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"Estabelecer o Poder Popular para servir às massas"


Celebramos neste ano de 1974 o 10º aniversário do desencadeamento da nossa luta armada. Dez anos durante os quais inúmeros militantes e o Povo aceitaram toda a espécie de sacrifícios e todo o tipo de privações, dez anos a superar dificuldades e a provarmos que somos capazes de alcançar a vitória.


Começamos já a conhecer a vitória. Em regiões cada vez mais vastas da nossa Pátria o Povo já compara e diz “antes da Revolução” e “hoje”. O nosso Povo começa a saborear o fruto da sua luta.


Mas ao mesmo tempo todos estamos conscientes que a vitória final não é para amanhã e que um longo caminho ainda nos espera.


Qual a razão dos nossos sacrifícios? Porque motivo o inimigo se mostra tão intransigente e cruel? E porque razão, apesar da condenação de todos os homens justos no mundo, ele continua a encontrar os apoios e ajudas necessários para prosseguir os seus crimes?


Será que tudo isto tem lugar apenas porque queremos a nossa Independência?


Mas afinal em 1143 e em 1640 Portugal também lutou pela sua Independência. Os Estados Unidos que hoje apoiam o colonialismo português fizeram no século XVIII uma guerra para se libertarem do colonialismo britânico e serem independentes. A França e a Inglaterra que financiam e armam Portugal fascista e colonialista, lutaram ainda há poucos anos, de 1939 a 1945, contra o fascismo hitleriano, sofrendo grandes perdas e sacrifícios a fim de preservarem a independência nacional.


À volta de Moçambique encontramos muitos países independentes. Madagáscar que era colônia francesa, Tanzânia, Zâmbia, Malawi, Swazilândia, antigas colônias britânicas. E todos estes países tornaram-se independentes através de negociações entre a potência colonizadora e a colônia.


Por qual razão a Inglaterra e a França aceitaram reconhecer à maioria das suas colônias o direito à independência, e hoje apoiam uma guerra colonial?


Por que então dez anos de guerra colonial, dez anos de bombardeamentos, dez anos de massacres de populações, dez anos durante os quais a OTAN e os países ocidentais têm feito tudo para ajudar Portugal?


Nós dizemos frequentemente que no curso da luta a nossa grande vitória foi saber transformar a luta armada de libertação nacional em Revolução. Por outras palavras, o nosso objetivo final de luta não é içar uma bandeira diferente da portuguesa, fazer eleições mais ou menos honestas em que pretos e não os brancos são eleitos, ou ter no Palácio da Ponta Vermelha em Lourenço Marques um Presidente preto, em vez dum governador branco. Nós dizemos que o nosso objetivo é conquistar a independência completa, instalar um Poder Popular, construir uma Sociedade Nova sem exploração, para benefício de todos aqueles que se sentem moçambicanos.


É aqui que se encontra a explicação da guerra. Como um homem assaltado de piolhos é obrigado a mergulhar a roupa na água a ferver para liquidar os piolhos sem se interessar pela cor ou origem dos piolhos, nós fomos obrigados a aceitar mergulhar o nosso país no fogo da guerra para liquidar a exploração, qualquer que seja a sua origem ou cor dos seus agentes.


O que está em causa é, pois, o estabelecimento do Poder Popular que afirma a nossa independência e personalidade e liquida a exploração, o que implica a destruição do Poder dos exploradores que a fomenta.


É por isso mesmo que os países imperialistas que vivem da exploração vêm socorrer Portugal porque estão interessados em que a exploração continue.


Hoje, graças à nossa luta, um Poder novo constrói-se na nossa Pátria.


Dez anos de Poder da FRELIMO não é muito. Jovens que somos assumimos responsabilidades que esmagam os velhos. O Poder dos exploradores tem centenas e milhares de anos de experiência, enquanto o nosso Poder é jovem e ao mesmo tempo tem de resolver os problemas que o Poder milenar dos exploradores nunca conseguiu.


O Poder novo não é uma coisa abstrata. O Poder novo somos nós com todas as nossas insuficiências quem tem de o exercer.


De nenhuma nuvem vai descer o Homem Novo capaz de exercer o Poder novo.


A nossa responsabilidade é grande enquanto a nossa capacidade é ainda pequena. Mas temos uma grande vantagem que é decisiva: possuímos a linha de orientação correta, as massas estão conosco.


Mas ao construirmos o nosso Poder, ao exercê-lo, trazemos em nós, nas ideias, nos hábitos e nos costumes, todas as deformações criadas pelo Poder antigo.


Por isso continuamente temos que retificar os nossos métodos de trabalho, introduzir o bisturi da crítica e da autocrítica, para amputar a herança enorme, pesada e negativa que nos transmite a sociedade antiga.


Para este décimo aniversário que celebraremos em breve queremos analisar o nosso Poder, repensar a nossa atividade, estudar o que fizemos e o que resta para fazer e sobretudo corrigir as deformações.


Começaremos por estudar, na primeira parte, o que é o Poder, o que exprime e que valores incarna. Analisaremos a diferença que existe na origem, natureza, métodos e objetivos entre o Poder colonial capitalista e o Poder Popular construído sob a direção da FRELIMO.


Ao abordarmos esta questão crucial estaremos em condições de compreender a razão porque o conflito entre nós e o inimigo é de tal maneira antagônico que só a guerra o pode resolver. Com efeito, a edificação do Poder Popular que exprime a subida ao Poder duma nova classe, só é possível quando a classe anterior e o seu Poder são derrubados. E ao assumirmos esta noção que estamos em condições de verificar a impossibilidade de conciliar os nossos interesses com os do inimigo, através de pretensas autonomias ou de independências, que salvaguardam a essência do Estado colonial capitalista.


A natureza popular do Poder em vias de edificação implica uma democracia profunda e real, que nunca existiu na História da nossa Pátria.


Assim como o Poder, a Democracia não é uma coisa abstrata: para que ela se exerça e possua um conteúdo concreto é necessário que organizemos as condições para a sua materialização.


Por isso uma segunda parte é consagrada ao estudo da Democracia, nova experiência que pela primeira vez o nosso Povo vive.


Finalmente, porque nos nossos diversos centros o Poder Popular e Democrático já é exercido na prática, eles aparecem como laboratórios da nossa experiência e centros difusores da nossa linha e dos seus resultados práticos. Importa, pois, que precisemos como os nossos centros devem cumprir essa tarefa e quais os requisitos, indispensáveis para que levem a cabo a sua missão histórica.


1. O Poder dos Exploradores é para Oprimir o Povo. O Nosso Poder é o Poder do Povo


No processo do desenvolvimento histórico das sociedades, entre os homens foram forjadas diversas relações sociais.


Na aurora da Humanidade, quando se opera a transição dos símios em homens, os seres pré-humanos viviam em bandos errantes dominados pela preocupação de sobreviver. A totalidade do esforço era consumida imediatamente e frequentemente ela não conseguia satisfazer as necessidades básicas. Os seres pré-humanos alimentavam-se de raízes, frutos selvagens e cadáveres de animais.


