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A luta do Povo Cubano pela Independência



Atribuem ao jornalista colombiano Gabriel García Márquez a afirmação de que “não fosse a Revolução Cubana, os ianques já estariam até no Cone Sul”. A primeira revolução socialista da América Latina, foi executada debaixo dos narizes do imperialismo estadunidense, a pouco mais de 500 km da costa da maior potência imperialista. Fidel Castro e seus homens e mulheres de Sierra Maestra ao entrar em Havana no dia 1º de janeiro de 1959, deram um novo impulso à luta de libertação nacional em toda a América, com o exemplo de que por mais dificuldades que se imponham, a luta de um povo contra a ignomínia e a exploração imperialistas pode ser vencedora.


A Revolução Cubana, fruto de um grande processo de libertação nacional iniciado no século XIX, teve em Fidel Castro seu mais eminente líder que conseguiu condensar toda a tradição revolucionário e o acúmulo das lutas travadas pelo povo cubano. Em 1953, no assalto ao Quartel de Moncada, que terminou frustrado, em sua defesa – o célebre A História me Absolverá – Fidel reivindicava Jose Martí como mentor intelectual da ação e marcava seu discurso como uma das mais importantes peças de acusação da história, apontando o efeito nefasto da dominação imperialista estadunidense e a sua lacaia burguesia cubana causado sobre os habitantes da Ilha, condenados a miséria pela manutenção do caráter semicolonial do país.


Fidel demonstra como Cuba havia sido condenado ao inferno da plantação canavieira com a superexploração do seu campesinato, com relações de trabalho semifeudais e concentração de terras em mãos estrangeiras: “oitenta e cinco por cento dos pequenos agricultores cubanos pagam renda e vivem sob a constante ameaça de serem expulsos de suas parcelas. Mais da metade das melhores terras cultivadas está em mãos estrangeiras. Em Oriente, que é a província mais larga, as terras da United Fruit Company e da West Indian unem a costa norte com a costa sul. Há duzentas mil famílias camponesas que não possuem um palmo de terra onde semear culturas para alimentar seus filhos famintos. No entanto, permanecem incultas, em mãos de interesses poderosos, cerca de trezentas mil caballerías de terras produtivas. Se Cuba é um país eminentemente agrícola, se sua população é em grande parte camponesa, se a cidade depende do campo, se a grandeza e a prosperidade de nossa nação dependem de um campesinato saudável e vigoroso que ame e saiba cultivar a terra de um Estado que o proteja e oriente, como é possível que continue esse estado de coisas?”


Na sequência, também destaca a consequência da dominação imperialista sobre a indústria do país, condenada à inanição diante da inundação de mercadorias estadunidenses no mercado cubano e a falta de investimento na necessária industrialização do país. “Salvo umas quantas indústrias alimentícias, madeireiras e têxteis, Cuba continua como uma feitoria produtora de matéria-prima. Exporta-se açúcar para importar caramelos, exporta-se couro para importar sapatos, exporta-se ferro para importar arados... Todo mundo concorda que é urgente industrializar o país, que são necessárias indústrias metalúrgicas, indústria de papel, indústria química; que é preciso melhorar a pecuária, os cultivos, a técnica e a elaboração de nossas indústrias alimentícias, a fim de que possam resistir à concorrência ruinosa que lhes fazem as indústrias europeias de queijo, leite condensado, licores e azeites, e as de conservas norte-americanas; que necessitamos de navios mercantes; que o turismo poderia ser uma enorme fonte de riquezas”. Aqui traça um quadro comum aos países da América Latina à época, condenados a exportar matéria-prima e importar mesmo os produtos mais simples pela parca existência ou até inexistência de indústrias, em condição imposta diretamente pelos interesses imperialistas, que sabotam qualquer mínima tentativa de suas colônias e semicolônias no caminho da industrialização.


