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Marx: "O direito de arrendamento irlandês"


Os debates entorno do movimento de Senhor Stanley, relativos para a Índia, iniciados em 23, que continuaram em 24 e logo foram adiados para a corrente de 27, ainda não foram terminados. Quando chegarem a um término, me proponho a resumir minhas observações sobre a questão indiana.

Como o Ministério de Coalisão depende do apoio do partido irlandês, e que como os outros partidos que compõe a Câmara dos Comuns se equilibram tão bem uns nos outros, os irlandeses podem fazer que a qualquer momento a balança incline-se para o lado que os favoreçam, por fim, eles farão algumas concessões aos arrendatários irlandeses. O “Projeto de lei sobre os direitos que emanam do arrendamento” (na Irlanda), votado pela Câmara dos Comuns na sexta-feira passada, contêm uma cláusula em virtude da qual, pelos melhoramentos feitos no terreno e pelos feitos longe deles, o arrendatário deve receber uma compensação em metal ao terminar o contrato, concedendo ao arrendatário que entra, a liberdade de ser levado em conta a fixação dos preços, enquanto que, no que diz respeito a bonificação da terra, a compensação deve estar acordada entre o proprietário e o arrendatário.

Logo que um arrendatário investe seu capital no terreno de uma forma ou de outra e faz assim diretamente um melhoramento no solo, seja este por irrigação, drenagem ou esterco, ou de forma indireta pela construção dependências para fins agrícolas, vem o proprietário e pede uma renda mais alta. Se o arrendatário aceitar, pagará com a receita de seu próprio dinheiro ao proprietário. Se ele resistir, será expulso sem questionamentos e substituído por outro arrendatário que possa pagar uma renda mais alta pelos gastos de seus antecessores, até que ele, por sua vez, bonifique a terra e seja substituído da mesma forma ou colocado em situações piores. Por este simples procedimento, a classe dos latifundiários absentistas tem a possibilidade de embolsar não só o trabalho, mas também o capital de gerações inteiras, fazendo com que cada geração de camponeses desça um grau na escala social na mesma proporção dos esforços e sacrifícios feitos para elevar suas condições e a de suas famílias. Se o inquilino estava trabalhando e empreendendo, ele foi taxado pela sua diligência e pelo seu espírito de empreendedor. Se pelo contrário, ele se manter inerte e negligente, reprovam suas “faltas por sua origem e pela sua raça celta”. Por consequência, não lhe restará outra alternativa senão cair na miséria, não por sua diligência, mas por sua negligência. Para remediar tal estado de coisas, se proclamou na Irlanda o “direito do arrendatário”, que não dava a este direito a terra, mas as melhorias feitas na terra e custeadas por ele. Vejamos como o Times [1] procura demolir em seu artigo de fundo do sábado este “direito do arrendatário” irlandês.

“Existem dois sistemas gerais de arrendamento: bem o arrendatário pode usar a terra por um número fixo de anos, como pode pôr fim ao contrato a qualquer momento, depois de um aviso prévio. No primeiro caso é óbvio que ajustará e distribuirá seus gastos de maneira que receba quase todo o benefício antes que termine o contrato. No segundo caso é igualmente óbvio que não deverá correr o risco de investir sem ter segurança suficiente de obter uma recompensa”.

Os latifundiários vão fazer negócios com uma classe de grandes capitalistas que podem investir seu dinheiro no comércio, na indústria ou na agricultura, o que lhes parecer melhor, não resta dúvida que estes arrendatários capitalistas escrevem contratos de longo prazo ou sem determinar prazo algum, sabem como assegurar uma remuneração “apropriada” de seus gastos. Mas com relação a Irlanda, a hipótese é uma pura ficção. Por um lado, temos uma classe pouco numerosa que monopoliza a terra, mas por outro lado, existe uma classe muito numerosa de arrendatários com ínfimas fortunas, que não tem oportunidade de investi-las de outra maneira nem tem outro campo de produção aberto a não ser a terra. Por isso veem-se forçados a tornarem-se arrendatários, aceitando contratos sem prazo fixo (tenants at will). Como tais arrendatários, naturalmente correm o risco de perder seus rendimentos a menos que invistam seu pequeno capital. E se o investem para assegurar sua renda, correm também o risco de perder seu capital.

Talvez – prossegue o Times – pode-se dizer que em todo caso um arrendamento dificilmente expirará sem que haja se feito algo no terreno, que de uma forma ou outra, represente propriedade do arrendatário e deva ser recompensada. Existe certa verdade na réplica, mas a questão assim originada, deveria, nas condições sociais convenientes, ser facilmente regulada entre o latifundiário e o arrendatário, pois, em qualquer caso, pode ser objeto da estipulação apropriada no contrato original. Dizemos que as condições sociais devem regular estas relações, porque acreditamos que nenhum ato do Parlamento pode substituir fatores semelhantes”.

