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"Golpe de Estado e entronização do fascismo na Bolívia"

O golpe de estado perpetrado na Bolívia contra o governo do presidente Evo Morales mostra sinais inequívocos do fascismo.
Muito se debate sobre este caráter fascista do golpe de estado e do governo que tomou o poder na Bolívia, e um argumento utilizado tanto agora como no passado para negar seu caráter fascista é aquele de que o fascismo, no sentido estrito – se podemos falar de algum sentido estrito –, só pode acontecer em países de capitalismo desenvolvido, ou mais propriamente em países de capitalismo monopolista. Desta maneira, os regimes fascistas europeus do século passado são usados como modelos teóricos para comparações tendenciosas e imprecisas, bem como para uma definição conceitual do fascismo.
Estas posições de um marxismo caricato e de um esquematismo academicista, as quais temos respondido e já colocamos em debates em textos anteriores, não resistem à análise concreta de uma situação concreta.
Vejamos o que aconteceu e o que acontece na Bolívia desde outubro de 2019.
O AQUECIMENTO DA OPINIÃO PÚBLICA E O ESTADO DE TENSÃO
Meses antes das eleições de 20 de outubro de 2019, instalou-se gradual e sistematicamente em ritmos crescentes no imaginário popular, através dos meios de “incomunicação” e sobretudo nas redes sociais (uma prévia preparação de grupos especializados e financiados), que estava sendo preparada uma gigantesca fraude na Bolívia, a qual intentava o triunfo eleitoral de Evo Morales.
O candidato Carlos Mesa – junto de seu estilo verborrágico –, dissera isso, reiterada e enfaticamente, com o claro objetivo de desqualificar o Órgão Eleitoral Plurinacional e sobretudo para deslegitimar o seguro triunfo eleitoral de Evo Morales, que obtivera uma margem suficiente de votos para lograr a vitória ainda em primeiro turno.
Porém, neste contexto, existe algo a mais do que a simples distorção dos fatos pela mídia burguesa. Ocorre que incutiram no imaginário da opinião pública um “sucesso” que não ocorreu. É aquilo que os teóricos da comunicação têm denominado de “pós-verdade”. A grande mídia aturde este imaginário e, ao mesmo tempo, silencia as versões antagônicas, fazendo com que algo se torne verdadeiro, mesmo não tendo acontecido de fato. Em seguida, adotam-se medidas concretas como consequência do que supostamente aconteceu. É exatamente isto que sucedera na tal “fraude de Evo” nas eleições de 20 de outubro. A mídia mostrou-se espantada com isto, as outras versões acabaram sendo silenciadas e medidas foram imediatamente tomadas como consequência da suposta fraude. A “pós-verdade” foi consumada. Isto é algo tenebroso, pois caracteriza a política comunicacional do fascismo com o mais puro estilo de Goebbels: “minta, minta que se tornará verdade”. Este aquecimento dos sentimentos e expectativas populares, que preparava o terreno para o rechaço diante da “eminente fraude”, é aliado a uma campanha midiática e cibernética alicerçada sobre os temas “ditadura de 14 anos”, "sobreendividamento", "desperdício", "corrupção" e "tráfico de drogas".
O Masismo [1] é criticado como o flagelo da sociedade e culpado de todos os males, juntamente com o movimento dos plantadores de coca, camponeses, nativos e residentes de El Alto, áreas populares e bairros de La Paz, Santa Cruz, Cochabamba e todas as principais cidades. São chamados de “selvagens” (Añez), "lobos em pele de cordeiro" (Murillo) e "falsos movimentos sociais".
Isso não nos lembra a demonização de comunistas, judeus, homossexuais, eslavos e ciganos na Alemanha da década de 30 do século passado? Foram eles os acusados como responsáveis pela crise econômica e pela fome.
