"Partir da realidade da nossa terra: ser realistas"
A Realidade
Outro problema que podemos passar a discutir é o seguinte princípio do nosso Partido: Nós avançamos para a nossa luta seguros da realidade da nossa terra (com os pés fincados na terra).
Quer dizer, em nosso entender não é possível fazer uma luta nas nossas condições, não é possível lutar de facto pela independência de um povo, não é possível estabelecer de facto uma luta armada como a que tivemos que estabelecer na nossa terra, sem conhecermos a sério a nossa realidade e sem partirmos a sério dessa realidade para fazer a luta.
Qual é a nossa realidade?
A nossa realidade, como todas as outras realidades, tem aspectos positivos e aspectos negativos, tem forças e tem fraquezas.
Qualquer que seja o lugar onde tenhamos a nossa cabeça, os nossos pés estão fincados no chão da nossa terra, na Guiné e Cabo Verde, na realidade concreta da nossa terra, que é o facto principal que pode orientar o trabalho do nosso Partido.
Há gente no mundo que pensa que a realidade depende da maneira como o homem a interpreta. A realidade, coisas que se veem, que se tocam, que se sentem, o mundo que está á volta de cada ser humano, para essa gente é o resultado daquilo que o homem tem na cabeça. Há outras pessoas que pensam que a realidade existe e o homem faz parte da realidade. Não é o que ele tem na cabeça que vai determinar a realidade, mas é a própria realidade que determina o homem. O homem é parte da realidade, o homem está dentro da realidade e não é aquilo que se tem na cabeça que determina a realidade. Pelo contrário, a própria realidade em que o homem vive é que determina as coisas que o homem tem na sua cabeça.
Os camaradas podem perguntar: Qual é a nossa posição, do PAIGC, em relação a essas duas opiniões? A nossa opinião é a seguinte: O homem é parte da realidade, a realidade existe independentemente da vontade do homem, e o homem, na medida em que adquire consciência da realidade, na medida em que a realidade influencia a sua consciência, cria a sua consciência, ele pode adquirir a possibilidade de transformar a realidade a pouco e pouco. Esta é que é a nossa opinião, digamos, o princípio do nosso Partido, sobre as relações entre o homem e a realidade.
Uma coisa muito importante numa luta de libertação nacional é que aqueles que dirigem a luta nunca devem confundir aquilo que têm na cabeça com a realidade. Pelo contrário, quem dirige uma luta de libertação nacional deve ter muitas coisas na cabeça, cada dia mais, tanto a partir da própria realidade da sua terra, como da realidade doutras terras, mas ele deve medir, fazer planos, respeitando a realidade e não aquilo que tem na cabeça. Isso é muito importante, e o facto de não o respeitar tem criado muitos problemas na luta de libertação dos povos, principalmente em África.
Eu posso ter a minha opinião sobre vários assuntos, sobre a forma de organizar a luta, de organizar um Partido, opinião que aprendi, por exemplo, na Europa, na Ásia, até mesmo talvez noutros países de África, nos livros, em documentos que li, com alguém que me influenciou. Mas não posso pretender organizar um Partido, organizar uma luta de acordo com aquilo que tenho na cabeça. Tem que ser de acordo com a realidade concreta da terra.
Podemos dar muitos exemplos. Claro que não podemos pretender, por exemplo, organizar o nosso Partido de acordo com os partidos da França ou de qualquer país da Europa, ou mesmo da Ásia, com a mesma forma de Partido. Começámos um bocado assim, mas aos poucos tivemos que mudar para nos adaptarmos à realidade concreta da nossa terra. Outro exemplo: no começo da nossa luta, estávamos convencidos de que, se mobilizássemos os trabalhadores de Bissau, de Bolama, de Bafatá para fazerem greves, para protestarem nas ruas, para reclamarem na Administração, os tugas mudariam, nos dariam a independência. Mas isso não é verdade. Em primeiro lugar, na nossa terra, os trabalhadores não têm tanta força como noutras terras. Não é uma força tão grande do ponto de vista económico, porque na nossa terra é fundamentalmente no campo, que reside a grande força Econômica. Mas no campo era quase impossível fazer greves, dadas as condições da situação política do nosso povo, da sua consciência política, e até dos seus interesses imediatos. Era impossível fazer o nosso povo parar de cultivar aquelas coisas que os colonialistas estavam a explorar. Além disso, o tuga, nosso inimigo colonialista, não é como nós, que temos um certo respeito por certas coisas. Às greves e às manifestações, os tugas responderam caindo em cima de nós para matar todos, para acabar com tudo.