Assim viveram durante centenas de milhares de anos os antepassados da Humanidade. A partir dum certo momento esses antepassados começam a utilizar ossos ou paus para escavarem as raízes, para caçar animais. Começam a utilizar instrumentos para produzirem a sua alimentação, a produção ainda que extremamente primitiva inicia-se, o símio dá lugar ao homem. A produção demarca o homem do animal e liberta o seu cérebro abrindo-lhe o caminho para o progresso.


Com o aparecimento da produção, numa primeira fase a colheita e caça, numa segunda fase a agricultura e a criação de gado, a Humanidade começa a desenvolver-se.


Surge a divisão do trabalho, o melhoramento dos instrumentos de produção e das técnicas de produção. Com isso o esforço produtivo do homem já consegue produzir mais do que aquilo que ele próprio necessita para subsistir. A produção cria um excedente.


O aparecimento de excedentes na produção fornece a base material, as condições objetivas para que surjam no seio da sociedade forças que procuram apropriar-se desses excedentes em detrimento dos que produziram.


A sociedade divide-se em classes opostas, com interesses diferentes: uns querem apropriar-se do fruto do trabalho dos outros, enquanto estes últimos recusam. As relações humanas que até aquele momento eram de cooperação tornam-se relações de luta entre exploradores e explorados.


É claro que todo este processo levou centenas de milhares de anos, não foi do dia para a noite que surgiram interesses opostos, classes antagônicas. Mas o fundamental é o processo.



Desde que na sociedade apareceram interesses diferentes e antagônicos, a questão do “Poder”, o problema de saber quem deve decidir, que critérios usar para decidir em favor de quem, tornou-se uma questão fundamental no seio da sociedade.


Um grupo determinado só poderá impor os seus interesses e fazer triunfar os seus objetivos, se possuir o controle da sociedade, por outras palavras se dirigir essa sociedade.


Dirigir a sociedade significa organizar a sociedade para servir os interesses do grupo dirigente, impor a vontade deste grupo a todos os outros grupos, quer estejam de acordo ou não. Com o correr do tempo o grupo dirigente leva os outros grupos a considerarem a sua dominação como a melhor, a mais justa e a mais sábia, a que corresponde aos interesses de todos.


Isto é assim até ao momento em que as novas forças no seio da sociedade tomam consciência dos seus interesses prejudicados pelo grupo dirigente, unem-se, lutam, derrubam o poder anterior e instalam o seu novo poder, reorganizando a sociedade para satisfazer os seus apetites.


Até a uma época recente da História da Humanidade, foram as diversas classes exploradoras — senhores de escravos, feudais, burgueses — quem sucessivamente dominou a sociedade e a organizou política, econômica, ideológica, cultural, administrativa e juridicamente em seu favor.


Assim foi porque as largas massas exploradas nem tinham a suficiente consciência de classe que as unisse, nem possuíam a ideologia capaz de lhes dar a visão do conjunto dos seus interesses e capaz de lhes fornecer a estratégia e tática de luta adequadas para a conquista e exercício do poder.


Historicamente, a primeira vez que as largas massas exploradas, após várias tentativas fracassadas, conquistaram e exerceram o Poder, foi em 1870 em Paris. A Comuna de Paris foi esmagada ao fim de alguns meses pela coligação entre os reacionários franceses e os reacionários alemães, e 30 mil trabalhadores foram massacrados.


Em 1917, finalmente, sob a direção de Lenine, as massas exploradas conquistaram o Poder na Rússia czarista e construíram a União Soviética, o Primeiro Estado no mundo com o Povo no Poder. A partir da vitória das forças democráticas na guerra antifascista. o Poder Popular estendeu-se a novos países como a China, a República Democrática da Coreia, e a República Democrática do Vietnã na Ásia. Na Europa o Poder Popular foi erigido em numerosos países tais como a República Socialista da Romênia, a República Democrática Alemã, a República Socialista da Bulgária, etc.... Na América latina, com a vitória das forças populares em Cuba em 1959 instalou-se o primeiro Estado Popular no continente americano.


A instalação do Poder Popular tornou-se uma realidade para perto de 1/3 da Humanidade. As zonas em que as massas trabalhadoras conquistaram o Poder, são conhecidas como “campo socialista” constituído hoje por 14 países.


No nosso país, senhores de escravos, feudais, reis, imperadores, dominaram a sociedade até à conquista colonial. A burguesia colonialista instalou-se então no poder e impôs a sua vontade a todas as camadas do país até ao momento em que a nossa luta começou a derrubá-la.


A dominação sucessiva das diversas minorias exploradoras — a ditadura sobre as massas — é exercida sempre duma maneira mais ou menos camuflada a fim que as massas não compreendam a sua verdadeira situação e não se apercebam que estão sujeitas à opressão.



No nosso país antes da conquista colonial, os régulos e Chefes tribais que exerciam o poder afirmavam que o seu poder representava a vontade dos antepassados.


Por exemplo, em certos reinos, o Povo não podia ver a cara do rei, noutros casos era proibido falar ao rei, só se podia ouvir a sua voz.


Ainda nos nossos dias, em algumas regiões em que o poder dos régulos permaneceu relativamente intacto, é habitual encontrarmos situações deste gênero que camuflam, com os mitos e a superstição, a realidade cruel da opressão dos senhores feudais.


Os colonialistas, para melhor camuflarem a sua dominação e impedirem as massas de compreenderem e se revoltarem contra a sua situação miserável, estimularam a superstição. Assim difundiram numerosas religiões no nosso seio que, dividindo as massas, enfraqueciam-nas. Ao mesmo tempo as religiões todas elas pregavam ao Povo a resignação.


No nosso país os missionários ensinavam-nos que desobedecer ao governo e ao colono era pecado, que devíamos estar muito gratos ao colonialismo português porque nos trazia a verdadeira fé. No século passado, a Igreja justifica o comércio criminoso de escravos afirmando que este era bom, pois permitia que os escravos fossem batizados. O atual arcebispo de Lourenço Marques, Custódio Alvim Pereira, muitas vezes repetiu publicamente que o Povo moçambicano não devia reivindicar a independência, porque esta só podia servir o comunismo e o Islã, por outras palavras, a independência era um pecado contra Deus. No discurso feito em Junho de 1961 aos seminaristas da arquidiocese de Lourenço Marques, no tempo em que era ainda bispo coadjutor, ele exprimiu os seguintes princípios:


· A independência é uma coisa indiferente para o bem dos homens. Pode ser boa quando se verificam condições geográficas e culturais, mas estas últimas ainda não existem em Moçambique.

· Enquanto não existem estas condições, fundar ou tomar parte no movimento pela independência, é agir contra a natureza.

· Mesmo quando existem condições, a mãe Pátria tem o direito de se opor à independência desde que sejam respeitadas as liberdades e os direitos e se procure o bem estar e progresso civil e religioso para todos.

· Todos os movimentos que utilizam a violência são contra o Direito Natural, porque se a independência é um bem deve ser obtida por meios pacíficos.

· Quando o movimento é terrorista, o clero em consciência, não só é obrigado a abster-se como também a opôr-se. Isto é uma consequência lógica da natureza da sua missão.