Verdadeiramente, “em condições sociais convenientes” não teríamos a menor necessidade de intervenção parlamentar nos arrendamentos irlandeses, do mesmo modo que “em condições sociais convenientes” não teríamos a necessidade da intervenção do soldado, da polícia ou do carrasco. A legislação, a magistratura e as forças armadas são frutos das más condições sociais, que impedem os arranjos entre os homens, arranjos que fariam inúteis as intervenções violentas de um terceiro poder supremo. Terá se convertido o Times em um revolucionário social? Quer uma revolução social que organize as “condições sociais” e os arranjos que emanam delas no lugar de “atos do Parlamento”? A Inglaterra tem subvertido as condições da sociedade irlandesa. Tem confiscado primeiro a terra, suprimido logo a indústria por “atos do Parlamento” e tem anulado, por último, a energia ativa do povo pelas forças armadas. E assim tem criado estas abomináveis “condições sociais” que permitem a uma reduzida casta de pequenos senhores rapazes de ditar cláusulas ao povo irlandês, em virtude das quais se leva a permitir o usufruto da terra e viver nela. Ainda demasiado débil para revolucionar estas “condições sociais”, o povo apela ao Parlamento para pedir que apazigue e pelo menos regule. Mas, “não” – disse o Times –, “se você não vive as condições sociais convenientes, o Parlamento não pode remedia-lo”. E se o povo irlandês, seguindo o conselho do Times, amanhã tentar remediar suas condições sociais, o Times seria o primeiro a chamar as baionetas e estender em denúncias sanguinárias das “faltas originais da raça celta”, a qual necessita do gosto anglo-saxão do progresso pacífico e das melhorias legais.

“Se um latifundiário – diz o Times – prejudica intencionalmente a um arrendatário, será muito mais difícil a ele encontrar outro, e como sua ocupação consiste em dar a terra ao arrendamento, lhe será mais e mais difícil fazer”.

O caso é muito diferente na Irlanda. Quanto mais um latifundiário prejudica um arrendatário, mais facilmente ele oprimirá outro. O arrendatário que entra é o instrumento usado para prejudicar ao que foi expulso, e o expulso é o instrumento que permite manter submisso o que entra. A longo prazo, não é só provável, mas uma realidade na Irlanda, que também ao prejudicar o arrendatário, o latifundiário se prejudicará e arruinará a si mesmo, fato que, porém, constitui um consolo muito pequeno para o arrendatário arruinado.

“As relações entre o latifundiário e o arrendatário são as existentes entre dois comerciantes”, afirma o Times.

Este é justamente o petitio princippi (premissa não demonstrada. –Edit.), que chega ao artigo de fundo do Times. O arrendatário irlandês necessitado pertence a terra e a terra pertence ao Senhor inglês. Da mesma maneira poderia se chamar de relação entre dois comerciantes as do assaltante que saca sua pistola e o viajante que lhe entrega sua bolsa.

“Mas –disse o Times –, na realidade, as relações entre os latifundiários e os arrendatários irlandeses iram se reformar por um fator mais poderoso que a legislação. A propriedade na Irlanda está passando rapidamente para outras mãos, e se a emigração continuar nas proporções atuais, o cultivo da terra passará também a outras mãos”.

Ao menos aqui, o Times está correto, o Parlamento britânico não intervém, num momento em que o velho sistema caduco está levando a ruína tanto o rico latifundiário como o arrendatário necessitado, caindo o primeiro sobre o martírio da Comissão das fazendas hipotecadas e o segundo sendo expulso pela emigração forçada. Isto nos recorda o velho sultão de Marrocos. Sempre que tinha um caso pendente entre duas partes, não conhecia outra forma mais “poderosa” de resolver a controvérsia do que matando as duas partes.

“Nada pode levar – conclui o Times com relação ao direito de arrendamento – a maior confusão que uma distribuição semelhante a comunista de propriedade. A única pessoa que tem algum direito a terra é o latifundiário”.

O Times parece ter sido o Epimenides adormecido da metade do século passado que jamais ouviu a calorosa controvérsia engajada durante todo esse tempo sobre as pretensões dos latifundiários, e isso entre os economistas, representantes da classe média britânica e não entre os reformadores sociais e comunistas. Ricardo, o fundador da economia política moderna na Grã Bretanha, não controverteu o “direito” dos latifundiários, pois estava plenamente convencido de que suas pretensões se baseavam no fato, e não no direito, e que a economia política, em geral, não tinha nada a ver com as questões de direito; mas atacou o monopólio de terra de uma maneira mais simples, ainda que mais científica e, por consequência, mais perigosa. Provou que a propriedade privada de terra, a diferença das reivindicações respectivas do trabalhador agrícola e do arrendatário, era uma relação totalmente supérflua e incompatível com todo o sistema da produção moderna; que a expressão econômica desta relação, a renda de terra, podia ser apropriada com grande vantagem pelo Estado; e finalmente, que os interesses do latifundiário eram opostos aos interesses de todas as outras classes da sociedade moderna. Causaria tédio enumerar todas as conclusões inferidas destas premissas pela escola de Ricardo contra o monopólio de terra. Para o fim que me proponho, bastará citar as três das autoridades da economia mais recentes da Grã Bretanha.