Assim, tínhamos que adaptar a nossa luta a condições diferentes, à nossa terra, e não fazer como se fez noutras terras.
E muitas outras coisas mostram claramente que é preciso ter em conta de facto a realidade concreta da terra, para fazer a luta. Mesmo na questão da mobilização, preparação de gente, etc., tivemos que considerar o problema na Guiné duma maneira e em Cabo Verde doutra maneira.
Porque no caso da Guiné, podemos estar ou na República da Guiné ou no Senegal, ir e vir. Em Cabo Verde já é mais difícil porque está no meio do mar, temos que arranjar um outro processo para garantir melhor a luta, para não haver necessidade de muito vai e vem. E na evolução da luta, mais tarde, quando começarmos a luta armada em Cabo Verde, tem que ser uma luta armada feita duma maneira um bocado diferente da Guiné. Porque não podemos pôr o problema como, por exemplo, em 1962, na nossa terra, em que os nossos camaradas estavam muito afrontados (fronta) no mato — ainda não tínhamos armas — e nós demos ordens para saírem todos os quadros. E saíram mais de 200 quadros para evitar muitas desgraças. Até que depois entrámos de novo e avançámos com a luta. Em Cabo Verde não podemos fazer isso, fazer muita gente sair rapidamente.
Temos que considerar em cada caso concreto, a realidade concreta. Mesmo na Guiné, por exemplo: cometemos um erro grave na nossa análise antes da luta, embora tivéssemos tomado em atenção bastante as condições de vida do povo balanta, do povo fula, do povo mandinga, do povo papel... e qual a sua posição na luta. Tivemos em atenção os pequeno-burgueses, os trabalhadores assalariados, empregados de balcão, empregados do porto... e qual a sua posição na luta, descendentes de cabo-verdianos e qual a sua posição na luta. Tomámos tudo isso em atenção, mas cometemos um erro grande. É que não tomámos bem em consideração a situação dos chefes tradicionais, dos régulos (fulas, manjacos), esses dois sobretudo. Não o tomámos bem em atenção, porque partimos do princípio seguinte: eles (os seus grandes) anteriormente lutaram contra os tugas, foram vencidos, portanto devem ter vontade de lutar outra vez. Foi um erro; enganámo-nos.
Devemos considerar que aprendemos a fazer a luta à medida em que fomos avançando (no caminho). A luta no litoral da nossa terra é uma, entre os manjacos é outra, no Oio tem que ser de outra maneira. Há muitas diferenças. Por exemplo, os homens grandes mandingas: temos que ver a maneira de lidar com eles, não da mesma maneira que tratamos com os homens grandes balantas. Mas em Gabú tivemos que fazer a luta duma maneira completamente diferente. Se compararmos a luta em Gabú com a luta no Sul da nossa terra, são duas lutas como se se tratasse de duas terras diferentes.
É preciso realismo, considerar a realidade concreta. Mesmo na questão de certas coisas que estão a avançar aos poucos. No começo, os homens não queriam reuniões com as mulheres. Passo a passo, não forçámos, enquanto noutras áreas as mulheres entraram logo nas reuniões, sem problemas. Nós temos que ter consciência da realidade, não só da realidade geral da nossa terra, mas das realidades particulares de cada coisa, para podermos orientar a luta corretamente. Os responsáveis ou dirigentes que têm esse sentido da realidade em consideração, que não pensam que a verdade é aquilo que têm na cabeça, mas que a verdade é aquilo que está fora da sua cabeça, só esses é que podem orientar bem o seu trabalho de militantes, de responsáveis, numa luta como a nossa. Infelizmente, devemos reconhecer que muitos camaradas tomaram responsabilidades nesta luta sem considerar esse fator, embora nós sempre tenhamos dito isso.