· Mesmo se o movimento é pacífico convém que o clero se abstenha para poder ser o guia espiritual de todos. O Superior pode impor esta abstenção, como o faz em Lourenço Marques.

· Os Povos nativos da África têm a obrigação de agradecer os benefícios que lhes foram dados pelos colonizadores.

· As pessoas instruídas têm a obrigação de combater abertamente as ilusões dos menos instruídos sobre a independência.

· A independência africana atual nasce quase sempre da Revolução e do comunismo. A doutrina da Santa Sé é bem clara na sua oposição ao comunismo ateu e revolucionário: a grande revolução é a do Evangelho.

· A palavra de ordem “a África para os africanos” é uma monstruosidade filosófica, um desafio à civilização cristã porque os acontecimentos atuais mostram-nos que o Comunismo e o Islamismo desejam impor a sua civilização aos africanos.



Nessa mesma intervenção o atual chefe da Igreja em Moçambique concluía:


“Amai a vossa terra que é Moçambique integrado em Portugal, da mesma maneira que um habitante do Algarve se interessa pela sua província sem esquecer a Pátria comum... os atuais movimentos de libertação africanos são contra a Igreja”.


Em resumo, segundo este prelado, devemos agradecer a exploração colonial, o trabalho forçado e a venda de homens para as minas, a pilhagem das nossas terras e as culturas forçadas. Devemos agradecer a opressão da palmatória, do chicote, das deportações para São Tomé. Devemos agradecer a humilhação do racismo e das mulheres violadas, os filhos do mato e o sermos transformados num Povo de moleques. Devemos agradecer o obscurantismo, a falta de escolas e a superstição, a falta de hospitais e assistência social. Devemos agradecer pois. Revoltarmo-nos contra isso é pecado, pegarmos em armas quando nos vêm massacrar como em Mueda, Xinavane, Lourenço Marques, Wiriyamu é pecado, é ser contra a Igreja.


Conhecemos muitas homílias dos bispos e padres católicos, muitas pregações de cheiques muçulmanos, muitos sermões de todas as igrejas protestantes, e até a uma época muito recente, todos nos diziam que nos devíamos resignar, que devíamos aceitar e agradecer.


Devemos notar, no entanto, que, perante os crimes crescentes cometidos pelo inimigo, nos últimos três anos erguem-se vozes cada vez mais numerosas nos meios religiosos condenando a guerra colonial e os seus massacres. Mas estas vozes ainda aparecem como isoladas e assim não as podemos classificar como tomadas de posição oficiais, públicas e claras das Igrejas em Moçambique contra o colonialismo.


Mas além da superstição, a sociedade burguesa colonialista utiliza outros argumentos para camuflar e justificar o seu poder ditatorial.


Eles dizem que nós somos uma raça inferior e atrasada, com costumes primitivos, um Povo ignorante que deve ser educado pela raça superior e avançada, cheia de bons costumes e de sabedoria. A Constituição portuguesa diz expressamente que a essência da Nação portuguesa é “civilizar” os “bárbaros” que nós somos. Eles repetem continuamente este argumento, muito embora toda a gente veja que em Portugal há mais de 40% de analfabetos, que a miséria dos camponeses e do Povo português é enorme, o seu obscurantismo não é inferior ao nosso e têm tantas ou mais superstições do que nós, embora diferentes.


Dizem isso quando nos querem convencer. Mas na prática, e quando formulam a sua linha política, dizem e fazem coisas muito diferentes.


O falecido cardeal arcebispo de Lourenço Marques, Teodósio Clemente de Gouveia, numa pastoral de 1960 em que fixava a linha política das escolas escrevia:


“As escolas são necessárias, sim; mas as escolas em que ensinemos aos nativos o caminho da dignidade humana e a grandeza da nação que os protege”.


Vir-nos “educar” significa claramente tornar-nos submissos, escravos mentais do colonialismo.



O General Kaulza de Arriaga, derrotado vergonhosamente em Moçambique, nas lições que dava ao Curso de Altos Comandos do Exército colonial fascista, no ano letivo de 1966-1967, dizia:


“Se em Angola ou Moçambique houvesse 20 ou 30 milhões de negros, o problema para nós seria extremamente grave; ainda bem que essas populações são tão reduzidas. Eu não sei se isto resultou da exportação que se fez para o Brasil; se foi isso, ainda bem que se fez essa exportação”.


Depois de aprovar o comércio infame de escravos, a forma mais degradante da exploração e humilhação humana, o “civilizador” Kaulza de Arriaga que publicamente discursava sobre a conquista do “coração dos africanos” e o “multirracialismo”, preconizava ao mesmo tempo a liquidação do nosso Povo. Assim ele diz que:


“Outro problema muito importante é o problema da demografia: primeiro, crescimento branco: depois, limitação do crescimento negro”.


A “igualdade racial” e a missão de “promoção das populações africanas”, são bem esclarecidas quando o general escreve:


“a multirracialidade tem de ser autêntica e mantém-se autêntica mesmo quando à sombra dela porventura precisamos de travar ligeiramente a promoção dos Povos negros. Depois temos de convencer esta gente que estamos a promovê-los num ritmo adequado... Claro que existe um outro problema: é que também não vamos ser demasiado eficientes na promoção dos negros, pois devemos promovê-los sim, mas nada de exageros”.


Em resumo, “civilização”, “educação”, “promoção”, são apenas para camuflagem da realidade concreta de exploração e pilhagem, opressão, brutalização e humilhação. Palavras bonitas para nos enganarem e adormecerem. Por isso, através de cada palavra de ordem do regime de opressão devemos ver a realidade que ela encobre.


A burguesia afirma ainda que deve ser a minoria inteligente e capaz, os ricos e os doutores, quem deve governar a maioria que eles consideram brutos e incapazes.


Oliveira Salazar, o grande orientador do colonial-fascismo português, exprime claramente esta concepção dizendo (F.C.C. Egerton: Salazar, Portugal and her Leader):


“Esta hierarquia entre o trabalho de invenção, organização e direção e a execução propriamente dita, não só exprime uma necessidade inerente da produção material, como também reflete a desigualdade imposta pela natureza à capacidade dos indivíduos, uma coisa a que a sociedade não pode, nem deve tentar opor-se”.


Um dos maiores escritores portugueses, Eça de Queiroz, numa obra magistral em que denuncia e desmascara a burguesia — O Conde de Abranhos — explica-nos a mentalidade da burguesia exploradora e opressora através do sistema de educação universitária:


“Assim o estudante fica para sempre penetrado desta grande ideia social: que há duas classes — uma que sabe, outra que produz. A primeira naturalmente, sendo o cérebro, governa; a segunda sendo a mão, opera e veste, calça, nutre e paga a primeira... Bacharéis são os políticos, os oradores, os poetas e por adoção tática, os capitalistas, os banqueiros, os altos negociadores. Futricas são os carpinteiros, os trolhas, os cígarreiros, os alfaiates... Esta ideia de divisão em duas classes é salutar, porque assim educados nela, os que saem da universidade não correm o perigo de serem contaminados pela ideia contrária — ideia absurda, ateia, —destruidora da harmonia universal — de que o futrica pode saber tanto como sabe o Bacharel. Não, não pode: logo, as inteligências são desiguais e assim fica destruído esse princípio pernicioso da igualdade das inteligências, base funesta dum socialismo perverso”.


