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"Estabelecer o Poder Popular para servir às massas"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

Celebramos neste ano de 1974 o 10º aniversário do desencadeamento da nossa luta armada. Dez anos durante os quais inúmeros militantes e o Povo aceitaram toda a espécie de sacrifícios e todo o tipo de privações, dez anos a superar dificuldades e a provarmos que somos capazes de alcançar a vitória.


Começamos já a conhecer a vitória. Em regiões cada vez mais vastas da nossa Pátria o Povo já compara e diz “antes da Revolução” e “hoje”. O nosso Povo começa a saborear o fruto da sua luta.


Mas ao mesmo tempo todos estamos conscientes que a vitória final não é para amanhã e que um longo caminho ainda nos espera.


Qual a razão dos nossos sacrifícios? Porque motivo o inimigo se mostra tão intransigente e cruel? E porque razão, apesar da condenação de todos os homens justos no mundo, ele continua a encontrar os apoios e ajudas necessários para prosseguir os seus crimes?


Será que tudo isto tem lugar apenas porque queremos a nossa Independência?


Mas afinal em 1143 e em 1640 Portugal também lutou pela sua Independência. Os Estados Unidos que hoje apoiam o colonialismo português fizeram no século XVIII uma guerra para se libertarem do colonialismo britânico e serem independentes. A França e a Inglaterra que financiam e armam Portugal fascista e colonialista, lutaram ainda há poucos anos, de 1939 a 1945, contra o fascismo hitleriano, sofrendo grandes perdas e sacrifícios a fim de preservarem a independência nacional.


À volta de Moçambique encontramos muitos países independentes. Madagáscar que era colônia francesa, Tanzânia, Zâmbia, Malawi, Swazilândia, antigas colônias britânicas. E todos estes países tornaram-se independentes através de negociações entre a potência colonizadora e a colônia.


Por qual razão a Inglaterra e a França aceitaram reconhecer à maioria das suas colônias o direito à independência, e hoje apoiam uma guerra colonial?


Por que então dez anos de guerra colonial, dez anos de bombardeamentos, dez anos de massacres de populações, dez anos durante os quais a OTAN e os países ocidentais têm feito tudo para ajudar Portugal?


Nós dizemos frequentemente que no curso da luta a nossa grande vitória foi saber transformar a luta armada de libertação nacional em Revolução. Por outras palavras, o nosso objetivo final de luta não é içar uma bandeira diferente da portuguesa, fazer eleições mais ou menos honestas em que pretos e não os brancos são eleitos, ou ter no Palácio da Ponta Vermelha em Lourenço Marques um Presidente preto, em vez dum governador branco. Nós dizemos que o nosso objetivo é conquistar a independência completa, instalar um Poder Popular, construir uma Sociedade Nova sem exploração, para benefício de todos aqueles que se sentem moçambicanos.


É aqui que se encontra a explicação da guerra. Como um homem assaltado de piolhos é obrigado a mergulhar a roupa na água a ferver para liquidar os piolhos sem se interessar pela cor ou origem dos piolhos, nós fomos obrigados a aceitar mergulhar o nosso país no fogo da guerra para liquidar a exploração, qualquer que seja a sua origem ou cor dos seus agentes.


O que está em causa é, pois, o estabelecimento do Poder Popular que afirma a nossa independência e personalidade e liquida a exploração, o que implica a destruição do Poder dos exploradores que a fomenta.


É por isso mesmo que os países imperialistas que vivem da exploração vêm socorrer Portugal porque estão interessados em que a exploração continue.


Hoje, graças à nossa luta, um Poder novo constrói-se na nossa Pátria.


Dez anos de Poder da FRELIMO não é muito. Jovens que somos assumimos responsabilidades que esmagam os velhos. O Poder dos exploradores tem centenas e milhares de anos de experiência, enquanto o nosso Poder é jovem e ao mesmo tempo tem de resolver os problemas que o Poder milenar dos exploradores nunca conseguiu.


O Poder novo não é uma coisa abstrata. O Poder novo somos nós com todas as nossas insuficiências quem tem de o exercer.


De nenhuma nuvem vai descer o Homem Novo capaz de exercer o Poder novo.