The London Economist, cujo redator chefe, Sr. J. Wilson, é não só um oráculo da liberdade de comércio, mas também um oráculo whing, e não só um whing, mas um apêndice inevitável do Tesouro em cada Gabinete whing ou de coalisão, tem sustentado em diversos artigos, que falando propriamente, não pode existir nenhum título que autorize a um ou a vários indivíduos reclamarem a propriedade exclusiva do solo de uma nação.

Sr. Newman nos disse em suas Conferências de Economia Política, Londres, 1851, expressamente escritas para refutar o socialismo:

“Ninguém tem, nem pode ter, um direito natural da terá, exceto o de ocupa-la pessoalmente durante o tempo que a ocupa. Seu direito é de uso, e somente de uso. Qualquer outro direito é obra de uma lei artificial” (ou atos parlamentais, como diria o Times) ... “Se alguma vez faltasse terra para viver, se colocaria fim ao direito de posseiros privados de conserva-las”.

Este é exatamente o caso da Irlanda, e Sr. Newman confirma expressamente o fundamento das reivindicações dos arrendatários irlandeses, ainda que levou as conferências diante dos auditórios mais seletos da aristocracia britânica.

Em conclusão, permita-me citar alguns fragmentos da obra do senhor Heriberto Spencer Estática social, Londres, 1851, que pretende também ser uma refutação completa do comunismo e está reconhecida como a exposição mais detalhada das doutrinas do livre câmbio da Inglaterra moderna.

“Ninguém pode aproveitar a terra de maneira que impeça a outros de um aproveitamento similar. A equidade, por consequência, não permite a propriedade de terra, ou os restantes haviam de viver nela com a permissão dos proprietários. Os que não possuem nenhum terreno poderiam ser legalmente expulsos, em geral, da terra.... Jamais se poderá fingir que os títulos existentes a esta propriedade sejam legítimos. Se alguém acredita nisso, que leia as Crônicas. Os primeiros atos estão escritos mais com a espada do que com a pena. Não foram juristas, mas soldados que fizeram a transferência: golpes foram a moeda corrente dada em pagamento; para selar preferia-se sangue do que cera. Podem ser considerados validos tais títulos? Dificilmente. E se não podem ser considerados válidos, o que dizer das pretensões dos subsequentes detentores de fazendas assim adquiridas? É gerado pela venda ou pela transferência hereditária um direito que não existia previamente?... Se um ato de transferência não pode dar um título.... Podem dar muitos?... Em que proporção anual se fazem válidas as pretensões sem validez?...O direito a humanidade a toda superfície de terra ainda tem vigor apesar de todos os atos, costumes e leis. É impossível descobrir um modo pelo qual, a terra possa ser convertida em propriedade privada.... Nós negamos diariamente a propriedade territorial pela nossa legislação. Se necessitamos construir um canal, uma ferrovia ou uma rodovia? Pois, não temos escrúpulos para expropriar tantos hectares quantos forem necessários. Não esperamos a obtenção do consentimento... A mudança requerida seria simplesmente a mudança de proprietários... Em vez de estar em posse de indivíduos, o país estaria sobre a posse da grande corporação que é a sociedade. Em vez de tomar em arrendamento seus hectares de um proprietário isolado, o arrendatário os tomaria da nação. Em vez de pagar a renda ao agente do senhor Juan ou sua Graça, já pagaria a um agente ou delegado da sociedade. Os administradores das fazendas seriam funcionários públicos em vez de empregados particulares e o sistema de arrendamento se converteria só no usufruto da terra... Levada a suas últimas consequências, a pretensão a posse exclusiva da terra implica o despotismo dos proprietários desta”.

Assim, a partir do ponto de vista dos modernos economistas ingleses, não são os usurpadores latifundiários ingleses, mas os arrendatários e os trabalhadores agrícolas irlandeses os únicos que possuem o direito à terra de seu país natal, e o Times, opondo-se as reivindicações do povo irlandês, entra em antagonismo direto com a ciência da classe média da Inglaterra.

28 de junho de 1853

Escrito por Karl Marx

Publicado no New-York Daily Tribune, núm. 3816, de 11 de junho de 1853

Nota

[1] The Times: o maior diário inglês de tendência conservadora, fundado em 1785.

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