Em A História me Absolverá, Fidel tem o mérito de traçar um quadro preciso das mazelas e misérias que se abatem sobre as amplas massas trabalhadoras em decorrência da condição semicolonial de Cuba imposta para salvaguardar os interesses dos imperialistas ianques. O povo cubano estava privado dos mínimos direitos democráticos básicos, moradia, saúde e educação lhe é eram negados em uma sociedade erguida para manter o parasitismo de uma burguesia burocrática lacaia do imperialista. “Tão grave, ou pior, é a tragédia da habitação. Há em Cuba duzentos mil bohíos e choças; quatrocentas mil famílias do campo e da cidade vivem amontoadas em barracões, cortiços e porões sem as mais elementares condições de higiene e saúde; dois milhões e duzentas mil pessoas de nossa população urbana pagam alugueis que absorvem de um quinto a um terço de seus rendimentos; e dois milhões e oitocentas mil pessoas de nossa população rural e suburbana carecem de luz elétrica. Aqui acontece o mesmo: se o Estado se propõe a rebaixar os alugueis, os proprietários ameaçam paralisar as construções; se o Estado fica indiferente, constroem enquanto podem perceber uma elevada renda, depois deixam de assentar qualquer tijolo, ainda que o resto da população viva na intempérie. Outro tanto faz o monopólio da eletricidade; estende as linhas até onde isso lhe seja lucrativo; daí em diante não lhe importa que as pessoas vivam no escuro o resto de suas vidas. O Estado cruza os braços e o povo continua sem casas e sem luz. Nosso sistema de ensino se completa perfeitamente com toda a situação descrita. Para que são necessárias escolas agrícolas em um campo onde o camponês não é dono da terra? Em uma cidade onde não há indústrias, qual é a necessidade de escolas técnicas? Tudo se enquadra dentro da mesma lógica absurda: não há nem uma coisa nem outra. Em qualquer pequeno país da Europa existem mais de duzentas escolas técnicas e de artes industriais. Em Cuba, não passam de seis, e os rapazes saem delas sem ter onde empregar-se. As escolinhas rurais são frequentadas por menos da metade das crianças em idade escolar – descalças, seminuas, desnutridas – e muitas vezes é o mestre que tem de adquirir, com seu próprio ordenado, o material necessário. É dessa forma que se pode construir uma grande pátria?”


Com um estilo direto, Fidel demonstra como a exploração semicolonial negam as possibilidades de desenvolvimento humano do povo cubano: “de tanta miséria só é possível livrar-se com a morte. Para isso, sim, o Estado ajuda: a morrer. Noventa por cento das crianças do campo são devoradas por parasitas, que nelas se infiltram da terra pelas unhas dos pés descalços. A sociedade comove-se diante da notícia do rapto ou do assassinato de uma criatura, mas permanece criminosamente indiferente diante do assassinato em massa de milhares de milhares de crianças que morrem todos os anos por falta de recursos, agonizando nos estertores do sofrimento. Seus olhos inocentes – onde se observa o brilho da morte – parecem olhar para o infinito como se pedissem perdão para o egoísmo humano e para que não caia sobre os homens a maldição de Deus. E quanto um pai de família trabalha quatro meses no ano como pode comprar roupas e medicamentos para seus filhos? Crescerão raquíticos; aos trinta anos não terão um dente são na boca, terão ouvido dez milhões de discursos e, finalmente, morrerão de miséria e decepção. O acesso aos hospitais do Estado, sempre repletos, só é possível mediante a recomendação de um político influente que exigirá do desgraçado seu voto e o de toda a sua família para que Cuba continue sempre igual ou pior. Com tais antecedentes, como deixar de explicar que, de maio a dezembro, um milhão de pessoas não encontram trabalho e que, com uma população de cinco milhões e meio de habitantes, Cuba tenha atualmente mais desocupados que a França e a Itália, com uma população de mais de quarenta milhões cada uma?”