A nossa responsabilidade é grande enquanto a nossa capacidade é ainda pequena. Mas temos uma grande vantagem que é decisiva: possuímos a linha de orientação correta, as massas estão conosco.


Mas ao construirmos o nosso Poder, ao exercê-lo, trazemos em nós, nas ideias, nos hábitos e nos costumes, todas as deformações criadas pelo Poder antigo.


Por isso continuamente temos que retificar os nossos métodos de trabalho, introduzir o bisturi da crítica e da autocrítica, para amputar a herança enorme, pesada e negativa que nos transmite a sociedade antiga.


Para este décimo aniversário que celebraremos em breve queremos analisar o nosso Poder, repensar a nossa atividade, estudar o que fizemos e o que resta para fazer e sobretudo corrigir as deformações.


Começaremos por estudar, na primeira parte, o que é o Poder, o que exprime e que valores incarna. Analisaremos a diferença que existe na origem, natureza, métodos e objetivos entre o Poder colonial capitalista e o Poder Popular construído sob a direção da FRELIMO.


Ao abordarmos esta questão crucial estaremos em condições de compreender a razão porque o conflito entre nós e o inimigo é de tal maneira antagônico que só a guerra o pode resolver. Com efeito, a edificação do Poder Popular que exprime a subida ao Poder duma nova classe, só é possível quando a classe anterior e o seu Poder são derrubados. E ao assumirmos esta noção que estamos em condições de verificar a impossibilidade de conciliar os nossos interesses com os do inimigo, através de pretensas autonomias ou de independências, que salvaguardam a essência do Estado colonial capitalista.


A natureza popular do Poder em vias de edificação implica uma democracia profunda e real, que nunca existiu na História da nossa Pátria.


Assim como o Poder, a Democracia não é uma coisa abstrata: para que ela se exerça e possua um conteúdo concreto é necessário que organizemos as condições para a sua materialização.


Por isso uma segunda parte é consagrada ao estudo da Democracia, nova experiência que pela primeira vez o nosso Povo vive.


Finalmente, porque nos nossos diversos centros o Poder Popular e Democrático já é exercido na prática, eles aparecem como laboratórios da nossa experiência e centros difusores da nossa linha e dos seus resultados práticos. Importa, pois, que precisemos como os nossos centros devem cumprir essa tarefa e quais os requisitos, indispensáveis para que levem a cabo a sua missão histórica.


1. O Poder dos Exploradores é para Oprimir o Povo. O Nosso Poder é o Poder do Povo


No processo do desenvolvimento histórico das sociedades, entre os homens foram forjadas diversas relações sociais.


Na aurora da Humanidade, quando se opera a transição dos símios em homens, os seres pré-humanos viviam em bandos errantes dominados pela preocupação de sobreviver. A totalidade do esforço era consumida imediatamente e frequentemente ela não conseguia satisfazer as necessidades básicas. Os seres pré-humanos alimentavam-se de raízes, frutos selvagens e cadáveres de animais.


Assim viveram durante centenas de milhares de anos os antepassados da Humanidade. A partir dum certo momento esses antepassados começam a utilizar ossos ou paus para escavarem as raízes, para caçar animais. Começam a utilizar instrumentos para produzirem a sua alimentação, a produção ainda que extremamente primitiva inicia-se, o símio dá lugar ao homem. A produção demarca o homem do animal e liberta o seu cérebro abrindo-lhe o caminho para o progresso.


Com o aparecimento da produção, numa primeira fase a colheita e caça, numa segunda fase a agricultura e a criação de gado, a Humanidade começa a desenvolver-se.


Surge a divisão do trabalho, o melhoramento dos instrumentos de produção e das técnicas de produção. Com isso o esforço produtivo do homem já consegue produzir mais do que aquilo que ele próprio necessita para subsistir. A produção cria um excedente.


O aparecimento de excedentes na produção fornece a base material, as condições objetivas para que surjam no seio da sociedade forças que procuram apropriar-se desses excedentes em detrimento dos que produziram.


