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"Cinema: uma arma de agitação e propaganda"



A quem ainda é necessário mostrar quais são as extraordinárias capacidades de popularização do cinema?


O baixo custo e a simplicidade técnica de reprodução dos espetáculos cinematográficos, a perfeição técnica de uma lente para a qual nada é proibido, onde o olho humano pode ver tudo, mesmo equipado de dispositivos telescópicos e microscópicos (em breve será permitido acessar tudo o que a mente imagina), combinados à liberdade excepcional de montar ao seu gosto os elementos do material fotografado – tudo isso torna o cinema uma incontestável arte de massa, a arte mais popular que se pode encontrar.


Não só cada habitante da cidade tem a total oportunidade de desfrutar de um espetáculo de cinema na noite que lhe convém, assim como o cinema também pode adentrar amplamente pelo campo. Nos Estados Unidos, a rede de cinemas estende-se a todas as comunidades, a qualquer fazenda isolada. Há toda uma rede de instalações sonoras próximas e baratas. Em nossas aldeias, muitas espalhada pelo país, no nosso meio rural ainda pobre e infinitamente grande, não perdemos de todo a esperança de desenvolver uma rede gigantesca de cinemas, graças principalmente a um equipamento de projeção itinerante.


Tudo isso faz do cinema um grande educador concreto, um grande “testemunho” para milhões de pessoas.


Evidentemente, o rádio pode, em certa medida, disputar com o cinema. Se ele também provier do campo artístico, podemos disponibilizar através dele os elementos de criação artística; isso acontecerá apenas se ele usar métodos ou formas de criação estética atuando como importante instrumento de difusão na transmissão sonora de informações científicas e artísticas.


O cinema, por sua parte, é uma arte autêntica, independente: ele mesmo cria o seu próprio material, em parte com métodos específicos, sem dever muito às artes figurativas e ao teatro, com os quais mantém relações de parentesco.


Mesmo que o cinema tenha relação com um ou outro tema científico e tecnológico, não deixa de ser uma arte, pois ele não só mobiliza uma propriedade artística, ao colocar em cena um plano demonstrativo (uma história “montada em espetáculo”, poderíamos dizer), mas também a pintura em si, em seu movimento claro-escuro. Os filmes científicos e técnicos não só devem ser montados de maneira cativante e clara até à transparência, mas cada plano pode e deve ser de alguma forma um quadro original em “claro-escuro” [1]. E quanto mais original ele for, mais notável será, mais deixará traços importantes na totalidade das produções cinematográficas.


Em grande medida, isso também diz respeito ao noticiário. A escolha do material jornalístico, a montagem dos vários episódios que compõem as crônicas, com base em similaridades ou contrastes, criam algo semelhante às últimas notícias de folhetim, a cujo conteúdo o próprio folhetinista não é totalmente indiferente pois “traz” seus próprios pontos de vista. E finalmente, a apresentação de cada cena. Tudo isso diz respeito a uma arte que requer conhecimentos e um saber técnico específico.


Muitas vezes acontece-me ouvir dizer que não só o filme cultural deve ser privilegiado, mas, se quisermos realizar um trabalho cultural sério, devemos relegar para segundo plano o romance cinematográfico dotado de uma fábula. Não se trata de rejeitar totalmente essa ideia. Mesmo que esperemos que nossos filmes proporcionem ao espectador, ao espectador que trabalha, apenas conhecimentos científicos, ganharemos em popularidade se formos capazes de os difundir de maneira sutil, através de uma fábula suficientemente cativante. A arte de combinar o máximo de conhecimentos úteis com o máximo de história, de modo atraente, constitui um grande modo de fazer que deve ser almejado por todos os nossos propagandistas. Quando fazemos a propaganda da vida nova, do novo homem, não podemos negligenciar o potencial de uma arte cuja força reside na capacidade de disseminar as ideias mais gerais sob formas ou aparências decididamente concretas, vivas e que se dirigem por esse motivo ao instinto imediato do indivíduo.