No espírito da conclusão que tornou-se o título do discurso, Fidel segue sua defesa ao demonstrar o caráter do Estado cubano, administrado para satisfazer os interesses da burguesia nativa e do imperialismo estadunidense, que clarificava o caráter de classe: “Senhores juízes, ao julgardes um acusado por roubo, não lhe perguntais quanto tempo está sem trabalho, quantos filhos tem, em que dias da semana comeu; não vos preocupais, em absoluto, pelas condições sociais do meio em que vive; o enviais ao cárcere sem maiores contemplações. Para lá não vão os ricos que queimam armazéns e lojas para cobrar as apólices de seguros, ainda que também sejam queimados alguns seres humanos. Eles têm dinheiro de sobra para pagar advogados e subornar magistrados. Enviais ao cárcere o infeliz que rouba de fome, mas nenhum das centenas de ladrões que roubaram milhões ao Estado jamais dormiu uma noite no xadrez. Ides cear com eles no fim do ano em restaurantes aristocráticos. (...) O futuro do país e a solução de seus problemas não podem continuar dependendo do interesse egoísta de uma dúzia de magnatas; nem dos cálculos frios a respeito dos lucros feitos nos seus escritórios com ar-condicionado, por dez ou doze milionários. A nação não pode continuar de joelhos, implorando os milagres de algum bezerro de ouro que, como o do Antigo Testamento derrubado pela ira do profeta, não fazem milagre de nenhuma espécie. Os problemas da República só terão solução se nos dedicarmos a lutar por ela com a mesma energia, honradez e patriotismo que nossos libertadores relevaram ao lhe dar vida”.


A importância do documento vai além de ser uma intervenção jurídica daquele que seria o Comandante-em-Chefe da Revolução Cubana, está na história por conter em si o programa política de uma revolução democrática em Cuba, que identificava corretamente os inimigos – o latifúndio e o imperialismo – e traçava as tarefas democráticas a ser cumpridas para cumprir o anseio da libertação nacional da Ilha, causa do povo cubano havia mais de um século. E foi esse processo, que dava uma resposta concreta para a questão nacional, e que caminhou desde logo para o caminho do socialismo, que pôs Cuba na linha de frente da luta anti-imperialista, em especial na América Latina.

Da colonização à semicolônia

A colonização dos espanhóis na ilha cubana se deu dentro do processo geral da América Latina, a espoliação dos recursos naturais e a dizimação dos povos originários descartados após a extração do pouco ouro disponível no território ter sido retirado com o trabalho escravo dos nativos. Na sequência, ainda no século XVI, passou-se ao desenvolvimento da pecuária em grandes fazendas, para fornecimento de alimentos para outras colônias espanholas na região, e posteriormente, já no século XVII, estabeleceu-se a cultura do tabaco, tendo como base o minifúndio e o arrendamento. Mas foi apenas na metade do século XVIII, que surgiram em Cuba os primeiros engenhos de cana-de-açúcar, sob base do latifúndio escravista, que iria marcar fortemente as próximas décadas da história da Ilha, e tornar-se um grande fardo ao povo cubano sob a espoliação colonial e imperialista. Até então, o Haiti dividia com Cuba o posto de grande produtor do açúcar na chamada América Espanhola, mas em decorrência à Revolução Haitiana (1791) e a destruição da estrutura agrária baseada no sistema escravista, a Ilha ganhou uma posição maior no setor e a produção açucareira foi ampliada. Já em 1861, Cuba registrava 1365 engenhos para a produção do açúcar.

A influência da Inglaterra, principal potência à época, que mantinha propriedades na Ilha via Companhia das Índias Orientais, em busca de criação de mercado para suas mercadorias, em oposição ao colonialismo decadente espanhol, que buscavam ampliar a apropriação do trabalho cubano, fosse de origem escrava ou camponesa, completava o quadro cubano no século XIX. Por sua localização, a Ilha tinha importância estratégica para o sistema colonial espanhol e seria um ponto chave no conflito com outras potências colonialistas na região.


Em tal contexto, surge o Ejército Libertador, sob liderança de Carlos Manuel de Céspedes que inicia o longo combate pela independência de Cuba, primeiramente contra o colonialismo espanhol e a influência inglesa e, por fim, ao imperialismo estadunidense que avançara então com suas garras contra a ilha para lhe impor sua dominação e substituir a Espanha na exploração ao povo cubano. Era a consolidação de uma identidade nacional, que se desenvolvera a partir de uma forte inspiração anticolonial e antiescravista.