A sociedade divide-se em classes opostas, com interesses diferentes: uns querem apropriar-se do fruto do trabalho dos outros, enquanto estes últimos recusam. As relações humanas que até aquele momento eram de cooperação tornam-se relações de luta entre exploradores e explorados.


É claro que todo este processo levou centenas de milhares de anos, não foi do dia para a noite que surgiram interesses opostos, classes antagônicas. Mas o fundamental é o processo.



Desde que na sociedade apareceram interesses diferentes e antagônicos, a questão do “Poder”, o problema de saber quem deve decidir, que critérios usar para decidir em favor de quem, tornou-se uma questão fundamental no seio da sociedade.


Um grupo determinado só poderá impor os seus interesses e fazer triunfar os seus objetivos, se possuir o controle da sociedade, por outras palavras se dirigir essa sociedade.


Dirigir a sociedade significa organizar a sociedade para servir os interesses do grupo dirigente, impor a vontade deste grupo a todos os outros grupos, quer estejam de acordo ou não. Com o correr do tempo o grupo dirigente leva os outros grupos a considerarem a sua dominação como a melhor, a mais justa e a mais sábia, a que corresponde aos interesses de todos.


Isto é assim até ao momento em que as novas forças no seio da sociedade tomam consciência dos seus interesses prejudicados pelo grupo dirigente, unem-se, lutam, derrubam o poder anterior e instalam o seu novo poder, reorganizando a sociedade para satisfazer os seus apetites.


Até a uma época recente da História da Humanidade, foram as diversas classes exploradoras — senhores de escravos, feudais, burgueses — quem sucessivamente dominou a sociedade e a organizou política, econômica, ideológica, cultural, administrativa e juridicamente em seu favor.


Assim foi porque as largas massas exploradas nem tinham a suficiente consciência de classe que as unisse, nem possuíam a ideologia capaz de lhes dar a visão do conjunto dos seus interesses e capaz de lhes fornecer a estratégia e tática de luta adequadas para a conquista e exercício do poder.


Historicamente, a primeira vez que as largas massas exploradas, após várias tentativas fracassadas, conquistaram e exerceram o Poder, foi em 1870 em Paris. A Comuna de Paris foi esmagada ao fim de alguns meses pela coligação entre os reacionários franceses e os reacionários alemães, e 30 mil trabalhadores foram massacrados.


Em 1917, finalmente, sob a direção de Lenine, as massas exploradas conquistaram o Poder na Rússia czarista e construíram a União Soviética, o Primeiro Estado no mundo com o Povo no Poder. A partir da vitória das forças democráticas na guerra antifascista. o Poder Popular estendeu-se a novos países como a China, a República Democrática da Coreia, e a República Democrática do Vietnã na Ásia. Na Europa o Poder Popular foi erigido em numerosos países tais como a República Socialista da Romênia, a República Democrática Alemã, a República Socialista da Bulgária, etc.... Na América latina, com a vitória das forças populares em Cuba em 1959 instalou-se o primeiro Estado Popular no continente americano.


A instalação do Poder Popular tornou-se uma realidade para perto de 1/3 da Humanidade. As zonas em que as massas trabalhadoras conquistaram o Poder, são conhecidas como “campo socialista” constituído hoje por 14 países.


No nosso país, senhores de escravos, feudais, reis, imperadores, dominaram a sociedade até à conquista colonial. A burguesia colonialista instalou-se então no poder e impôs a sua vontade a todas as camadas do país até ao momento em que a nossa luta começou a derrubá-la.


A dominação sucessiva das diversas minorias exploradoras — a ditadura sobre as massas — é exercida sempre duma maneira mais ou menos camuflada a fim que as massas não compreendam a sua verdadeira situação e não se apercebam que estão sujeitas à opressão.



No nosso país antes da conquista colonial, os régulos e Chefes tribais que exerciam o poder afirmavam que o seu poder representava a vontade dos antepassados.


Por exemplo, em certos reinos, o Povo não podia ver a cara do rei, noutros casos era proibido falar ao rei, só se podia ouvir a sua voz.


Ainda nos nossos dias, em algumas regiões em que o poder dos régulos permaneceu relativamente intacto, é habitual encontrarmos situações deste gênero que camuflam, com os mitos e a superstição, a realidade cruel da opressão dos senhores feudais.


