de seus tutores e seu marido só adquire direitos sob sua pessoa, e sob tal o dividia com a “pater familias,” que retém uma autoridade absoluta sob sua filha. E o tribunal doméstico aparece, para resolver discrepâncias que possam surgir entre o pai e o marido; deste modo a mulher pode apelar para seu pai quanto a desentendimentos com seu marido, e vice versa: já não mais é questão do indivíduo.

Sob essa base econômica (sua participação na herança mesmo que tutorada), e o conflito entre os direitos da gens paternal e conjugal pela mulher e seus pertences, se desenvolve uma maior participação da mulher romana em sua sociedade, apesar das restri