Esses são os meios essenciais e os objetivos dessa linguagem cinematográfica que o agitador deve ter como referência. É claro que ele deve adaptar a linguagem para aqueles a quem se dirige. Uma parte considerável da produção cinematográfica de propaganda pode ser igualmente interessante para as cidades ou para o campo, para pessoas de elevado nível cultural ou para aqueles que estão apenas começando a sair do analfabetismo. Mas não é nada mau que sejamos levados a adaptar nosso cinema como adaptamos a nossa imprensa, e que nos desenvolvamos não só por especialidades, mas também de acordo com as camadas da população trabalhadora à qual nos dirigimos. Não devemos esquecer especialmente a diferença que existe entre as cidades e o campo.


De uma perspectiva puramente ideológica, nossos objetivos consistem em escolher, em função de todas essas opções, um material adequado para os filmes culturais, jornalísticos e históricos; propor temas de âmbito prioritário para o ensino técnico e sociopolítico das massas, desenvolver esses temas em seus respectivos cenários. Eles consistem em roteirizar adequadamente estes temas, executá-los e trazê-los para a tela. Obviamente, é muito mais fácil propor este programa do que o realizar. A mera revisão sistemática de temas que sirvam de exemplo, para um ano inteiro, já não é particularmente fácil. Isso se complica quando passamos ao exame aprofundado dos roteiros. Por fim, as atividades dos realizadores e operadores, a quem se devem êxitos consideráveis, devem ainda mais se desenvolver no sentido da produção de massa.


Deve-se notar que o aumento do número de cineteatros – em particular, os centros de difusão fixos e itinerantes no campo – é um problema financeira e tecnicamente difícil de resolver. Acrescentamos que nossa produção ainda enfrenta dificuldades na fabricação de películas, que estamos em um estágio bastante primário em relação à produção de câmeras, etc., e vocês entenderão que se devemos saudar alguns avanços que vem da transformação do cinema em meio de comunicação de massa ativo do ponto de vista socialista, resta ainda muito trabalho a fazer.


É nesse ponto que os Estados Unidos da América e a Europa nos dão um exemplo brilhante. Eles desenvolveram uma indústria gigantesca. Eles a conduzem de maneira acelerada em busca de novos limites técnicos (especialmente no campo do som e da fala), eles dispõem certamente de um material cinematográfico muito rico, em rápida via de desenvolvimento, nas ciências naturais e técnicas. Eles também ajudam no progresso do cinejornalismo, com filmes muito ricos e muitas vezes fascinantes. Mas não devemos nos iludir. Temos poucos recursos para apropriação dessas riquezas. Não há dúvida de que a produção estrangeira de filmes de arte não vale tanto. Certamente, não podemos negar que a cada ano saem dezenas de bons ou excelentes filmes no plano formal e artístico, entretanto, esta produção artisticamente válida representa apenas um pequeno percentual dentro dessa avalanche de vulgaridade que a produção burguesa joga para as massas às centenas, na forma de romances e farsas cinematográficas. Recentemente, o famoso escritor francês Phelippe Soupault (1897-1990) e o escritor alemão Arthur Holistscher (1869-1941) proferiram palavras muito duras para descrever a perda irreversível de novidade, da originalidade, de acabamento artístico na produção de filmes burgueses. Eles afirmaram que o aparecimento do cinema falado e cantado desferiu um grande golpe nos últimos traços de arte presentes na produção comercialmente desavergonhada da burguesia. As admiráveis paisagens cinematográficas e as ricas tomadas realistas, uma vez abandonadas, foram substituídas por estúdios vulgares e sujos, enquanto o conteúdo do cinema falado e cantado correspondeu cada vez a sórdidos espetáculos de operetas e musicais. Não se pode imaginar “moral” mais trivial, mais corrupta imoralidade do que aquela que se entranha muito frontal e muito profundamente na produção desses filmes. Se os filmes científicos da Europa Ocidental permanecem em um nível muito mais elevado, é apenas em alguma áreas, onde eles não refletem a luta de classes. As massas não tem nenhuma lição social e política a receber da burguesia. Em vez disso, de forma mais ou menos velada, recebem material para envenenar sua consciência social.


Por fim, o cinejornalismo é projetado dentro de um espírito de sensacionalismo frívolo, que faz apologia da grandeza do capitalismo, etc.


