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O subfinanciamento do SUS é uma política premeditada e intrínseca ao Estado reacionário brasileiro



Mesmo sob constantes ataques das classes dominantes, das mídias hegemônicas e demais representantes do capital, que tentam impor a todo momento aos trabalhadores do Brasil a ideia de que a saúde pública não pode satisfazer as necessidades de nossa população, por ser ineficiente, consumir demasiada verba pública e não conseguir reverter os gastos de forma qualitativa, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende aproximadamente 80% da população brasileira, contabilizando mais de 150 milhões de pessoas. Apesar de tudo isso, o SUS possibilita que as camadas populares e trabalhadoras tenham garantido, minimamente, seu direito à saúde.


A implementação do SUS e das políticas de saúde no Brasil deram-se a partir da Constituição Federal de 1988. Suas bases regulatórias foram geradas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, de onde foram tiradas as resoluções que dariam o alicerce para a formulação do SUS, que teve sua regulamentação através da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Desde seu nascimento, o SUS foi condicionado à um subfinanciamento crônico e progressivo, que se caracteriza por uma alocação de recursos orçamentários não condizente com o necessário para o cumprimento das disposições e princípios constitucionais de universalidade, integralidade e equidade. A Constituição de 1988 previa que seria destinada ao SUS uma verba de 30% do orçamento de seguridade social, percentual que representaria aproximadamente o dobro do orçamento de que dispõe a saúde pública no Brasil. Para se ter uma ideia, a saúde pública consome 45% do total de gastos com saúde no Brasil para atender 80% da população, enquanto o setor de saúde suplementar, representado pelos planos de saúde, que recebem regalias do Estado, consome 55% dos gastos e atende 20% da população.


Diversos são os fatores que contribuem para o subfinanciamento do SUS, um deles já estava expresso pelas contradições presentes na própria Constituição Federal, que delimitou a criação do equipamento de saúde pública e ao mesmo tempo deu as garantias para a consolidação do sistema de saúde privado, ratificando que a iniciativa privada é livre para ofertar assistência à saúde, podendo participar de forma complementar ao SUS. Dessa forma, as bases da mercantilização da saúde e da vida de nosso povo já estava lançada. O direito à saúde convive com a constante pressão do capital que visa abocanhar lucros cada vez maiores, seja por meio de renúncia fiscal e verbas garantidas através dos conchavos com nossa burguesia burocrática, seja através da ampliação de usuários de seus serviços. Um SUS estruturado, funcional e com o financiamento adequado, portanto, não condiz com as expectativas e interesses do capital, que, ano a ano, através de seus representantes no Estado, empenha-se no desfinanciamento crescente e no sucateamento do SUS, possibilitando expandir os mercados de planos de saúde e serviços de saúde privados.


A insuficiente verba destinada ao SUS, longe de significar uma impossibilidade – seja por conta da arrecadação da União ou de um déficit nas contas públicas –, é uma política econômica e ideológica intrínseca à politicagem brasileira. As trocas dos gerentes de turno do Estado ao longo de nossa curta história “democrática” e desde a criação do SUS, não significaram nenhum avanço no sentido de garantir um financiamento compatível com a tarefa de promover saúde pública e de qualidade ao nosso povo. Mesmo sob a chancela de governos supostamente populares, o que se viu, na prática, foram as corriqueiras políticas em prol do capital, com a incessante escalada do desfinanciamento por parte da União, somado ao crescente incremento de verba pública aos aparelhos e corporações de saúde privada. A renúncia fiscal concedida à saúde privada por meio da contratação de planos privados de saúde, gera a redução de recursos que poderiam ser direcionados, por exemplo, à ampliação de programas de saúde preventiva – que diminuem gastos com serviços especializados e de alta complexidade, além de garantir melhorias fundamentais para a consolidação do SUS –; entretanto, essa nunca foi a direção tomada no Brasil.


Após oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando muitas riquezas de nosso povo foram entregues aos capitais estrangeiros a preço de banana para supostamente conter a dívida pública – que, ao contrário do pretendido, saltou de 78 bilhões de dólares em 1996, para 245 bilhões em 2002 –, anos em que o subfinanciamento do SUS se manteve como política inconteste, muita expectativa foi depositada a partir da posse do governo de Lula, em 2003; entretanto, nada mudou. O gasto com saúde per capita no Brasil caiu entre 1997 (governo FHC) e 2008 (governo Lula), apresentando o valor de 294 reais por habitante em 1997 e de 234 reais em 2008. Em 2009, houve um pequeno aumento, chegando a 289 reais, em decorrência da iminência da gripe suína. Entre 1995 e 2011, o percentual da Receita Federal alocado para o Ministério da Saúde caiu de 11,72% para 7,3%.