Mas a realidade não é nenhuma coisa que existe ela só, por exemplo: o nosso camarada Manuel Nandigna é uma realidade, é um fato real. Mas ele não pode existir sozinho, ele só não é nada, uma realidade nunca está isolada de outras realidades. Qualquer que seja a realidade que considerarmos no mundo ou na vida, por mais pequena ou por maior que seja, ela faz sempre parte de outra realidade, está integrada noutra realidade, está influenciada por outras realidades, que também têm influência noutras ou doutras realidades. Tanto a nossa terra, Guiné e Cabo Verde, como a nossa luta, fazem parte de uma realidade maior que essa, e é influenciada e influencia outras realidades no mundo. Por exemplo, se considerarmos a realidade da Guiné e a realidade de Cabo Verde: primeiramente, existe já uma realidade maior, Guiné e Cabo Verde.
Mas essa realidade está dentro da realidade da África Ocidental; com os nossos dois países vizinhos ainda mais perto; podemos alargar um bocadinho mais, com os nossos dois países vizinhos primeiro, com a África Ocidental depois, e com a realidade da África toda e com a realidade do mundo, embora haja outras realidades entre estas.
Quer dizer, a nossa realidade, para nós, está no centro duma realidade complexa, porque é a que mais nos interessa. Para outras gentes não seria assim, ela estaria noutro lado qualquer, e a realidade central seria a delas. Mas mesmo que a consideremos no centro, a nossa realidade não está isolada, não está só. Em muitas coisas que temos de fazer, temos que pensar antes que estamos integrados noutras realidades. Isso é muito importante para não cometermos erros.
Suponhamos a posição dum corpo do nosso Exército num lado qualquer. Ele não pode agir nunca como se fosse uma realidade isolada, tem que agir sempre como integrado num Exército do PAIGC, integrado na luta do povo da Guiné e Cabo Verde. Se agir assim, está a agir bem, se não agir assim, está a agir mal. Um comissário político, por exemplo, de Quinara ou de qualquer outro lado, por exemplo S. João, tem que agir sempre como integrado em Quinara, mas não só em Quinara, no Sul, em todo o Sul, e não só aí, na Guiné inteira, e não só aí, na Guiné e Cabo Verde juntos. Temos que ter em cada momento a parte e o conjunto. Só assim é que podemos agir bem, mas infelizmente a tendência de muitos camaradas é fazer da sua realidade a única realidade que existe, esquecendo-se do resto. A tal ponto que é possível encontrar, por exemplo, camaradas numa determinada área que sabem que os camaradas doutra área não têm munições e não são capazes de mobilizar a sua gente para levar as munições. Isso mostra a nossa falta de consciência de ver a nossa própria realidade, e como é que estamos integrados numa realidade maior, que nós próprios criámos, mas que não temos ainda plena consciência dela.
Além disso, temos que contar com a realidade dos outros. Dentro da nossa terra, por exemplo, o trabalho de um comissário político pode ser muito bom, suponhamos em Sara. Mas se no Oio, em Biambi, ou na área de Bafatá, o trabalho político não é bom, o trabalho em Sara não avança tanto.
Um corpo do nosso Exército, suponhamos, de Canchungo, ou da área de Nhacra, pode lutar bastante, atacar os tugas todos os dias. Mas se, noutras áreas, outras unidades do nosso Exército não lutam bastante, o sacrifício e as vitórias de Nhacra ou de Canchungo não têm o devido valor.
Mas para nós ainda há mais: se a luta na Guiné avançar muito, mas a luta em Cabo Verde não avançar nada, mais dia menos dia prejudicamos a luta na Guiné grandemente. Basta dizer o seguinte, do ponto de vista estratégico: não pode haver paz na Guiné se os tugas tiverem bases aéreas em Cabo Verde, é impossível. Se libertamos totalmente a Guiné, por exemplo, os tugas podem bombardear-nos com bases aéreas instaladas em Cabo Verde. Podem conseguir muitos mais aviões e a África do Sul, que tem interesses em Cabo Verde, pode fornecer-lhes grande quantidade. Temos que estudar a possibilidade de levar para a frente estas duas realidades ao mesmo tempo, como uma realidade de conjunto, uma só realidade.