Os colonialistas, para melhor camuflarem a sua dominação e impedirem as massas de compreenderem e se revoltarem contra a sua situação miserável, estimularam a superstição. Assim difundiram numerosas religiões no nosso seio que, dividindo as massas, enfraqueciam-nas. Ao mesmo tempo as religiões todas elas pregavam ao Povo a resignação.


No nosso país os missionários ensinavam-nos que desobedecer ao governo e ao colono era pecado, que devíamos estar muito gratos ao colonialismo português porque nos trazia a verdadeira fé. No século passado, a Igreja justifica o comércio criminoso de escravos afirmando que este era bom, pois permitia que os escravos fossem batizados. O atual arcebispo de Lourenço Marques, Custódio Alvim Pereira, muitas vezes repetiu publicamente que o Povo moçambicano não devia reivindicar a independência, porque esta só podia servir o comunismo e o Islã, por outras palavras, a independência era um pecado contra Deus. No discurso feito em Junho de 1961 aos seminaristas da arquidiocese de Lourenço Marques, no tempo em que era ainda bispo coadjutor, ele exprimiu os seguintes princípios:


· A independência é uma coisa indiferente para o bem dos homens. Pode ser boa quando se verificam condições geográficas e culturais, mas estas últimas ainda não existem em Moçambique.

· Enquanto não existem estas condições, fundar ou tomar parte no movimento pela independência, é agir contra a natureza.

· Mesmo quando existem condições, a mãe Pátria tem o direito de se opor à independência desde que sejam respeitadas as liberdades e os direitos e se procure o bem estar e progresso civil e religioso para todos.

· Todos os movimentos que utilizam a violência são contra o Direito Natural, porque se a independência é um bem deve ser obtida por meios pacíficos.

· Quando o movimento é terrorista, o clero em consciência, não só é obrigado a abster-se como também a opôr-se. Isto é uma consequência lógica da natureza da sua missão.

· Mesmo se o movimento é pacífico convém que o clero se abstenha para poder ser o guia espiritual de todos. O Superior pode impor esta abstenção, como o faz em Lourenço Marques.

· Os Povos nativos da África têm a obrigação de agradecer os benefícios que lhes foram dados pelos colonizadores.

· As pessoas instruídas têm a obrigação de combater abertamente as ilusões dos menos instruídos sobre a independência.

· A independência africana atual nasce quase sempre da Revolução e do comunismo. A doutrina da Santa Sé é bem clara na sua oposição ao comunismo ateu e revolucionário: a grande revolução é a do Evangelho.

· A palavra de ordem “a África para os africanos” é uma monstruosidade filosófica, um desafio à civilização cristã porque os acontecimentos atuais mostram-nos que o Comunismo e o Islamismo desejam impor a sua civilização aos africanos.



Nessa mesma intervenção o atual chefe da Igreja em Moçambique concluía:


“Amai a vossa terra que é Moçambique integrado em Portugal, da mesma maneira que um habitante do Algarve se interessa pela sua província sem esquecer a Pátria comum... os atuais movimentos de libertação africanos são contra a Igreja”.


Em resumo, segundo este prelado, devemos agradecer a exploração colonial, o trabalho forçado e a venda de homens para as minas, a pilhagem das nossas terras e as culturas forçadas. Devemos agradecer a opressão da palmatória, do chicote, das deportações para São Tomé. Devemos agradecer a humilhação do racismo e das mulheres violadas, os filhos do mato e o sermos transformados num Povo de moleques. Devemos agradecer o obscurantismo, a falta de escolas e a superstição, a falta de hospitais e assistência social. Devemos agradecer pois. Revoltarmo-nos contra isso é pecado, pegarmos em armas quando nos vêm massacrar como em Mueda, Xinavane, Lourenço Marques, Wiriyamu é pecado, é ser contra a Igreja.


Conhecemos muitas homílias dos bispos e padres católicos, muitas pregações de cheiques muçulmanos, muitos sermões de todas as igrejas protestantes, e até a uma época muito recente, todos nos diziam que nos devíamos resignar, que devíamos aceitar e