AS PROVOCAÇÕES E OS ATOS VIOLENTOS
Os dias e semanas que seguiram até o 20 de outubro tiveram como cenário bloqueios urbanos “las pititas” [2], preparação e confronto de grupos paramilitares com uma polícia tímida que recebia golpes e agressões, mas não os respondia; pelo contrário, cooperava com aqueles para tornar mais efetivos e contundentes os bloqueios, dificultando o deslocamento de automóveis e transeuntes. Intensificaram-se as ameaças contra dirigentes do Movimento ao Socialismo (MAS), autoridades do governo, especialmente prefeitos e parlamentares (presidente da câmara de senadores e presidente da câmara dos deputados) e seus familiares, preparando o golpe com o eufemismo da “sucessão constitucional”. O golpe foi executado com ódio e violência desenfreada (incendiando os domicílios dos parlamentares, de prefeitos e ministros, edifícios de tribunais e departamentos de órgãos eleitorais) e sem o quórum necessário na Assembleia Plurinacional.
Isto não nos remete aos espancamentos de comunistas e líderes sindicais, bem como o incêndio do Reichstag e a noite dos cristais na Alemanha nazista?
OS GRUPOS PARAMILITARES EM AÇÃO
Grupos paramilitares, organizados em estrita disciplina militar, são características do fascismo em todas as partes; os SS e os camisas pardas da Alemanha Nazista, os Fasci di combattimento na Itália, os camisas brancas na Espanha e etc. Estas estruturas, em geral, estão organizadas dentro dos partidos nazi-fascistas, ainda que atuem com certa autonomia tanto do governo fascista como de sua polícia e Forças Armadas.
No passado, a Falange Socialista Boliviana ficou encarregada da organização destas estruturas para o golpe de Banzer e Garcia Mesa e, ainda que não tenham conseguido se consolidar, passaram a formar parte das estruturas do controle político e da polícia.
No atual golpe de estado na Bolívia, estes grupos paramilitares foram organizados pelos comitês cívicos de Santa Cruz e Cochabamba. Em Santa Cruz, a partir do comitê cívico juvenil que se denomina como “Union Juvenil Cruceñista” e em Cochabamba, a “Resistencia Juvenil Kochala”.
Formações tipicamente fascistas, armadas com tacos, nunchakus, bazucas caseiras, e protegidos com escudos, máscaras de gás e roupa de campanha, fizeram suas primeiras aparições batendo em camponeses, mulheres e nativos em Santa Cruz e Sucre no golpe cívico contra a prefeitura no ano de 2008. No atual golpe fascista, tanto os grupos paramilitares Cruceñistas como a Resistencia Juvenil Kochala de Cochabamba, viajaram para La Paz com o translado pago e prepararam os bloqueios e os conselhos – agredindo a Polícia com toda a garantia e impunidade – nas suas tentativas de entrar na Praça Murillo e na Casa Grande do Povo na cidade de La Paz.
Estes grupos paramilitares reúnem fanáticos religiosos, anticomunistas, descendentes de oligarcas, bem como setores do lumpen e mercenários.
Concentraram-se na sede do governo, prepararam-se, abasteceram e pernoitaram por várias semanas nas salas de aula da Universidad Mayor de San Andrés, com a autorização e proteção de seu então reitor Waldo Albarracín, que paradoxalmente foi, no passado, presidente da Assembleia dos Direitos Humanos e de Defesa do Povo. Não se sabe se esta autorização foi decidida pessoalmente por Albarracín ou foi uma decisão do Conselho Universitário. De qualquer forma, tanto ele como os membros do Conselho deverão no futuro explicar a comunidade universitária e ao povo de La Paz, ao povo boliviano e a suas organizações populares esta flagrante violação da autonomia universitária. Não somente isso, mas as suas ações em conjunto com os golpistas através do CONADE (Comitê Nacional de Defesa da Democracia) também são corresponsáveis pelo massacre de altenhos (moradores de El Alto) em Senkata.
Não são estes grupos paramilitares versões dos SS nazistas? Em alguns casos (Cochabamba) inclusive levavam a suástica em seus bonés e capacetes.