Mas se nós, na Guiné e em Cabo Verde, lutarmos muito, e os povos de Angola e Moçambique não lutarem nada, se porventura os tugas pudessem tirar todas as tropas de Angola e Moçambique e mandá-las para a nossa terra, não sei quando conquistaríamos a nossa independência, porque os tugas iriam morar em todas as nossas tabancas. Seriam tantos que poderiam ocupar todas as tabancas e lavrar o arroz. Estamos a ver, portanto, que a realidade da nossa luta faz parte da realidade da luta das colónias portuguesas, que nós queiramos ou não; não é uma questão da vontade, não que eu decidi isso, nem o Bureau Político do Partido, não foi nenhum de vocês que decidiu. Que nós queiramos ou não, é assim. Essa é que é a força da realidade. Tudo está é no seguinte: termos consciência disso, trabalharmos para podermos caminhar todos juntos, como deve ser. É a única coisa que pode explicar a política do nosso Partido, a teimosia do nosso Partido com a CONCP, quer dizer, com o grupo dos movimentos das colónias portuguesas, no seu conjunto. Porque nós sabemos o que é a realidade. Nós mesmos, tivemos uma grande influência na criação da FRELIMO, movimento de Moçambique, porque era preciso lutar em Moçambique e depressa.
Mas nós podemos lutar em todas as colónias portuguesas e até ganhar a nossa independência, mas se o racismo continuar na África do Sul, com os colonialistas a mandar ainda, direta ou indiretamente, em muitas terras de África, não podemos acreditar numa independência a sério em África. Mais dia menos dia a desgraça virá de novo. Portanto, nós fazemos parte de uma realidade concreta que é a África, lutando contra o imperialismo, contra o racismo, contra o colonialismo. Se não temos consciência disso, podemos cometer muitos erros.
E mesmo do lado da nossa terra, olhando para a República de Guiné e o Senegal, com Cabo Verde à frente, no meio do mar, tendo em frente a Mauritânia, o Senegal, a Guiné. Nós constituímos um conjunto em que as partes estão dependentes umas das outras. Por exemplo, a nossa luta depende muito da República de Guiné e do Senegal também. Desde o princípio realizámos a importância que tinham para nós a República da Guiné e o Senegal. Nós orientámos toda a nossa luta no sentido de avançarmos com eles, de criar condições favoráveis para beneficiar das consequências dessa realidade. Mas é preciso termos consciência do seguinte: é que tanto a República da Guiné como o Senegal têm consciência de que a nossa realidade também é importante para a sua realidade, e dessa consciência depende a maior ou menor ajuda que eles possam dar. Porque cada um deles deve pensar: — Quem é que amanhã vai mandar naquela terra? Isso é importante para nós ou é contra o nosso interesse? É todo um problema. Mas os tugas têm também a noção clara disso. Ainda há dias, por exemplo, eu fui à Mauritânia, e todos as rádios do mundo disseram que tive conversações com o presidente Ould Dadah, que fui muito bem recebido, etc. Imediatamente, os tugas desencadearam uma campanha na sua Rádio, a África do Sul também desencadeou por seu lado outra campanha, dizendo que eu fui à Mauritânia para estabelecer uma base para atacar Cabo Verde. E que já disseram há muito tempo que o nosso objetivo é prejudicar o pacto do Atlântico. Vocês veem, portanto, como é que todas as realidades têm uma relação. Mas todos nós, em África, fazemos parte de uma realidade — do Mundo — que tem todos os problemas que vocês conhecem e, queiramos ou não, estamos metidos nesses problemas.
Hoje, o homem passeia na lua, colhendo os pedaços do solo da lua para trazer para a Terra. Parece que isso não tem nada a ver conosco, filhos da Guiné e Cabo Verde. Nós ainda estamos com os pés na lama para tirar os tugas da nossa terra. Mas tem uma grande importância para a nossa causa amanhã, e se não estivéssemos nesta luta difícil, devíamos fazer uma festa grande pelo facto de o homem ter chegado à lua. Isso é muito importante para o futuro da humanidade, da nossa Terra, deste planeta onde vivemos.
