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Luís Carlos Paraná, o bar "Jogral" e a música popular brasileira


De origem camponesa, autodidata e exímio compositor desde os primeiros anos de vida, Luís Carlos Paraná viveu por 38 anos. O curto tempo de vida não o impediu, porém, de ser um violonista de grande calibre, bem como um “militante” da boa música popular e brasileira. Conhecido por ser um ortodoxo e respeitoso à uma “linha” musical essencialmente popular, foi dono do Bar Jogral e parceiro de Paulo Vanzolini, Adauto Santos e Marcus Pereira. Tornou-se uma figura incógnita, por isso digna de recordação.

Quem não conhece a história do Bar Jogral? O reduto da pequena burguesia paulistana, ainda que passasse ao largo — e com orgulho! — dos grandes meios de comunicação e da indústria fonográfica, fez parte da história de nossa música popular. Na década de 1960 o bar constituir-se-ia em um baluarte daqueles obcecados pela “verdadeira” música popular brasileira, aquela que supostamente contrastaria com a avalanche de materiais estrangeiros que se precipitavam em direção as canções de então. Foi do palco do Jogral que Marcus Pereira, entusiasta da cultura brasileira, extraiu valiosíssimas matérias-primas para seu selo homônimo de música independente, a exemplo de Cartola, Trio Mocotó, Banda de Pífanos de Caruaru e tantos outros. Não tardou para o selo e o bar lograrem notoriedade em âmbito nacional, sendo ambos objetos incontornáveis para aqueles que desejam saber mais sobre a MPB. O pequeno recinto, embora albergasse uma classe social deveras isolada das lutas de massa, acabou por configurar-se como um polo de resistência cultural à dominação imperialista daquele momento (representada pela ditadura militar de tipo fascista), sobretudo em matéria de música popular.

A história do bar (ou da boate) já dispõe de uma literatura razoável, e recebe com frequência as menções honrosas as quais merece, podendo repousar à sombra dos louros conquistados em meio as noitadas paulistanas. Contudo, tanto a vida boêmia dos hedonistas quanto o fôlego de Marcus Pereira em suas produções, não seriam exitosos sem a figura de Luís Carlos Paraná. O ribeirão-clarense que encabeça o título deste artigo, apesar de incógnito, fora personagem elementar de nossa música. Paraná foi idealizador do afamado Jogral, onde, além de trazer grandes músicos para o seu palco, também trabalhava de garçom, gerente e tudo mais que fosse preciso. Sem contar que entre o atendimento de uma mesa e outra dava para músico — e que músico!

Pode-se dizer que, em alguma medida, Paraná assumira o papel de “padrinho” de inúmeros intérpretes e compositores, como o Trio Mocotó — nascido e criado no Jogral —, Jorge Ben, Elza Soares, Claudete Soares e uma centúria de outros artistas [1]. Muitos destes nomes apareciam antes no Jogral para depois destacarem-se nos grandes festivais da TV — aqueles renomados certames que ditavam não só os rumos da música brasileira como também os da indústria fonográfica. Acontece que Paraná e seu séquito, justamente pela grande antipatia que nutriam pelas multinacionais do som, faziam questão de fiar a carreira de artistas de menor fama, como Chico Maranhão, Geraldo Cunha e Osinette Marinho. O Paraná, ele mesmo, enquadrava-se como um destes compositores desconhecidos e de grande calibre; inclusive aceitava com muito orgulho tal condição.

O boêmio abstêmio [2], que não podia beber devido a uma complicação no esôfago, “não teve tempo para fazer muito, mas sempre teve para fazer ótimo”, conforme asseverou Paulo Vanzolini certa vez. Paraná é dono de uma pequena obra oficialmente registrada, que conta com as clássicas “Cafezal em Flor”, eternizada na voz de Cascatinha e Inhanha, e “Maria, Carnaval e Cinzas”, interpretada de maneira excepcional por Roberto Carlos no III Festival de Música Popular Brasileira (1967). Isto porque o “empresário” de origem popular era simpatizante mesmo do improviso, não se importando com os registros fonográficos; as porfias (desafios caipiras de versos e rimas) que fazia junto de Vanzolini embalaram várias das noites do Jogral. [3]

De família de meeiros e lavradores, Paraná só veio a conhecer uma cidade grande aos 19 anos de idade, quando transferiu-se para o Rio de Janeiro nos anos 1950. À medida que engrossava a camada proletária carioca, tornando-se comerciário, participava da ebulição sócio-cultural da cidade, fazendo pequenas apresentações em boates e casas noturnas. Ali adquiriu o traquejo que depois lhe seria útil nas noites paulistanas.