Os opressores, em particular a burguesia colonial, com o objetivo de camuflarem a sua ação e manterem-nos ignorantes, passam a vida a gritar-nos nas orelhas que exercem o poder para benefício de todos, ou da maioria, que o fazem para difundirem o progresso, a civilização, a religião cristã. Eles afirmam-nos sempre que é um grande sacrifício o exercício do poder, que são pesadíssimas as responsabilidades, que de boa vontade e coração alegre as abandonariam, se a isso os não obrigasse o dever.


Os discursos que ouvimos, os artigos nos jornais, a propaganda na rádio, toda a máquina de intoxicação colonialista, diariamente nos tenta convencer que o poder dos opressores é o melhor do mundo, que nós devemos sentir felizes pela dominação e só os ingratos, loucos e comunistas podem pensar o contrário.


No entanto é muito diferente a realidade que podemos descobrir por detrás das palavras maravilhosas.


Do Governador Geral ao Chefe do posto, todo o aparelho administrativo só tem um objetivo: fazer tudo para que as companhias, os ricos, os capitalistas, explorem o povo.


As leis que são feitas, os impostos que são cobrados, as ordens que são dadas, nunca servem o Povo, sempre são para benefício dos patrões. Se algumas vezes, aparentemente, uma lei parece beneficiar o Povo, é porque a revolta do Povo era muito forte e então fez-se qualquer coisa para tentar acalmar a cólera de Povo com o objetivo de desmobilizar as massas e assim poder continuar a dominação colonial.


Um exemplo disto foi a greve da estiva em Lourenço Marques em 1963. Antes da greve eles pagavam de 12.00 a 15.00 por dia aos estivadores, mas depois da greve e apesar da repressão, temendo uma revolta mais séria dos estivadores, eles subiram os salários para 28.00. Agora, por causa da guerra, em toda a parte se sobem os salários com o objetivo de corromper as pessoas, fazer-lhes esquecer que vivem colonizadas, exploradas, oprimidas, humilhadas. Da mesma maneira, nas zonas em que eles temem que o povo comece a apoiar a luta, que a luta se estenda para essa zona, os colonialistas diminuem logo a sua arrogância, difundem grandes fotografias de pretos e brancos juntos e aparentemente alegres. No entanto, trata-se apenas duma máscara, pois a PIDE continua a prender, torturar e assassinar pessoas enquanto que para efeitos de propaganda se distribuem rebuçados às crianças.


Mas a natureza da opressão continua a mesma.


As leis do governo continuam a mandar-nos prender e a vender-nos para as minas da África do Sul. Quem ganha são os donos das minas de ouro, quem perde a vida, quem regressa tuberculoso, sem um braço ou uma perna, somos nós.


São as leis do governo quem nos obriga a cultivar o algodão e a vendê-lo às companhias. Quem ganha são as companhias, mas somos nós quem nunca tem roupa para se vestir apesar de ter produzido o algodão.


As leis do governo entregam-nos como máquina de trabalho às companhias de açúcar, às companhias de chá. As companhias ganham muitos e muitos milhares de contos, mas nas nossas casas, de manhã nós e as nossas famílias não temos chá nem açúcar.


É a administração que nos prende se recusamos cumprir a vontade da companhia, é ela que nos força a irmos trabalhar nas machambas, nas minas e nas fábricas.


São os nossos impostos quem paga o vencimento dessa administração que nos oprime, são os nossos impostos quem paga a polícia que nos prende quando desobedecemos à companhia, são os nossos impostos quem paga o exército que nos massacra se nos revoltamos contra a opressão.


Somos nós e o nosso trabalho quem paga tudo, mas quem é servido e obedecido são os que exploram.


Os burgueses e os colonialistas dizem que os tribunais são imparciais e fazem justiça. A propaganda diz que a justiça é cega para não distinguir entre o rico ou o pobre, o grande senhor ou o pequeno trabalhador e assim dizer a verdade, dar o prêmio ao justo, castigar o culpado.


Dizem isso é certo. Mas nunca ninguém ouviu dizer que os tribunais da burguesia e do colonialismo mandaram devolver a terra aos camponeses que foram espoliados. Hoje, como acontece para a barragem de Cabora Bassa em que 25 mil pessoas foram espoliadas das suas terras e expulsas, nenhum tribunal nos dá razão. Ninguém ouviu dizer que o tribunal condenou a PIDE por assassinar e torturar pessoas ou por ter pessoas meses e anos na cadeia sem serem julgadas. Os tribunais condenam os que lutam pelo Povo e aprovam, apoiam e elogiam os que massacram o Povo.


Estes exemplos muito concretos que toda a gente conhece, que cada um de nós verificou diariamente na sua vida, mostram muito claramente para que serve o poder dos colonialistas e capitalistas, quem é que dele beneficia.


Quando o poder está na mão dos exploradores, ele serve os exploradores e impõe a ditadura dos exploradores.


Na sociedade dos exploradores, para se exercer o poder é necessário pertencer ao grupo explorador, dedicar-se de corpo e espírito ao serviço dos exploradores.


Na sociedade tradicional não é qualquer pessoa que pode ser régulo. Para se ser régulo deve-se pertencer à camada feudal, ser da família do chefe, isto é, ser seu filho ou seu sobrinho. Quem designa o novo régulo ou é o régulo anterior ou um órgão composto por feudais.


Da mesma maneira se passa na sociedade burguesa, onde o poder pertence às companhias, aos grandes capitalistas e é exercido pelos servidores fiéis do capital.


Toda a gente sabe que um Governador-Geral ou Ministro, além de se enriquecer durante o seu mandato, quando é substituído encontra imediatamente uma alta posição nos bancos e companhias. Deputados, governadores, ministros, saem das companhias e dos bancos para o governo, do governo para as companhias e para os bancos.


Por exemplo, Pimentel dos Santos que agora é governador de Moçambique, até à sua nomeação em Outubro de 1971, entre os seus diversos cargos, tinha o de Presidente do Conselho de Administração da Companhia Mineira do Lobito. É claro que apesar de governador ele continua ligado à sua companhia e servindo-a. Assim, em Setembro de 1972, a sua companhia, em associação com a Betlehem Steel dos Estados Unidos e a Companhia de Urânio de Moçambique, recebeu em concessão para a prospecção e exploração de minérios uma área de dezenas de milhares de quilômetros quadrados, compreendidas entre Cioco e Changara na Província de Tete. Podemos repetir o mesmo exemplo com cada um dos ministros, governadores, deputados, etc....


No quadro de uma sociedade colonial como aquela que existe em Moçambique controlada pelo colonialismo, além das “qualidades” exigidas pela sociedade burguesa normal, requere-se que o indivíduo pertença à raça colonizadora ou ao menos se encontre totalmente submetido ao colonizador, transformando-se então em verdadeiro fantoche.