A realidade dos outros tem interesse para nós, portanto. A experiência dos outros também. Se eu souber que um de vocês saiu por um dado caminho, tropeçou por todos os lados, magoou-se, e chegou todo quebrado, e se eu tiver de ir pelo mesmo caminho, tenho que ter cuidado, porque alguém já conhece a realidade desse caminho e eu conheço a sua experiência. Se houver outro caminho melhor eu procuro segui-lo, mas se não houver, então tenho de apalpar com todo o cuidado, arrastando no chão se for preciso. A experiência dos outros tem grande importância para quem faz uma experiência qualquer. A realidade dos outros tem grande importância para a realidade de cada um. Muita gente não entende isso, pega na sua realidade com a mania de que vão inventar tudo: “Eu não quero fazer o mesmo que os outros fizeram, nada que os outros fizeram”. Isso é uma prova de grande ignorância. Se queremos fazer uma coisa na realidade, temos que ver quem é que já fez igual, quem fez parecido, quem fez ao contrário, para podermos adquirir alguma coisa da sua experiência. Não é para copiar totalmente, porque cada realidade tem os seus problemas próprios e a solução própria para esses problemas.
Mas há muitas coisas que pertencem a muitas realidades juntas. É preciso que a experiência dos outros nos sirva, temos que ser capazes de tirar da experiência de cada um aquilo que podemos adaptar às nossas condições, para evitar esforços e sacrifícios desnecessários. Isso é muito importante. Claro que dentro da nossa luta é a mesma coisa. Um bom comissário político, por exemplo está a trabalhar, outro comissário político está ao lado, mas não se interessa pelo trabalho do primeiro, não procura conhecer a sua experiência, não procura saber por que é que ele está a trabalhar bem. Vira as costas e vai sozinho fazer o seu trabalho. Um comandante está numa área, outros comandantes estão na mesma área, mesmo de nível mais baixo do que ele, mas não são capazes de trocar impressões com ele, não são capazes de lhe perguntar a maneira de resolver certos problemas, porque ele tem mais experiência, ele já viveu mais a luta. Mas não querem saber. Esses são os destruidores da luta. Claro que, para uma luta como a nossa, é preciso ligar a realidade com o desenvolvimento da luta. Ontem falámos bastante sobre certas contradições da nossa terra, tanto na Guiné como em Cabo Verde, no plano social.
Para desenvolvermos a nossa luta tivemos que considerar a realidade geográfica da nossa terra, a sua realidade histórica, a sua realidade étnica, quer dizer, de raças, de culturas; a realidade Econômica, social e cultural. E tudo isso envolvido pela realidade maior a nossa terra, no plano da luta, que é a realidade política, quer dizer: nós estamos sob a dominação colonial portuguesa, tanto na Guiné como em Cabo Verde.
Realidade Geográfica
Os camaradas conhecem, em geral, a realidade geográfica da nossa terra. Nós somos uma terra pequenina, ao todo cerca de 40.000 Km2, incluindo Guiné e Cabo Verde, sendo a Guiné nove vezes maior que Cabo Verde que são 10 ilhas na costa ocidental da África, encravado entre dois países africanos (a Guiné e o Senegal) e Cabo Verde, a cerca de 400 milhas da costa. Portanto, a nossa realidade é que nós temos uma parte continental e uma parte insular ou ilhas, constituída pelos ilhéus dos Bijagós e ilhas de Cabo Verde, formando ao todo mais de 100 ilhas e ilhéus.
Muita gente hoje talvez ainda não tenha compreendido a importância que isso tem, mas isso é muito importante para todas as coisas da nossa terra. Desde a defesa da nossa terra até à economia e riqueza e força da nossa terra. A nossa realidade geográfica, ainda, é que a Guiné na sua quase maioria, não tem nenhuma montanha, nenhuma elevação, (só para os lados do Boé é que tem algumas colinas, com o máximo de 300 metros de altura) e Cabo Verde são ilhas vulcânicas e montanhosas. Mesmo nesse aspecto vemos que um completa o outro. Uma terra não tem nenhuma montanha e a outra é toda de montanhas. Isso também tem grande importância, não só na sua economia, como na vida social, cultural etc., que podemos encontrar na vida do nosso povo.