Jose Martí, o apóstolo da Revolução Cubana, já havia alertado sobres as pretensões ianques em uma carta a um companheiro, quando estava em Washington, na Primeira Conferência Continental Americana: “Sobre nossa terra, Gonzalo, há outro plano mais tenebroso do que o que agora conhecemos, e é o iníquo de forçar a ilha, de precipitá-la à guerra, para ter o pretexto para nela intervir, e, com o crédito de mediador e garantidor, apropriar-se dela. Não há coisa mais covarde nos anais dos povos livres, nem uma maldade mais fria. Morrer para fornecer apoio sob o qual se levantarão essa gente que nos empurram à morte para seu próprio benefício? Valem mais nossas vidas, e é necessário que a Ilha saiba disso a tempo”.


E a constatação de Martí se confirmou totalmente. A expansão do imperialismo ianque teve em Cuba um alvo estratégico. Se em uma carta do Secretário de Estado, Jonh Quincy Adams, ao representante estadunidense em Madri, Hugh Nelson, de 13 de abril de 1832, já se demonstrava a intenção autodeclarada de domínio afirmando que “há leis da política como há leis de gravitação física. E se uma maçã, separada pela tempestade da sua árvore nativa, não pode escolher, mas apenas cair ao chão, Cuba, por força desligada do seu vínculo não natural com a Espanha, e incapaz de auto sustentar-se, só pode gravitar na direção da União Norte-Americana, a qual, pela mesma lei da natureza, não pode segrega-la do seu seio”, posteriormente a ação bélica ianque para tal se cumpriu.


Os Estados Unidos, em um momento que as forças cubanas independistas avançavam para uma vitória, interviu no conflito. O navio de guerra Maine, ancorado no porto de Havana por ordem do presidente estadunidense McKinley, do Partido Republicano, sob justificativa de medida de precaução diante da radicalização das partes da guerra, explodiu em 15 de fevereiro de 1898, com a morte de 260 marinheiros. Sob esse pretexto, de um ataque com uma mina submarina, o Governo norte-americano declarou guerra à Espanha. Contudo, não havia nenhuma confirmação conclusiva, pelo contrário: “na época, nenhum relatório foi enunciado para contradizer a opinião da Marinha em 1898, e para se assegurar de que os Democratas não tivessem acesso a nenhuma prova, em março de 1913 a Marinha rebocou o que restava do navio para águas profundas a quatro milhas da costa cubana e o afundou. Anos mais tarde, o legendário e independente Hyman Rickover, preparou um estudo elaborado usando fotografias detalhadas e outros dados obtidos em 1912 e 1913. Ele concluiu que ‘com toda probabilidade, o Maine foi destruído por um acidente que ocorreu dentro do navio... O que aconteceu? Provavelmente um incêndio no bunker-16 (...) Não há provas de que uma mina tenha destruído o Maine”. Já se inicia aí o modus operandis que caracterizará o imperialismo norte-americano a partir de então, ataques, guerras, sanções, etc., baseados em mentiras e em fatos forjados, para induzir acontecimentos que atendam os seus interesses, como aconteceu ao longo do século XX e seguem até os dias atuais, como os evidentes exemplos das invasões ao Afeganistão e ao Iraque, a guerra civil provocada na Síria e na Líbia, além da pressão exercida sobre a Venezuela e a Coreia Popular.


A guerra hispano-americana, entre uma velha potência colonialista decadente e a nova potência imperialista ascendente, durou poucos meses. Em agosto os espanhóis tiveram que se curvam diante dos ianques e assinar um armistício em Washington e posteriormente o Tratado de Paz em Paris, que custou a transferência de Guam e de Porto Rico ao vencedor, além do controle das Filipinas, sob indenização de US$ 20 milhões.


O tratado também reconhecia a independência formal de Cuba, mas os fatos seguintes demonstravam que o anseio do povo cubano por sua soberania nacional não seria atendido então. Os estadunidenses impuseram uma ditadura militar na Ilha de 1898 até 1902, que fora bem recebida pelas elites cubanas lacaias ao imperialismo, em traição aos ideais republicanos que guiaram os mais de 30 anos de luta pela independência cubana. E se estabelecia um processo recorrente, uma vez que tropas estadunidenses voltariam a ocupar Cuba entre 1906 e 1909, em 1912 e entre 1917 e 1920.