Estes fatos conhecidos de todos, mostram-nos claramente que o Poder, o Estado, não são instrumentos técnicos e neutros, mas sim armas utilizadas pelas classes exploradoras contra as massas exploradas.


A opressão que existe não é porque o chefe de posto, administrador ou governador são maus, têm mau coração ou se enchem de satisfação ao explorar-nos.


Duma maneira geral, individualmente, humanamente, eles não são nem melhores nem piores que qualquer outra pessoa, de qualquer outra raça.


Eles são aquilo que são em virtude da posição que ocupam.


Se por acaso surge um administrador ou chefe de posto que sinta a sua consciência torturada pelos crimes que é forçado a praticar, se ele ousa opor-se àquilo que é a sua tarefa, ele é imediatamente afastado, substituído, punido.


E por isso que afirmamos sempre lutar contra um sistema e não contra pessoas individualmente.


A prática do colonialismo português e da guerra de agressão em nada foram alteradas pelas melhores ou piores qualidades humanas de Marcelo Caetano, quando este substituiu Salazar, da mesma maneira que a prática criminosa e assassina da PIDE persiste sob o novo nome de DGS.


A existência de classes exploradoras, brancas ou negras ou de qualquer outra cor, produz um Poder e um Estado exploradores.


Por isso nós dizemos sempre que lutamos contra a exploração do Homem pelo Homem, de que o colonialismo português é hoje a principal expressão no nosso pais. Por outras palavras, isto significa que o nosso objetivo é derrubar o Poder das classes exploradoras em Moçambique representadas principalmente pelas burguesias coloniais e imperialistas, destruir o Estado Colonial, forma essencial da dominação colonialista e imperialista na nossa Pátria.


É necessário conhecer claramente estes pontos. Há nacionalistas, uns ingenuamente por não possuírem uma consciência de classe desenvolvida, outros porque estão comprometidos com a exploração, que pensam que o objetivo da nossa luta deveria ser a de instalar um Poder negro, em vez dum Poder branco, nomear ou eleger africanos para os diferentes postos políticos, administrativos, econômicos e outros, que são hoje ocupados por brancos. Os primeiros, quando engajados na prática, compreendem e aceitam a necessidade da destruição do Estado explorador, enquanto os últimos, identificando-se ao sistema, recusam a destruição do Estado explorador. Em resumo, para estes nacionalistas, a quem o Poder colonial, porque estrangeiro, não dá inteira satisfação, o objetivo final da luta seria na realidade o de “africanizar” a exploração. É por isso que eles recusam a nossa ideologia revolucionária — como recusam sobretudo as transformações da mentalidade e comportamento que exigimos, que pretendem não ter importância para o combate contra o colonialismo.


Esta posição é uma posição reacionária que põe em causa a natureza e o objetivo da luta.


A nossa luta, para eles, deveria ser uma luta entre o Poder negro e o Poder branco, quando para nós a luta é entre o Poder dos exploradores e o Poder Popular.


Vimos já que num Estado explorador toda a máquina do Poder, as suas leis, a sua administração, tribunais, polícia, exército, têm o objetivo único de manter a exploração, servir os exploradores.


O Estado, o Poder, as leis, não são técnicas ou instrumentos neutros que podem igualmente ser utilizados pelo inimigo e por nós. Por isso a questão decisiva não é a de substituir o pessoal europeu pelo pessoal africano.


Da mesma maneira que os colonialistas têm o seu modo de combater e nós temos o nosso, eles têm a sua ciência militar e nós a nossa, assim nós temos o nosso poder, e eles têm o deles. Há um antagonismo entre, nós e eles sobre a origem, natureza, métodos e objetivos do Poder.


Não podemos fundar um Estado popular, com as suas leis e sua máquina administrativa, a partir dum Estado cujas leis, cuja máquina administrativa foi inteiramente concebida pelos exploradores para os servir.


Não é governando com um Estado concebido para oprimir as massas que se pode servir as massas.


“Africanizar” o poder colonial e capitalista retira o sentido à nossa luta. Para que serviria a luta se continuássemos submetidos ao trabalho forçado, às companhias, às minas, mesmo se tudo estiver cheio de gerentes e capatazes africanos? Para que o sacrifício se continuarmos a ser obrigados a vender o gado e o algodão, em feiras que só beneficiam os comerciantes, mesmo se estes forem africanos? Qual a razão de ser de tanto sangue, se no fim continuássemos submetidos a um Estado que, mesmo se governado por moçambicanos, só serve os ricos e os poderosos? Como manter uma polícia que prende e tortura os trabalhadores, guardar um exército que dispara contra o Povo, mesmo se todos os generais forem pretos?


Um Estado de ricos e poderosos em que uma minoria decide e impõe a sua vontade, quer a aceitemos ou não, quer compreendamos ou não, é a continuação sob novas formas da situação contra a qual lutamos.


A questão do poder popular é a questão essencial da nossa Revolução.


E neste quadro que se torna absurdo falar de autonomia, ou conceber uma independência que nos seja oferecida por Caetano ou sucessores.


As massas populares compreenderam, o seu instinto de classe fez-lhes compreender esta questão: a Independência, a autonomia, concebidas pelo Imperialismo, pelo colonialismo, são táticas destinadas a manterem tudo como antes, a manterem a exploração.


Foi por isso, porque assumiram a defesa do seu poder, que as massas aceitam os sacrifícios mais heroicos para estender a luta e consolidar as zonas libertadas. Todas as ofensivas do inimigo, por mais furiosas e violentas, têm-se quebrado diante desta intransigência firme das massas em defenderem o seu poder.


Quando no nosso seio, entre 1967 e 1969, o grupo de novos exploradores tinha conseguido em grande medida paralisar a direção e começar a desviar o sentido da nossa luta para implantar de novo uma ditadura de exploradores, foi o povo, o instinto de classe das nossas massas laboriosas que assumindo o perigo que corríamos, deu às forças revolucionárias no seio da direção o apoio decisivo que nos conduziu à vitória.


O nosso Poder representa os interesses do nosso povo trabalhador, exprime a nossa vontade de expulsar o colonialismo e o imperialismo e criar uma sociedade nova sem exploração. O nosso poder é a expressão revolucionária da aliança que, defendendo os interesses da nossa classe camponesa e operária, une todas as camadas e grupos sociais, animados de espírito patriótico e democrático: operários, camponeses, trabalhadores das plantações e das serrações, das Concessões, trabalhadores das minas e caminhos de ferro, dos portos e indústrias, motoristas e mecânicos, intelectuais, técnicos e funcionários, estudantes e empregados, pequenos e médios comerciantes, etc... O poder que está a nascer traduz esta nova relação de forças que surge no nosso País, favorável à aliança popular. A antiga ditadura da minoria exploradora sobre o povo substitui-se o poder do povo, que se impõe a todas as forças colonialistas e classes reacionárias, o Poder da maioria esmagadora que submete a ínfima minoria e destrói a exploração.