O ULTRANACIONALISMO/ULTRARREGIONALISMO
Uma das características essenciais do nazi-fascismo é o ultranacionalismo. É ultranacionalismo porque, ao contrário do nacionalismo de todo governo e cidadão patriota, que ama e defende a sua pátria, que não é agressivo e nem se opõe a outros nacionalismos, e é igualmente respeitoso a independência e soberania de cada país (por isso estes nacionalismos são progressistas), é um nacionalismo reacionário. O nazi-fascismo é o sustentáculo do ultranacionalismo porque é agressivo, expansivo e militarista. Este tipo de nacionalismo surge no capitalismo monopolista e tem dois objetivos essenciais: deter o avanço da luta revolucionária em direção ao socialismo e lograr o triunfo pela hegemonia e dominação mundial frente a seus oponentes imperialistas, arrebatando-lhes suas conquistas coloniais.
O fascismo dependente não pode ser nacionalista e nem sequer ultranacionalista; gaba-se de ser, mas sua estatura e seu peso regional – nem precisamos dizer de seu peso no cenário mundial – o torna míope, nanico, além de sempre fiel ao seu mandante e financiador: o imperialismo norte-americano.
Ao fascismo crioulo resta o ultrarregionalismo exacerbado, o ódio aos indígenas do ocidente e ao país do “oxigênio escasso”, formulado por seu ideólogo [3] na aspiração da “Nação Camba” contra os “selvagens”.
O fascismo dependente boliviano é demagogicamente nacionalista; mas, na realidade, é antinacional, regionalista e separatista.
O RACISMO
O racismo é outra das características mais pronunciadas do fascismo. Sua ideologia é a da “raça superior” e um de seus objetivos é a aniquilação das “raças inferiores” (eslavos, negros, judeus, indígenas, etc.). O racismo nazista é o paroxismo do ódio total a outros povos e nações cujo extermínio é essencial para o domínio total da raça "ariana" supostamente pura.
Este racismo também é característica das classes dominantes em todo o mundo, ainda que estas pertençam ao mesmo povo. O racismo no fascismo boliviano alcançou limites dementes. Amaldiçoa-se a “raça maldita”, os “selvagens”, referindo-se a quéchuas e aymaras; ainda que por pura demagogia não se refiram do mesmo jeito aos ayoreos, guarayos, chiquitanos, guaranis e demais povos e nações da Amazônia e do Chaco, mesmo pensando exatamente o mesmo destes.
O atual governador de Santa Cruz, chefe político da atual presidente ilegítima, referiu-se ao presidente Evo Morales como “macaco maior”.
AS CLASSES E AS FRAÇÕES DE CLASSE QUE DIRIGEM O FASCISMO
O fascismo não é anticapitalista como afirmam alguns escritores. Seu ataque ao caráter usurário e de acumulação dos capitalistas judeus não é um princípio, mas apenas um estratagema que pretendia culpá-los pela crise, bem como expropriá-los em benefício do estado fascista e de seus hierarcas ávidos de riqueza e poder. O fascismo, na verdade, é filho dos grandes capitalistas e consórcios alemães, melhor dizendo, da oligarquia industrial financeira alemã, a exemplo do banqueiro Kurt von Schroder, que financiou o partido nazista desde 1932; Krupp, Thiessen, Kodak, Bayer e IG Farben, que fabricaram as câmaras de gás e o gás Zyclon B; a BMW, Opel e a Porsche, que inclusive se beneficiaram da mão de obra dos presos dos campos de concentração em suas fábricas. Ferdinand Porsche foi um nazista, assim como Hugo Boss, patrocinador e fabricante dos uniformes da SS, com o trabalho forçado de 40 mil prisioneiros de guerra.
O nazismo também foi financiado por Rockefeller e a General Motors; esta última fabricou a maior quantidade de caminhões para o exército alemão. Henry Ford, por seu turno, converteu sua empresa na segunda maior provedora de caminhões para o exército alemão; era admirado por Hitler, que lhe concedeu a medalha nazista de “estrangeiro distinto”. A Coca Cola, que fabricou Fanta especialmente para o regime nazista. Também a IBM e sua filial na Alemanha, que fabricaram as máquinas Hollerith para facilitar o censo dos judeus.