Em 1903, as tropas estadunidenses permitem ao país ter o seu primeiro presidente civil eleito, o fantoche Tomás Estrada Palma, mas não sem antes impor uma Constituição à sua semicolônia, incluso a famosa Emenda Platt que determinava os termos imperialistas para as relações bilaterais. Esse apêndice dizia que “o governo de Cuba concorda que os Estados Unidos podem exercer seu direito de intervir para a preservação da independência cubana, para a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual e para a execução das obrigações relacionadas com Cuba que lhe foram impostas pelo Tratado de Paris, e que devem ser agora assumidas e cumpridas pelo governo de Cuba. Para permitir aos Estados Unidos manter a independência de Cuba, e proteger o povo cubano, bem como para a sua própria defesa, o governo cubano venderá ou arrendará aos Estados Unidos a terra necessária para a instalação de bases ou estações navais, em certos pontos específicos, a ser estabelecidos pelo presidente dos Estados Unidos”.


Com uma independência política formal, uma constituição imposta e um Tratado Permanente de Arrendamento de Bases Navais e Militares firmado, Cuba se consolidava como uma semicolônia dos Estados Unidos. Cerca de 13 mil estadunidenses adquiriram terras em Cuba em 1905 e, logo, cerca de 60% das propriedades rurais eram propriedade de cidadãos ou empresas norte-americanas. Posteriormente, com uma conjuntura política mais pacífica que outrora, se aprofundou também a dominação econômica ianque: constatava-se, um aumento nos capitais injetados pelos Estados Unidos: enquanto de 1898 a 1902 eram 30 milhões de dólares, de 1902 a 1906, o montante subiu para 160 milhões.


Em 1903, também foi assinado o Tratado de Reciprocidade, que estabelecia tarifas alfandegárias especiais, com as quais Cuba recebia o direito de exportar aos Estados Unidos açúcar e outros produtos em condições de vantagem ante outros concorrentes internacionais, e em troca, os estadunidenses também recebia o mesmo direito de exportar seus produtos para o mercado cubano. Evidentemente, para a economia cubana o acordo era extremamente desvantajoso, uma vez que dada o desigual desenvolvimento dos dois países, Cuba se resumia a exportar açúcar e outros produtos de baixo valor agregado, enquanto que os EUA inundavam o mercado da Ilha com produtos industrializados com custos alfandegários irrisórios, que tornava um entrave para o desenvolvimento industrial em território cubano.


Com este tratado, se ampliou também a entrada de capital norte-americano na produção açucareira cubana. Nas décadas seguintes já era hegemônico neste principal setor da economia da Ilha e “em 1918, detendo menos da metade dos engenhos, elaboravam mais de 70% da safra. Os ‘milionários do açúcar’ cubanos e hispano-cubanos cobriam o resto da produção”. O tratado ainda garantia rentabilidade do capital estadunidense investido na produção canavieira, já que assegurava a venda do produto no mercado estadunidense. O açúcar, que já ocupava um lugar de importância na economia da Ilha desde o século XIX, a partir do início do século seguinte, passou a ser o pilar econômico do país, originando uma completa dependência da importação do produto para sua balança comercial. Entre 1907 e 1930, de toda a receita, 33,64% era formada apenas pelo valor da safra da cana-de-açúcar processada e exportada. Além disso, até 1930, Cuba era responsável pelo abastecimento de 59% do açúcar nos EUA, que garantiam, por sua vez, 54% das importações cubanas.


A corrupção também era uma chaga para o país, destacadamente sob o regime de Fulgencio Batista, seu governo permitiu que “personalidades da tirania e seus sócios no aparato econômico nacional, extraíssem em pouco tempo, enormes somas de dinheiro” ; foi reformada a lei de turismo para permitir jogos em hotéis de grande porte, o que gerou construção de diversos empreendimentos deste tipo em parceria do capital estadunidense (ligado às suas máfias).


Essa vulnerabilidade gerada pelas medidas impostas pelo imperialismo causou grandes estragos estruturais na economia cubana, em especial por ocasião da Crise de 29, que fez com que no período de 1925 a 1933, a receita nacional caísse 58,5%. A experiência de Cuba confirma o que Lenin havia exposto em O Imperialismo, fase superior do Capitalismo, sobre a dominação semicolonial desenvolvida pelos países imperialistas no século XX: “ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha econômica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que possuem colônias e as colônias –, mas também as formas variadas de países dependentes que, de um ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática”.