Chegou em São Paulo no último ano daquela alvorotada década de 1950 e em poucos anos, após calcorrear as mais renomadas boates com suas modas-de-viola, realizou o sonho de abrir a própria casa noturna. Nascia o Jogral; primeiro instalando-se na Galeria Metrópole, depois na Rua Avanhandava. O segundo endereço não tardou a se tornar indispensável no itinerário de todo e qualquer correligionário da boa música. Ademais, como supracitado, o bar encorajou e garantiu a carreira de centenas de artistas até então desconhecidos — fora criado, inclusive, para este fim: contribuir com o mercado profissional de músicos independentes.

O terceiro e último endereço, porém, Paraná não conheceu. As varizes no esôfago o levaram no ano 1970. Faleceu no hospital Oswaldo Cruz e não conheceu o bar que ele mesmo começara as reformas na Rua Maceió.

Após a sua morte, o Jogral começou a cair. Não só pela falta que Paraná fazia à gerência e a manutenção do espaço, como também pelos contatos estreitos que possuía com o meio musical. O bar foi tocado por um tempo por sua esposa, Marta Paraná. Depois, à beira da falência, foi comprado por Marcus Pereira e Martinho da Vila. [4]

Estes mantinham o Jogral por conta de seu valor espiritual e afetivo, pois lucros mesmo não mais granjeavam. Algum tempo depois o recinto fechava as portas.

Se vivo, Luís Carlos Paraná se orgulharia do legado que deixara. A tua dedicação e “militância” no campo da boa música certamente foram encarnadas pelo atemporal cancioneiro popular. Seu trabalho, tanto no âmbito de suas composições como no empreendimento do Jogral, sem dúvida engrossam a memória e a consciência popular, nacionalista e anti-imperialista.

Paraná também não teve tempo para ouvir o seu último álbum ("A Música de Carlos Paraná"), produzido pelo amigo e companheiro Marcus Pereira após a sua morte, em forma de homenagem. Pereira deixara uma mensagem na contracapa, uma espécie de carta, a qual reproduzimos a seguir:

“Carlos, meu velho:

Terminamos, afinal o seu disco. Desculpe retomar assim o nosso diálogo, mas, não fosse a sua teimosia, e este disco poderia ter sido feito antes. Mas você, com aquela história de deixa para lá, ao longo de todos estes anos, vai ouvi-lo não sei em que circunstâncias. A gravação foi trabalhosa, com repetições intermináveis para chegar àquilo que acreditamos ser o que você tinha pensado. Não foi fácil para o Adauto e o Emílio descerem até o seu tom, no qual foram gravados os playbacks. Mas o Válter, com aquele chicote de ternura nas mãos, nos fustigava a todos.

Tereza acompanhou tudo também, atenta à divisão, à dicção. Todos nós ainda muito embriagados de tristeza, talvez um pouco sobressaltados ainda, aquela descrença burra iludindo a gente.

No mais, nem sei o que dizer. ‘O Jogral’, aquela enchente de sempre. Aluísio correu à noite outro dia, não tinha quase ninguém em lugar nenhum lugar. Mas lá, o empurra-empurra de sempre. O pessoal está dando tudo: o Trio, Mário, Geraldo, todo mundo. Eu pretendo voltar, não voltei ainda, tenho medo de esquecer. [...]

Temos estado sempre com a Martinha, ela vai tocando, assumiu já o leme e estão firmes as suas pequenas mãos. A foto da capa foi ela quem fez. Reinaldo e Teresa chegaram um pouco atrasados – é o que eles pensam – mas você sabe que eles estão entre os que chegaram primeiro. Paulinho está pra chegar do Norte, acho que não sabe de nada, a gente precisa dar um jeito, mas não sabemos que jeito. Ilse, as meninas, estavam conosco. Maria Antônia também.

Todo dia volto para casa, pego meu uisquinho, ponho um disco na vitrola (a editora Abril reproduziu uma fotografia sua entregando a ‘Ordem Jogral’ pro Lupicínio, não sei se cheguei a te contar) e olho para o seu velho violão pendurado na parede. Parece que ele te faz as vezes e me diz “oba”!, como foi sempre.

Agora eu paro, porque não há quem consiga escrever chorando.

Marcus.

PS: Estivemos em sua casa naquele dia mesmo e, logo na entrada, Carolina viu a sua coleção que ela dirigiu. Ela ficou olhando longamente, mas não disse nada, nem eu perguntei”.

NOTAS

[1] Entrevista com Thiago Sogayar Bechara, autor do livro "Luiz Carlos Paraná, o Boêmio do leite" para a Rádio Jovem Pan. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lbacQmnrQrU

[2] “Sobre Luís Carlos Paraná” — Disponível em: https://www.letras.com.br/luiz-carlos-parana/curiosidades

[3] “Luís Carlos Paraná” — Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/luis-carlos-parana

[4] “O Jogral Continua”, de Marcus Pereira. Disponível em: http://violaosardinhaepao.blogspot.com/2017/01/a-historia-do-jogral-capitulo-cinco.html

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