Giorgi Dimitrov, o grande comunista búlgaro, nos disse com toda a precisão: “O fascismo é a ditadura terrorista aberta dos elementos mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro”.
Em nossa Bolívia, estes elementos que financiam e se beneficiam do regime fascista são os setores mais reacionários e anticomunistas da oligarquia latifundiária e bancária, aquela ligada ao comércio importador e ao conglomerado exportador da oligarquia da soja e da carne; nomes e sobrenomes como Monasterio, Anglarill, Marinkovic, Antelo, Roda, Daher, Camacho, são seus representantes.
A VIOLÊNCIA E O TERRORISMO DE ESTADO
O nazifascismo é a violência desenfreada contra o povo e suas organizações sindicais e de esquerda, principalmente comunistas. Todo o aparelho do estado se converte numa maquinaria que executa o terrorismo de estado: a Polícia, as Forças Armadas, que em cada um de seus ramos aperfeiçoa os aparatos repressivos e de inteligência, os grupos paramilitares, SS, SA, etc.
Não observamos o mesmo acontecendo agora na Bolívia?
A cada dia e a cada hora escutamos as ameaças, a intimidação, a perseguição (“vamos caçá-los”), as detenções arbitrárias, a tortura e os assassinatos em Senkata e Huayllani- Sacaba.
Todos os protestos sociais e cidadãos são taxados como crimes de sedição. O direito ao asilo político foi violado, as embaixadas do México e da Argentina são mantidas cercadas por grupos paramilitares que substituem a polícia, autuando veículos e pessoas que entram ou saem destas instâncias. A liberdade de imprensa e de expressão foi desmanchada, com o fechamento de redes de televisão como a Russia Today, a Telesur e a Hispan TV; a emissora da Confederação de Campesinos da Bolívia foi intimidada e, assim como as outras, deve se submeter a censura do regime. Há perseguição e encarceramento de jornalistas e membros de plataformas de debate e informação, sob a acusação de terrorismo e sedição. Os ministros estão sendo detidos e acusados de corrupção sem nenhuma prova. Encontram-se presos quase todos os componentes do Órgão Eleitoral Plurinacional, bem como os membros dos tribunais eleitorais departamentais, acusados de cometer delito de fraude eleitoral, fatos de violência e injustiça nunca vistos.
A violência sistemática e diária é realizada nas ruas pela Polícia e pelo Exército. Parentes de detidos e assassinados são intimidados e ameaçados para evitar suas denúncias e reclamações.
A DEMAGOGIA
A demagogia e a mentira são as armas do nazi-fascismo. Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Hitler assinava pactos de não-agressão para depois agredir e muitas vezes professou uma política de paz para iniciar a segunda guerra mundial.
De forma idêntica, o fascismo boliviano fala de pacificar o país e de trabalhar para a unidade dos bolivianos ao mesmo tempo em que ameaça, persegue, aprisiona e massacra o povo, discrimina, insulta e difama aqueles denominados como “selvagens”. Fala do respeito à liberdade de pensamento, mas persegue e aprisiona os opositores políticos e dirigentes sociais por opinar e criticar o governo.
Nos textos dos ideólogos do fascismo boliviano é possível constatar a mais repugnante demagogia: “Entendemos Gabriel René Moreno como homem do seu tempo, mas hoje os ventos que correm são outros. Se antes o camba era o principal inimigo, hoje se torna, queira ou não, o símbolo incontestável de nossa identidade nacional”. [4]
Agora, para os fascistas, os cambas já não são os selvagens chiquitanos, ayoreos, guarayos ou guaranis; agora eles dizem: somos todos cambas! Assim como os imigrantes croatas e os crioulos branqueados. O uso demagógico destes povos para alcançar sua adesão ao projeto oligárquico fascista é grosseiro e não engana e nem enganará a ninguém, a não ser os dirigentes corruptos.