É normal que uma classe parasita como a burguesia explore as consideráveis forças de popularização do cinema às custas das massas. Nossa produção cinematográfica de Estado é a única do mundo a perseguir objetivos autenticamente pedagógicos. Somente a preguiça intelectual pode levar os nossos profissionais a afirmar que é impossível combinar uma educação socialista a um cinema que cubra as suas despesas em bases verdadeiramente saudáveis. Temos não apenas o dever, mas especialmente a possibilidade de comparar os nossos filmes no seu conjunto, portadores de clareza, com o cinema de entretenimento da burguesia. Nós os superamos. Neste caso, penso em situações engraçadas, nos incidentes desconcertantes, na influência da fábula. Quem pode afirmar que a nossa vida revolucionária tão complexa, que nos impõe esforços tremendos, contradições difíceis de resolver, é um material que tem menos valor (em uma análise apresentada na forma de uma narrativa cativante) que as piadas repetitivas do cinema ocidental? Há muito tempo estamos convencidos da superioridade geral dos nossos melhores filmes em relação aos melhores filmes ocidentais, precisamente por causa da sua seriedade, do seu profundo páthos, da criação de uma nova vida que eles exemplificam.


Os objetivos de desenvolvimento de um cinema de massa são, em seu ponto mais alto, artisticamente sedutores e politicamente indispensáveis. Não se trata de permitir que este poderoso fator de influência sobre as massas permaneça fora da jurisdição do partido, do governo, das organizações proletárias em geral. Todo o mundo pode entender isso. No entanto, raramente enfatizamos nossa vontade de ajudar o cinema.


As pequenas organizações de massas agrupadas em torno do cinema não têm forças suficientes; nem é suficiente, em muitos casos, a própria consciência dos objetivos a serem alcançados. E os homens que dirigem nosso cinema silenciam num grande vazio. O apoio ideológico que lhes dá o Estado se resume à incrível severidade do Glavrepertkom[2] em questões de censura. Ele condena um enorme percentual de roteiros que lhe são submetidos, desencoraja os antigos e novos roteiristas e não é de forma alguma uma garantia contra a presença na tela de autênticas porcarias.


Na medida em que temos o monopólio da produção do Estado e a possibilidade de destacar em seu benefício os homens politicamente indispensáveis (não apenas os censores entendem o que é bom e o que é ruim), os problemas relacionados à censura dos roteiros são, essencialmente, secundários. A questão crucial, por outro lado, continua a ser minuciosa organização ideológica dos comandos dirigentes, assistidos por grandes sovietes que farão ouvir a voz das organizações de operários e camponeses (especialmente kolkhoses) de massa. O essencial, no final de contas, é o estabelecimento de uma comunicação entre os quadros de uma categoria mais elevada do que aqueles que prevalecem atualmente. Aqui, o tempo não espera, ele chora e geme. O último ano foi pior do que o anterior, tanto qualitativa como quantitativamente. No campo da indústria cinematográfica, não avançamos, recuamos. Isto é inaceitável. Temos que reverter rapidamente este curso por um poderoso movimento de vontade proletária e adotar uma linha que traduza nossa real matriz e uma qualidade em andamento.


Da mesma forma que temos as olimpíadas de teatro, teremos as pequenas olimpíadas de cinema. Trinta filmes feitos por novo produtoras serão apresentados aos espectadores. Mas quando desfrutamos da alta qualidade artística do “Descendente de Tchinguis-Khan” [3], de “Turksib” [4], das últimas partes do “Elisso” [5], não devemos especialmente esquecer as necessidades urgentes de uma educação cinematográfica de massa, sobretudo porque ela é ainda muito negligenciada e notoriamente inadequada.


Outubro de 1919


Escrito por Anatoli Lunatcharski


Transcrito do livro “Revolução, arte e cultura”, publicado pela editora Expressão Popular. 1ª Edição, 2018.


NOTAS

[1] Até os anos setenta, a terminologia do cinema utilizada pelos cineastas russos vinha do francês, empregando-se o termo claro-escuro, e não o preto e branco, que se consagraria depois.

[2] Comitê Central para Aprovação de Repertório.

[3] Título original do filme “Tempestade sobre a Ásia”, de Vsevolod Pudovkin.

[4] Documentário sobre a construção de uma ferrovia entre o Turquestão e a Sibéria, realizado por Victor Tourine (1929).

[5] Filme lançado em 1928, dirigido pelo georgiano Nikolai Chenguelaia (1903-1943).

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