O nosso Poder é diferente na forma e no conteúdo de tudo o que existiu no passado no nosso País.


O Poder pertence ao povo, é exercido pelos seus autênticos representantes, para servir os interesses do povo.


Na reunião de Maio de 1970, o Comité Central da FRELIMO num documento em que se define as qualidades de um membro do Comitê Central afirma:


“é entre os militantes que realizam de uma maneira mais saliente estas qualidades de militante, que se deve escolher os membros que devem dirigir a organização e em particular os membros do Comitê Central. O membro do Comitê Central deve vir das fileiras da luta. O membro do Comitê Central deve distinguir-se pela sua devoção à luta de libertação nacional, pelo abandono de si próprio para entregar-se à luta e para servir os interesses do Povo”.


O mesmo documento, ao expor as qualidades exigidas do militante da FRELIMO, sublinha:


“E um servidor das massas e sacrifica-se pela maioria”.


Quer isto dizer que, enquanto na outra zona, na zona dos exploradores, se exige do dirigente ser um servidor dos exploradores, saído das suas fileiras, na nossa zona o dirigente sai das massas, das fileiras da luta, e é um servidor das massas que está pronto a sacrificar tudo, incluindo a própria vida, em benefício da maioria, na defesa da maioria.


A maioria somos nós, nós camponeses, nós operários, nós trabalhadores nascidos do povo explorado, dominado, e que temos o objetivo de nos libertarmos, de construir a nova sociedade, a sociedade que corresponde aos nossos Interesses.


A nossa luta já instalou o nosso poder em vastas regiões da nossa Pátria. Nessas regiões são os nossos interesses que comandam. A linha política da FRELIMO que exprime esses interesses aplica-se diariamente em todos os setores de trabalho para beneficiar a maioria. A linha política da FRELIMO que orienta o nosso poder transforma diariamente as relações sociais, as relações entre os homens, ela transforma a sociedade. A nossa linha transforma a natureza, põe os recursos da nossa terra à disposição da maioria, mobiliza as leis da natureza para beneficiar as largas massas.


A partir do momento em que o nosso poder se exerceu na educação, definimos que a tarefa desta era de educar o homem para vencer a guerra, construir uma sociedade nova e desenvolver a Pátria.


O nosso ensino destina-se a pôr a ciência ao serviço do povo e da revolução, a fazer dos alunos, estudantes e intelectuais, trabalhadores ao serviço dos outros trabalhadores.


Quando tomámos o poder na frente da saúde, dissemos que no trabalho hospitalar devemos materializar o princípio que a revolução liberta o povo.


Não queremos hospitais para ricos onde trabalham grandes técnicos que são ricos e servem os ricos. Poucos nos importa o luxo dos hospitais burgueses e colonialistas, o que nos interessa é fazer do nosso hospital uma base, um destacamento operacional de luta contra a doença física e também a doença que mina o espírito, a superstição, a ignorância, o tribalismo, o espírito burguês.


Em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, em Manica e Sofala, as companhias, os ricos proprietários abandonam as nossas zonas e fogem.


Assim o nosso poder instala-se na produção. Já não são as companhias e os ricos que definem os objetivos da produção e do trabalho e beneficiam do nosso esforço.


Hoje, porque temos o Poder, a produção liberta o homem, dá-lhe a sua identidade de transformador da natureza e da sociedade. Produzimos para aprender e aprendemos para produzir e lutar melhor, produzimos para satisfazer as nossas necessidades, para alimentar as nossas crianças e famílias, vivermos melhor.


O nosso Poder cria a produção coletiva ao serviço do Povo e da Revolução, destrói a produção exploradora, transforma os produtores individualistas em produtores integrados na coletividade. A produção em vez de dividir os homens em explorados e exploradores une-os agora todos, faz de todos servidores do Povo, desenvolvendo o bem estar do Povo.


Nas zonas livres o Estado colonial e burguês foi destruído, as estruturas feudais desapareceram. Surge um novo Poder que é democrático que é nosso.


Os elementos que exercem o Poder gozam realmente da confiança das massas pois cresceram politicamente no seio da luta das massas. Eles discutem continuamente com as massas. As novas orientações, as novas diretrizes, vêm da discussão e da experiência prática das massas, são assumidas pelas massas para serem aplicadas.


Do Círculo à Localidade, do Distrito à Província e à Nação, pela primeira vez na nossa História, o Povo tem um poder que é seu, que não sente como coisa estranha que o submete.



Poder que pertence à maioria explorada e que impõe a vontade desta a toda a Nação, assim é o nosso Poder.


2. Organizar a Vida Democrática


O exercício do Poder, a sua forma e os seus métodos, devem corresponder ao seu conteúdo.


Mas acontece muitas vezes que o conteúdo novo seja ainda guardado nas garrafas velhas, isto é, exprime-se pela forma antiga.


O nosso Estatuto ao definir os métodos de trabalho na FRELIMO — capítulo VII, alínea a) e seguintes — expressamente estabelece uma série de pontos que podem ser resumidos nas fórmulas seguintes: livre discussão, submissão da minoria à maioria, responsabilidade coletiva, crítica e autocrítica do trabalho e do comportamento.


O nosso Estatuto, o conteúdo da nossa ação, exigem uma democracia real, uma verdadeira liberdade de expressão de opinião, uma discussão profunda acerca das decisões que tomamos.


Por isso na nossa vida damos tanta importância às reuniões com as massas e com os combatentes. São as reuniões que permitem auscultar o verdadeiro sentimento e consciência da base, detectar as contradições, explicar e fazer assumir a linha e as orientações concretas para cada situação específica.


As nossas decisões devem sempre ser democráticas no conteúdo e na forma. No conteúdo quer dizer que elas correspondem aos interesses reais das largas massas. Na forma significa que as largas massas devem participar na elaboração da decisão, senti-la como delas e não imposta de cima para baixo.


É evidente que há situações concretas, de emergência, em que o responsável tem que assumir a tarefa de decidir só sem consultar ninguém. Numa emboscada o comandante não vai reunir os combatentes para que estes votem o momento em que se abre o fogo, se dá o assalto ou ordem de recuo.


Mas em contrapartida, quanto mais e melhor antes da batalha o responsável discutiu com os combatentes, lhes fez assumir o sentido e objetivo da batalha em que se engajam, as dificuldades e a tática a seguir, tanto mais estes estarão disciplinados na linha do fogo, mais prontos estarão para o sacrifício, porque a vitória depende dum bom combate que resulta do comando que libertou a iniciativa da base.


Pode acontecer por vezes que no curso da discussão um companheiro ou se exprima mal, ou mesmo exponha uma ideia errada. A nossa tendência pode ser então a de o mandar calar, na base da nossa autoridade. O resultado é negativo: primeiro porque esse orador sentir-se-á incompreendido e persistirá na sua ideia errada indo até murmurar fora da reunião. Segundo, e mais importante ainda, para se combater uma ideia errada é necessário que todos, ou a larga maioria, compreendam como e porque a ideia é errada.


A democracia no seio do Partido é uma condição indispensável para que todos e cada um se sintam engajados e responsáveis da situação, pois que a criação e desenvolvimento da situação sempre foram associados.