Em seu informe Análise histórica da Revolução Cubana apresentado ao I Congresso do Partido Comunista de Cuba, Fidel Castro faz uma síntese sobre o processo de dominação estadunidense sobre o povo cubano: “os governos corruptos e as intervenções ianques que se sucederam nas primeiras décadas da república neocolonizada, cumpriram a missão de entregar ao amo estrangeiro as riquezas do país. As melhores terras agrícolas, as Centrais Açucareiras mais importantes, as reservas minerais, as indústrias básicas, as ferrovias, os bancos, os serviços públicos e o comércio exterior passaram ao férreo controle do capital monopolista dos Estados Unidos. Os frutos das heroicas contendas de 1868 e 1895 haviam-se frustrado. O povo rebelde e valoroso que assombrou o mundo com suas façanhas patrióticas se viu obrigado a seguir vivendo como um pária em sua própria terra. Não passou para as mãos camponesas – a maior parte do Exército Libertador – a terra que com seu próprio sangue haviam abonado; mas para as mãos dos velhos latifúndios que se somavam aos novos, constituídos muitas vezes das parcelas dos que haviam sido mortos ou que haviam lutado pela independência. A preços irrisórios, fraudes, despejos ou simples concessões, as empresas ianques ou os oligarcas aliados ao imperialismo fizeram-se donos de imensas regiões. Assim surge a trágica histórica dos infinitos sofrimentos que o domínio dos EUA impôs aos camponeses durante mais de cinquenta anos”.

Doutrina Monroe e a América Latina

Durante o desenvolvimento do capitalismo no século XIX, a América Latina se consolida como uma região fornecedora de produtos primários, com um caráter agroexportador, sustentado na intensa exploração dos trabalhadores coloniais. Este caráter gera os problemas que já no final do século se intensificam: produção local desestimulada para o consumo interno, crises no abastecimento de produtos básicos, dependência internacional de produtos primários e controle de capital estrangeiro em vários setores econômicos.


Nesse contexto, na disputa pelas fontes e matérias-primas, os Estados Unidos ascendem como um concorrente forte no cenário do capitalismo mundial, e terá na América Latina sua base para esse avanço. O domínio das matérias primas e dos mercados no Caribe, na América Central e na América do Sul passa a ser de interesse estratégico ianque.


Como a palavra de ordem de “América para os americanos”, a chamada Doutrina Monroe foi estabelecida em 1823 pelo então presidente estadunidense James Monroe, quando formulou em sua mensagem ao Congresso o princípio que passaria a guiar a política externa do país ante as movimentações das potências europeias: “afirmamos, como um princípio em que os direitos e interesses dos Estados Unidos estão involucrados, que os continentes americanos, a raiz de ter assumido e de manter sua condição livre e independente, não devem ser considerados como sujeitos a futuras colonizações por parte de qualquer potência europeia... consideraríamos qualquer tentativa de extensão de seu sistema a qualquer parte deste hemisfério como perigo para nossa paz e segurança”.


A Doutrina Monroe é um marco do avanço estadunidense sobre o conjunto dos países latino-americanos para garantir sua hegemonia política e seu domínio econômico em meio a disputa com as demais potências capitalistas europeias, que manifestavam abertamente o interesse de restaurar suas colônias que haviam sido perdidas no continente. Ainda que o princípio da doutrina não tenha sido formalmente abandonado, sua aplicação aberta se localizada historicamente entre 1823 e 1904, quando foram formulados cinco corolários, inclusive o último e mais célebre, conhecido como Big Stick, quando Theodore Roosevelt autoproclama aos EUA o direito exclusivo de intervenção nos países da região: “nossos interesses e os dos nossos vizinhos do Sul são em realidade os mesmos. Eles possuem grandes riquezas naturais, e se dentro de seus limites o reino da lei e da justiça é alcançado, então é certo que a prosperidade virá junto. Enquanto obedecem assim às leis primárias da sociedade civilizada podem ficar tranquilos e certos de que serão por nós tratados em um clima de simpatia cordial e proveitosa. Eles só merecerão a nossa interferência em último caso, e então apenas se for constatado claramente que sua inabilidade ou fraqueza para executar a justiça em casa e no exterior tenha violado os direitos dos Estados Unidos ou incitado a agressão estrangeira em detrimento do conjunto das nações americanas”.