Na Guiné, terra cortada por braços de mar, que nós chamamos rios, mas que no fundo não são rios: Farim só é rio para lá de Candjambari; o Geba só é rio de Bambadinca para cima e por vezes mesmo para lá de Bambadinca há água salgada Mansoa só é rio depois de Mansoa para cima, já a caminho de Sara, perto de Caroalo; Buba, esse não é rio de lado nenhum, porque até chegarmos a terra seca, é só água salgada; Cumbidjã, Tombali, são todos braços de mar, a não ser na parte superior com um bocadinho de água doce na época das chuvas, sobretudo o rio de Bedanda, que vem a Balama buscar água doce. O único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal. Esta é uma realidade muito importante para nós, porque se, por um lado, temos muitos portos para entrar na nossa terra, com barcos, por outro lado podem ver o perigo que isso representa para nós.
Se a nossa terra fosse toda fechada, com as andanças todas em que estamos nesta luta, o tuga já estava desesperado porque os quartéis não tinham comida. Mas como eles têm barcos e a nossa gente não ataca bastante os barcos, eles podem usar os braços de mar para levar comida e material aos seus quartéis do interior.
Enquanto, por exemplo, do ponto de vista económico, é muito importante e mesmo bom, ter rios ou braços de mar navegáveis. Isso do ponto de vista do futuro da nossa terra. Para a luta propriamente, podemos ver a importância que teve para nós considerar todas essas coisas para podermos desenvolver nossa luta. Se no começo da luta era muito bom haver muitos rios na nossa terra, muitos braços de mar, riozinhos, etc., porque assim isolámo-nos, podemos defender-nos sempre dos tugas, criar-lhes dificuldades com terrenos molhados, ter que atravessar os rios etc., hoje, para nós, já é um bocado mais difícil, porque se Bissau estivesse no Continente, se não houvesse a ilha de Bissau, se não fosse o Corubal se o rio Mansoa não estivesse do outro lado, já estávamos dentro de Bissau, todos os dias daríamos tiros em Bissau como o fazemos em Mansoa, por exemplo. Mas, por isso, agora é favorável aos tugas; assim como é favorável aos tugas o rio de Buba que serve bem para os seus barcos. Em Farim é a mesma coisa. Vocês veem, portanto, a importância que tem considerar essa coisa simples que é a realidade geográfica.
Quem leu os livros de guerrilha lembra-se de certeza da afirmação de que maior força física para se poder fazer guerrilha numa terra, são as montanhas. Mas na Guiné não há montanhas. Se nós não ligarmos importância à nossa própria realidade, para a analisarmos e chegarmos à conclusão de como agir, nós teríamos dito que na Guiné não se pode fazer guerrilha, porque não há montanhas. Cabo Verde tem montanhas, isso é muito importante, mas que espécie de montanhas?
É preciso ter isso em conta e, além disso, só as montanhas não bastam. Não são as montanhas que dão tiros, é preciso mobilizar o povo. Na Guiné por exemplo, temos as ilhas de Bijagós. E porque é que não começámos a luta nas ilhas de Bijagós e começámos do outro lado, na terra firme? É por causa duma outra realidade, a realidade Econômica.
Em Cabo Verde temos um problema grave. Se Cabo Verde fosse uma ilha só, como Chipre, ou como Cuba, seria mais fácil, mas são 10 ilhas. E então temos de pensar em qual das ilhas é que vamos começar a luta armada, para ela ter importância de facto. E mesmo a mobilização, em que ilha ou ilhas é que devíamos começar a mobilização? Tudo isso teve e tem muita importância.
Problemas de comunicação de onde estamos para as ilhas, entre as ilhas, etc. Tudo isso é consequência da realidade geográfica da nossa terra.
Realidade Econômica