Outros dados que comprovam o desinteresse do governo federal, independentemente de seu gerente de turno, em fortalecer a saúde pública no Brasil, são demonstrados através da progressiva diminuição da participação da esfera federal no financiamento da saúde. No período entre 1991 e 2017, o financiamento do SUS decorrente da esfera federal caiu de 73% para 43%, o resultado dessa sistemática queda só não foi catastrófico porque acabou sendo compensada com o aumento do financiamento por parte dos estados (de 15% para 26%) e dos municípios (de 12% para 31%).


Em 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula, chegou ao Senado, após ser aprovado na Câmara, uma proposta de prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O Senado, com maioria oposicionista ao governo Lula, impôs uma condição para a aprovação: que todos os recursos da CPMF fossem direcionados à saúde. O montante, na época, significaria 40 bilhões de reais a mais para a saúde, contudo, acreditando que conseguiria a aprovação do projeto inicial, o governo não acatou as exigências e a proposta não foi aprovada. Ainda em 2007, foi apreciado e aprovado no Senado um projeto de autoria do senador Tião Viana, do PT, assim, seria destinado à saúde 10% da Receita Corrente Bruta. Não obstante, o relator escolhido para o projeto, também petista, apresentou um substitutivo, que retirava os 10% da Receita Corrente Bruta e criava uma nova CPMF – agora com o nome de Contribuição Social para Saúde (CSS), com alíquota menor, destinada apenas à saúde, como já acontecia anteriormente. A proposta voltou a Câmara dos deputados e foi aprovada. Em 2013, já no mandato de Dilma, com um Senado favorável ao governo, a segunda proposta foi aprovada também na câmara alta do Congresso.


Como podemos notar, a preocupação em melhorar a saúde pública no Brasil passou longe de ser um interesse dos governos petistas, que diziam, com a velha demagogia que cabe aos gerentes do Estado reacionário, governar para os trabalhadores. O que se viu, na prática, foi justamente o oposto: as políticas de financiamento da saúde pública seguiram o caminho de redução dos recursos ano após ano.


Como contrapartida do subfinanciamento do SUS, temos as renúncias fiscais concedidas pela União. Em 2012, por exemplo, a União renunciou a 13,3 bilhões em imposto de renda; 4,2 bilhões em medicamentos, produtos químicos e farmacêuticos e 2,6 bilhões em benefício de instituições filantrópicas. O lucro das operadoras de planos médicos-odontológicos, no mesmo ano, foi estimado em aproximadamente 100 bilhões. Quer dizer, a renúncia fiscal serve a dois propósitos: desonera os planos de saúde privados, que mesmo com gigantescos lucros não precisam contribuir e, por outro lado, onera os cidadãos, que além de contribuírem obrigatoriamente com o SUS, acabam cofinanciando os planos de saúde; pois é o dinheiro público, dinheiro de todos os brasileiros, que a União abre mão de receber em prol da iniciativa privada.


Mais adiante, nos anos de 2015 e 2016, temos dois importantes marcos na incessante busca das classes dominantes pelo desmantelamento dos direitos que restam ao povo brasileiro. As Emendas Constitucionais (EC) 86/2015 e 95/2016 foram mais dois duros golpes que afetaram o financiamento do SUS. A EC 86/2015 estabeleceu a obrigatoriedade orçamentária de que 0,6% da Receita Corrente Líquida – somatória de todas as receitas tributárias, referentes a contribuições patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços, deduzidos os valores das transferências constitucionais – seria destinada as emendas parlamentares individuais de aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), incrementando, com mais dinheiro público, os negócios da burguesia burocrática, dos politiqueiros incrustados no Estado. Em 2018, as despesas ASPS, referentes às emendas parlamentares, chegaram ao montante de 8,841bilhões de reais, número que representou 7,6% do total das despesas ASPS, ou seja, não foram “apenas” os 0,6% da Receita Corrente Líquida, é dizer, do dinheiro público, que esteve no balcão de negócios da burguesia.


Intitulada Lei de “teto de gastos”, a EC 95/2016 é ainda mais nefasta. Sua aprovação significou a retirada de recursos financeiros do SUS a partir de 2017, com o congelamento e estipulação de um teto que será mantido até 2036. Essas ações foram justificadas pelo governo como uma forma de reduzir o déficit primário das contas da União – ou seja, cortar despesas para gerar um montante de dinheiro que é destinado ao pagamento da dívida pública –, quando, na verdade, se trata de uma desculpa esfarrapada para retirar recursos que dizem respeito diretamente à garantia de direitos do povo brasileiro e dar, sem nenhuma limitação, às aves de rapina imperialistas e seus serviçais no Brasil, traidores de nosso povo.