Era a formulação concreta que vai marcar a atuação dos Estados Unidos no século XX e, em especial, na sua ascensão como principal potência imperialista a partir da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Tal “direito” decretado por si próprio vai balizar não somente as inúmeras intervenções políticas e militares na América Latina, mas como também na Ásia e na África.


Como apontou o documento Apelo da Internacional Comunista aos Operários e Camponeses da América do Sul do 4º Congresso da Internacional Comunista, em novembro de 1922, “a Doutrina de Monroe serve aos imperialistas americanos para lhes garantir a conquista econômica da América Latina. Os empréstimos, a colocação de novos capitais americanos nas explorações industriais, comerciais e bancárias, as concessões de estradas de ferro e de empresas marítimas, a aquisição de jazidas de petróleo – essas múltiplas formas de expansão da penetração econômica ianque mostram como o capitalismo norte-americano procura fazer da América do Sul a base de sua potência industrial”.

Revolução acossada e vitoriosa

Com a vitória dos barbudos de Sierra Maestra em 1º de janeiro de 1959, Cuba passou por um processo de revolução democrática que pôs em xeque as bases do domínio imperialista. Ainda que as tarefas que passaram a ser tratadas pelo novo governo fossem basicamente o cumprimento do programa nascido do processo de Moncada e, portanto, não medidas socialistas, logo nos primeiros meses as contradições se agudizaram.

A aprovação da Ley de Reforma Agraria em maio de 1959 que determinava o limite máximo de propriedade agrária de 30 caballerías (equivalente a 402 hectares), com uma possibilidade de extensão até 100. Fundamentalmente, a lei derivava do programa agrária estabelecido nos tempos de guerrilha e estabelecia a entrega gratuita da terra a todos os camponeses que as ocupavam enquanto arrendatários, parceiros ou precaristas, garantindo a emissão dos títulos de propriedades. Esta medida do governo revolucionário atingia diretamente os interesses do imperialismo estadunidense e seus lacaios sustentados pelo latifúndio. Esse foi um dos pontos fundamentais para que se avançasse na luta de classes no seio do início da Revolução Cubana, com os setores burgueses que apoiaram o processo revolucionário até então e o governo dos Estados Unidos definiram sua postura para com a revolução até então. Fidel, em entrevista com o jornalista brasileiro Roberto D’Ávila, fala que naquele momento, “mais de 90% da população apoiava a revolução; no início, todo mundo. Depois fizemos as leis de reforma agrária e reforma urbana. Alguns interesses foram afetados, não muitos. Foram afetados, porém os interesses de uma minoria poderosa, pequena em número, mas com grande influência econômica e alguma influência econômica e alguma influência social e política. E essa minoria era dona de todos os meios de comunicação, homens com o apoio dos Estados Unidos. Embora um setor reduzido estivesse contra a Revolução, a imensa maioria do povo a apoiava. Quem poderia desafiar a Revolução? Só as pessoas que contassem com o apoio dos Estados Unidos e que confiassem que os Estados Unidos poderiam liquidar a revolução...”


E foi isto que a história registrou. Dos atos de terrorismo à invasão à Baia dos Porcos, ataque este que foi heroicamente vencido pelo povo cubano; das sabotagens econômicas à Crise dos Mísseis; Cuba sempre teve que enfrentar seu vizinho, os Estados Unidos, como afirmara Ernesto Che Guevara, o “maior inimigo da humanidade”. Mesmo com o bloqueio econômico que por muitas vezes sufocou a economia nacional cubana, ainda com o fim do bloco socialista e o período especial, a Revolução Cubana conseguiu lograr façanhas e méritos na construção do socialismo na Ilha. De forma geral, a Revolução Cubana nasceu da luta nacional iniciada contra o colonialismo espanhol e na sequência o imperialismo estadunidense, e sua vitória representou um passo importante para a América Latina e como parte integrante da revolução mundial. Como disse Fidel no famoso discurso em que proclamou o caráter socialista da revolução em 1961, o que os ianques não puderam perdoar é que Cuba tenha feito uma revolução socialista sob seus narizes.




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