É certo que nas estruturas temos escalões diferentes. Na prática o tipo e natureza de cada discussão variam em função do escalão em que a discussão se estabelece, o que é normal. Mas o princípio de discutir e elaborar a decisão em conjunto deve sempre ser mantido.


A decisão burocrática, isto é, a decisão tomada pura e simplesmente pelo chefe ou direção sem que haja um debate e explicação com as massas, embora possa ter um conteúdo excelente — o que é difícil — não mobiliza as massas, que em última análise são quem a deve assumir, pôr em aplicação e defender.


A decisão burocrática arrisca-se, embora tendo um bom conteúdo, a não corresponder ao nível de compreensão das massas, por outras palavras, ser irrealista e criar uma contradição que teria sido evitada se uma discussão tivesse tido lugar.


A discussão democrática exige uma preparação rigorosa. Antes da discussão devemos proceder a uma investigação cuidadosa do assunto ou assuntos a debater, detectar o sentido geral da questão, estarmos claros sobre a linha do partido na matéria.


Assim preparados estamos em condições de orientar a discussão e formular as orientações corretas, as palavras de ordem exatas.


Devemos sempre considerar que, se uma orientação em si é correta, muitas vezes se tentamos impô-la pode ser negativa por não corresponder à compreensão das massas. Em particular, as orientações que contrariam as tradições devem ser introduzidas progressivamente, depois de uma mobilização profunda que toque em especial o setor ou setores que são mais vítimas dessa tradição.


Ao orientarmos uma discussão devemos utilizar a tática de unir os setores conscientes, isolar as forças recalcitrantes, ganhar ao ponto de vista justo a maioria hesitante.


Por isso nas discussões não podemos ser abstratos, temos que tocar os pontos concretos, raspar as crostas para que sangrem as feridas e assim todos sintam realmente a necessidade da resolução do problema.


Preparar, pois, a discussão como quem prepara um combate: fazer um reconhecimento estratégico e tático dos pontos a discutir, conhecer os pontos fracos e fortes nossos e daquilo que queremos combater, organizar e dispor corretamente as nossas ideias, conhecermos como avançar e como recuar se necessário.


Para levarmos a cabo a ofensiva de democratização dos nossos métodos de trabalho, devemos dar uma importância à democracia política, econômica e militar no nosso seio.


Ao trabalharmos devemos sempre ter em mente que o Poder pertence ao Povo e somos todos igualmente oprimidos e humilhados, vendidos e explorados, massacrados, que somos irmãos da mesma classe com uma mesma missão: servir o Povo. É esta a base da nossa unidade, o ponto de partida da nossa democracia.


A democracia política é fundada na discussão coletiva, na resolução coletiva dos nossos problemas. Todos e cada um são chamados a exprimirem os seus pontos de vista sobre como melhor servir o Povo em cada situação concreta. Todos e cada um são responsáveis pela vida da Organização, pelo desenvolvimento e consolidação da luta e Revolução. Todos e cada um têm o dever de desenvolver criadoramente a nossa linha, sintetizando as nossas experiências ricas, adquiridas no combate político e armado contra o inimigo, na transformação da sociedade, na mobilização das leis da natureza a favor do progresso coletivo.


Os erros cometidos, individuais ou coletivos, as violações da nossa linha e da nossa disciplina devem servir-nos para nos educar. As lições tiradas dos erros devem ser discutidas pelas massas para que elas adquiram a nova experiência. As violações da linha e as agressões contra a nossa disciplina devem ser objeto de discussão e crítica pública das massas. Fazendo assim, por um lado utilizamos os erros para aprofundar a nossa consciência política, e por outro lado entregamos às massas a defesa da linha e da disciplina, que é a sua propriedade.


A tendência de certos camaradas de esconder perante as massas os erros cometidos especialmente por responsáveis, reflete falta de democracia política e falta de confiança nas massas.


O poder pertence ao Povo trabalhador. A linha política exprime os interesses das massas laboriosas e a disciplina é a sentinela que defende a linha. Assim é evidente que a defesa da linha e da disciplina compete primeiramente às massas populares, essa defesa é a defesa da sua vida.


Confiar às massas a tarefa de criticar os erros, os desvios e agressões contra a linha e a disciplina é afirmar também que os erros, os desvios e agressões, os crimes, são antes de tudo atos políticos que refletem ou insuficiências na compreensão da linha ou oposição à linha. Neste quadro a denúncia e crítica públicas constituem lições políticas que nos educam e educam também aquele que violou a linha.


É por esta razão que nos opomos de maneira geral aos julgamentos secretos ou à preocupação imediata com a elaboração de códigos penais e disciplinares. O julgamento secreto quando introduzido como sistema impede as massas de exercerem o seu Poder e abre o caminho para abusos eventuais. Os códigos por seu lado tendem a congelar a evolução dinâmica e o processo de transformação constante em que nos engajamos, podem por isso facilmente despolitizar e burocratizar a justiça.


A democracia militar é assegurada pela participação de todos na sintetização das nossas experiências de combate, no estudo coletivo do conjunto do nosso país e do inimigo, nas lições tiradas em comum sobre cada ação, na discussão constante sobre os métodos para estendermos a luta armada a novas zonas e consolidar a nossa retaguarda.


A democracia econômica insere-se diretamente no nosso combate pela liquidação do sistema de exploração do homem.


Asseguramos a democracia econômica abolindo primeiramente o poder das companhias e das classes exploradoras coloniais-capitalistas, ou tradicionais-feudais. Impedindo que estas classes explorem os trabalhadores, criamos as bases da democracia econômica.


O nosso trabalho de mobilização e organização das massas na transformação da produção individual ou familiar em produção coletiva consolida o processo da democracia econômica. Com efeito, agindo assim impedimos que a produção individual ou familiar degenere em propriedade exploradora originando classes de novos exploradores. Simultaneamente tornamos concreto o princípio justo de que todas as riquezas do nosso país e o nosso esforço pertencem à coletividade, servem a coletividade e destinam-se a desenvolver e melhorar as condições de vida e o bem estar do Povo.


Neste quadro, o trabalho, a participação na produção não só é um dever como também um direito de todos e cada um.


Para a Revolução não há desempregados, inúteis ou inválidos, talentos que não possam ser utilizados. Todos têm o dever e o direito de participarem na luta coletiva pela transformação da sociedade e pela utilização dos recursos da natureza em proveito da coletividade. A participação na produção une-nos à nossa classe, e a recusa de participação na produção exprime uma oposição à nossa linha e um apoio aos exploradores.


A discussão coletiva sobre os métodos de aumentar, diversificar é melhorar a nossa produção, a síntese constante e coletiva das nossas experiências positivas e negativas, a decisão tomada em comum sobre o método de repartição dos frutos da produção tendo em conta as necessidades quer da guerra, quer da elevação do nível de vida das largas massas, garantem o desenvolvimento da democracia econômica.


Dentro deste quadro compreendemos que manifestações de preguiça no nosso seio, a falta de respeito pelos bens do Povo e da Organização, constituem atentados graves contra a nossa linha política de democracia econômica, expressões dum espírito de parasita, espírito de explorador.