Para se ter ideia do tamanho do roubo e do entreguismo do Estado brasileiro, bem como da farsa de que a dívida pública diminuiria, em 2019, já sob o governo de Bolsonaro/Mourão, o montante executado com o serviço da Dívida Pública Federal foi de 1,038 trilhão de reais, o que significou 38,3% do total de gastos (R$ 2,711 trilhões). Foram 285 bilhões de reais gastos com “Juros/Encargos da Dívida” e 753 bilhões de reais com “Amortizações”. No mesmo ano, a verba destinada ao SUS foi de 122,6 bilhões de reais, já com as diretrizes impostas pela EC 95/2016, sem ela, o valor teria sido de aproximadamente 142,8 bilhões.


Já em 2020, na Lei Orçamentária Anual (LOA), onde é detalhado como será o orçamento do ano em cada esfera de governo para as políticas públicas, foi destinado 1,606 trilhão de reais para o pagamento da Dívida Pública Federal, sendo 409,6 bilhões para pagar Juros/encargos da Dívida Pública e 1,193 trilhão para “Amortizações”. No mesmo ano, nosso povo foi assolado pela pandemia da Covid-19 e o governo federal relutou em repassar 600 reais de auxílio emergencial para que as pessoas não tivessem que escolher entre morrer de fome ou se arriscar a morrer infectadas pelo vírus.


Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2019, numa comparação feita entre 49 países, o Brasil ocupava a 40ª posição na relação de porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) destinado à saúde. A porcentagem do PIB direcionada à saúde no Brasil oscila ao longo da história entre 3% e 4% e está atrás de outros países da América Latina, como, por exemplo, Costa Rica (5,7%), Colômbia (5,3%) e Chile (5,2%). Nos dados sobre financiamento público per capita, o Brasil se encontrava em posição ainda pior, em 45º lugar, com investimento de 551 dólares por habitante, sendo ultrapassado por Turquia (957 dólares) e México (586 dólares), além de ficar novamente atrás de Chile (1.272 dólares), Costa Rica (965 dólares) e Colômbia (706 dólares).


Com a chegada do novo coronavírus, a sabotagem ao SUS refletiu nos trágicos números de mortos entre nosso povo, pois, sem o investimento necessário, inúmeros são os obstáculos que se colocam ao enfrentamento da pandemia. A taxa de letalidade do vírus no Brasil é a segunda maior da América Latina, alcançando um percentual de 5,62%, atrás somente do Equador (8,51%). O Peru é o segundo país com mais casos da América Latina e a taxa de letalidade é de 2,73%, o Chile é o terceiro país com mais casos e apresenta a taxa de 1,12%. O prognóstico de cura dos casos mais graves do novo coronavírus está diretamente relacionado ao acesso de recursos de saúde como leitos de UTI, respiradores mecânicos, oxigênio e número adequado de trabalhadores da saúde. O subfinanciamento da saúde implica nessa elevada taxa de letalidade, porque com leitos de UTIs e de enfermaria lotados, falta de respiradores, número elevado de trabalhadores afastados por contraírem o vírus, falta de oxigênio – vide o caso do Amazonas e do Pará –, temos a potencialização do número de mortes.


Exposto todo esse cenário, com os dados que apontam como o financiamento da saúde é tratado no Brasil e que a defesa do direito à saúde nunca foi para além dos slogans de campanha de todos os governantes, sem que tenha havido qualquer avanço significativo ao longo da jovem existência do SUS, devemos denunciar os ideólogos da burguesia, que por meio de todos os equipamentos de que dispõem, atacam ferozmente a saúde pública. Devemos defender e valorizar todos os profissionais da saúde, que com todas as dificuldades e obstáculos impostos pelas políticas do Estado reacionário, fazem, com pouco, muito pela saúde e pela vida de nosso povo. Devemos defender o SUS e lutar por um financiamento justo, compatível com as necessidades de nosso povo. Chega de entregar dinheiro do povo brasileiro ao capital e seus representantes reacionários. Devemos lutar para que os trabalhadores brasileiros tomem a direção de nosso país, pois construiremos juntos uma nova sociedade que garantirá todos os direitos necessários a uma vida digna, com um sistema de saúde verdadeiramente universal e de qualidade.


REFERÊNCIAS


Diego de Oliveira Souza (2020). O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde e seus rebatimentos no enfrentamento da Covid-19. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 30(3), e300313.


Francisco Rózsa Funcia (2019). Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 24(12):4405-4414.


Gilson Carvalho (2013). A saúde pública no Brasil. Revista Estudos Avançados, 27 (78).






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