Acontece que o croata Marinkovic e o sérvio Kuljis agora são "Cambas"!!
Será que esses novos “cambas” conhecem, nem que seja por curiosidade, a cultura, os costumes, os idiomas e as línguas destes povos?
A demagogia mais descarada pretende ocultar seu racismo e seu ódio aos indígenas; não só aos aymaras e quéchuas do ocidente, mas também a quem eles sempre chamaram de forma depreciativa de “cambas” ou “cunumis”.
Gabriel Rene Moreno pelo menos era sincero, oligarca e racista confesso. Discriminador, porém culto. Os fascistas de agora, entretanto, são ignorantes e demagogos, e pensam que podem ocultar seu racismo e ódio aos indígenas.
Agora, em seu projeto segregacionista da Meia Lua ou do Estado Associado, o “camba” não é nada mais que o símbolo indiscutível de sua ilusória identidade nacional.
O fascismo desconhece a identidade dos povos, suas lideranças, seu idioma, sua cultura e seus costumes, por isso as dissolve numa inexistente “identidade camba”. Desaparecem as culturas e as identidades nacionais de Guaranis, Guarayos, Chiquitanos, Ayoreos. Agora são só “cambas”. Confundem povos e nações com regiões geográficas. Até mesmo os benianos e pandinos atrevem-se a incorporar a sua identidade camba; desta forma também desaparecem as identidades de povos como os Itonamas, Yuracarés, Baures, Cayubabas, Mosetenes, Esse Ejja, Chácobos, Ignacianos, Trinitarios, Lecos, Yaminahuas, Cavineños, para aparecerem pela magia fascista como “cambas”.
Estes elementos que historicamente buscaram a divisão da Bolívia, expressam a demagogia fascista em falsas posturas patrióticas, como por exemplo quando hasteiam a bandeira tricolor em seus motins e tumultos. Recordemos que o golpe de estado fascista de Banzer em agosto de 1971, patrocinado pelos EUA e pelo Brasil, apregoava que, numa eventual emergência, caso o golpe fracassasse, seria necessária a separação de Santa Cruz da Bolívia e sua fusão com o Paraguai, criando assim um novo Estado, com a sua capital em Santa Cruz de la Sierra.
Mais recentemente, no ano de 2008, no golpe cívico à prefeitura, chegou-se muito mais longe. Proclamaram a “Nação Camba” com o protagonismo de mercenários croatas, húngaros e irlandeses, e com o financiamento da oligarquia latifundiária.
Um representante da "nação Camba" declarou então que uma carta havia sido endereçada à ONU, informando que em breve seria anunciado o nascimento de uma nova república no coração da América do Sul, separada da Bolívia, "a Nação Camba".
O FANATISMO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Outra das características do fascismo é o fanatismo religioso cristão. Basta analisarmos os exemplos espanhol e italiano. O nazismo não mostrou esta característica relevante, ainda que tenha contado com o apoio do Vaticano e do papa Pio XX. Mas na Espanha, este fanatismo somado a intolerância levou o país a um estado quase que teocrático, com a cruel perseguição e assassinato de comunistas, socialistas e todos os ateus. Franco (O caudilho) era um fanático católico e colocou a Igreja Católica como verdadeira detentora do poder na Espanha.
Na Bolívia, tanto os militares golpistas quanto os regimes fascistas levantaram o catolicismo contra o “comunismo ateu”. A hierarquia da Igreja Católica tem sido cúmplice destes regimes nefastos em seus crimes. Banzer aprofundou esta característica, promovendo vários aventureiros cristãos. Mas em nenhum caso isso foi tão evidente quanto no atual golpe e no corrente governo fascista, que fez sua entrada triunfal no palácio do governo com a bíblia como estandarte. Tanto os executores do golpe (Camacho e seus anfitriões) como a autoproclamada presidente patentearam o retorno da Bíblia ao palácio do governo. Pisando na constituição política do estado, eles pretendem converter a religião católica em religião oficial, no entanto, a participação de seitas cristãs tem sido tão influente quanto a católica. O governo fascista tem seu gabinete cheio de católicos e cristãos. Existem também outros que saltaram acrobaticamente para o cristianismo mais retrógrado e agora o encontramos sentado na cadeira de ministro da educação.