O processo e a experiência da democracia é novo no nosso país. O nosso Povo, porque sempre viveu sujeito à dominação das diversas classes exploradoras, nunca conheceu a democracia real.


A revolução trouxe a democracia, ela afirma-se já a diversos níveis: político, econômico, militar. Ela é exercida ainda no quadro das estruturas da Organização. Importa na fase presente alargarmos o campo da sua aplicação, materializando assim ainda mais o princípio de que o Poder pertence às massas trabalhadoras.


Dentro deste quadro, uma necessidade importante, que corresponde à consolidação do Poder nas zonas libertadas, é a de progressivamente, começando dos escalões inferiores, ir generalizando o sistema de eleições para a designação dos responsáveis civis da população, por outras palavras, criarmos verdadeiras estruturas democráticas de base do Poder administrativo.


É evidente que as eleições não podem ser anárquicas, mas têm de ser orientadas de maneira a que a escolha das massas recaia nos elementos que assumiram na ideia e comportamento a linha do Partido, possuam capacidade de iniciativa e de organização.


Importa por isso exercer uma grande vigilância para impedir que sejam eleitos elementos com tendências exploradoras, embora gozando de popularidade — por razões subjetivas ou ações demagógicas.


Velhos e jovens, homens e mulheres, igualmente devem participar na escolha e devem aparecer no exercício das responsabilidades lutando contra a tendência arcaica de discriminar a mulher e os jovens.


Devemos compreender que na medida em que a revolução se desenvolve e se consolida e a vida se reorganiza, uma divisão de tarefas cada vez mais nítida se estabelece entre a organização política, a administração e as estruturas militares.


A associação cada vez maior de representantes eleitos das populações às tarefas de administração das mesmas, fomenta a iniciativa das massas e habitua as massas à vida democrática, cria um sentido de responsabilidade coletiva, leva as massas a exercerem o poder.



Em definitivo, na fase final, a tarefa do Partido político é dirigir, organizar, orientar e educar as massas; a tarefa das estruturas administrativas é pôr em prática as decisões nos diferentes campos da vida econômica e social, enquanto que a tarefa da estrutura militar é apoiar as massas e protegê-las, expulsar o inimigo da Pátria, defender a Pátria e participar ativamente na sua reconstrução.


O Partido dirige e orienta a reorganização da vida das massas e a reconstrução nacional, como orienta e dirige o exército, definindo-lhe os alvos, educando a consciência. O exército cria as condições para libertar o Povo e a terra. A administração, ela põe em aplicação as diretrizes sobre a reconstrução nacional.


Na fase atual em que aumentam e se diversificam as tarefas da administração, importa progressivamente irmos democratizando os métodos do trabalho e de designação de responsáveis.


Os nossos métodos de trabalho não são secundários, pois que são eles quem materializa a aplicação das decisões.


Para um órgão de direção trabalhar com as massas necessita que esteja unido.


Quando existem contradições num órgão de direção nasce o boato, a intriga e a calúnia. Cada facção procurará mobilizar apoio para a sua corrente, dividindo as massas. Quando estamos desunidos, dividimos as massas e os combatentes, conduzimos a base a perder confiança na direção, a desmobilizar-se e tornar-se inativa, abrimos brechas por onde o inimigo penetra. Finalmente dividimos os nossos amigos.


Para estarmos unidos e unirmos as massas, devemo-nos conhecer bem.


Conhecermo-nos bem é sabermos que estamos corretos na ideia e no comportamento, e quando há algo de incorreto, estarmos prontos a assumir a responsabilidade, submetendo-nos à crítica e autocrítica.


A unidade no seio da direção, à volta da linha correta seja a que escalão for, é a força motriz do setor e condição para o sucesso da tarefa.


Da mesma maneira que uma pessoa se deve alimentar diariamente a fim de que o seu corpo se encontre em condições propícias para aguentar as tarefas e dificuldades, assim também a unidade se alimenta diariamente.


A vida coletiva, o trabalho coletivo, o estudo em conjunto, a crítica e autocrítica, a ajuda mútua, são alimentos, os sais e vitaminas da unidade.


Os membros da direção não devem ter vidas separadas uns dos outros, cada um ter uma vida própria e só se juntarem no momento em que há reuniões. Os membros duma direção, tendo em conta é claro as tarefas de cada um e as deslocações necessárias, devem esforçar-se por viverem juntos, conhecendo-se assim melhor no quotidiano, apreendendo as deficiências de cada um, para melhor se corrigirem mutuamente. Trabalharem juntos, produzirem juntos, suarem juntos, juntos sofrerem os rigores da marcha, juntos superarem as dificuldades do inimigo, da natureza, cria laços fortes de amizade e respeito mútuo. O que nos liga não são palavras, mas muitas ações que vivemos juntos servindo o Povo, liga-nos uma unidade irrigada pelo suor e sofrimento, fertilizada pelo sangue.


Assim, quando sentimos que um companheiro está atrasado, vamo-nos esforçar por fazê-lo avançar.


Temos que compreender que a ignorância de um é um ponto fraco coletivo e afeta o trabalho de todos.


Como podemos aceitar por exemplo, que o nosso companheiro continue analfabeto, sem falar português? Será necessário, para alfabetizarmos esse camarada, para lhe ensinarmos português, que se reúna o Comitê Central e vote uma resolução sobre isso?


O ponto fraco de um nunca pode servir de ponto forte para ninguém, o ponto fraco de um, o erro de um dificulta o trabalho de todos, prejudica a nossa tarefa, enfraquece a coletividade.


A nossa preocupação é de avançar como as vagas do mar, avançar em conjunto, não deixar outros atrasados e ignorantes cometendo erros.


Organizar o estudo político, científico e literário para em conjunto assumirmos a situação e dispormos da técnica capaz de nos ajudar a superar as dificuldades.


Utilizar com frequência a crítica e autocrítica, tanto para retificar os métodos de trabalho, como para corrigir os erros e desvios individuais.


Mas não fazer da crítica e autocrítica uma rotina religiosa, uma espécie de confessionário em que dizemos os pecados, somos absolvidos, recebemos uma penitência e preparamo-nos para repetir as mesmas situações.


Combatermos energicamente o espírito de vitória, a autossatisfação. Nada mais ridículo e falso do que ouvir um camarada dizer que “tudo está bem, a situação é boa”.


Afirmações como esta mostram autossatisfação e rotina, como demonstram falta de análise, incapacidade para detectar as deficiências e organizar o combate contra elas.


A falta de análise e estudo conduz à ignorância dos problemas e à hesitação perante as situações concretas, e um vacilante não pode ter autoridade perante as massas.


Um elemento não é responsável, não é dirigente, apenas porque foi eleito ou designado para executar uma tarefa.


A verdadeira autoridade que faz um dirigente, é a autoridade política.


Quando um dirigente não possui a confiança dos seus companheiros e as massas, ou tendo-a possuído perdeu-a, cai na autoridade administrativa, no autoritarismo.