FASCISMO E O APOIO DAS MASSAS
O nazifascismo tomou o poder com o apoio das massas, principalmente de setores da classe média, mas também de trabalhadores confusos pela demagogia e desesperados por conta da crise e do caos social.
Um relevante setor da classe média da cidade que, embriagado de fanatismo religioso, racismo e anticomunismo, foi cooptado pela ideia de lutar contra um “ditador” que organizou uma “monumental fraude” e pelo medo de um avanço revolucionário do processo de mudança, somando-se assim às mobilizações dos comitês cívicos nas principais cidades, em grupos de choque paramilitar e nas concentrações e conselhos. Fiaram o golpe de estado: jovens universitários; setores populares de cooperativas de mineiros, especialmente de Potosí; grupos direitistas e dirigentes corruptos de um setor dos sindicatos; professores urbanos, conservadores e reacionários, influenciados e dirigidos pelo trotskismo e representantes das prefeituras municipais de La Paz e El Alto, estas controladas por partidos de direita.
Ademais o golpe contou com a participação ativa de renegados dos partidos de esquerda, muitos dos quais fizeram parte do governo de Evo Morales, como autoridades, ministros, vice-ministros, deputados e senadores.
Alguns outros organizaram um CONADE fictício e, junto a um pequeno grupo de servidores da direita entrincheirados na Assembleia de Direitos Humanos, foram coparticipantes do golpe e corresponsáveis pelos massacres do povo boliviano.
Também tiveram um papel fundamental no golpe os hierarcas das igrejas evangélicas, assim como da igreja católica. Estes promoveram reuniões para auxiliar o fascismo crioulo e pô-lo em contato com a CIA e com a embaixada do Brasil no processo de nomeação da bandida e autoproclamada presidente Jeanine Añez.
O FASCISMO COMO ÚLTIMO RECURSO DIANTE DO AVANÇO DA REVOLUÇÃO
O nazifascismo é o último recurso da oligarquia financeira para deter o avanço da revolução socialista. O fascismo dependente é o último recurso da oligarquia latifundiária para deter a continuação do processo de mudança. O medo de seu aprofundamento em direção ao socialismo (ainda que saibamos que o movimento não se dirigia precisamente a essa direção) foi um dos componentes da reação e golpe fascistas.
OS IDEÓLOGOS DO FASCISMO
O nazifascismo teve Alfred Rosemberg como seu principal ideólogo. Nascido na Estônia, falava alemão báltico. Autor dos livros “O Mito do século XX”, “Sangue e Honra” e “A trajetória dos judeus através do tempo”, nos quais refletia sobre os ideais e objetivos do nazismo, sobre o racismo e a supremacia da raça ariana e a respeito dos super-homens que deveriam se impor aos sub-homens e raças (lê-se eslavos, negros e latinos). Ademais defendia a teoria do “Lebensraum”, ou do espaço vital, que é a conquista dos chamados espaços vazios, isto é, a Polônia, a Ucrânia e a União Soviética. Assumiu a função de administrar a política do nazismo em relação aos territórios ocupados. Foi enforcado em Nuremberg em 1946 por crimes de lesa a humanidade.
Julius Streicher foi, além de ideólogo, publicitário do nazismo e editor do jornal Der Sturmer.
O fascismo boliviano, na falta de um ideólogo, tem um aprendiz, Sergio Antelo Gutiérrez; sua pobreza conceitual e sua ignorância estão contidas em vários livros. Levando o estandarte da “Nação Camba” e da divisão da Bolívia com sua proposta de um Estado Livre Associado. Triste e até vergonhosa analogia para os próprios cruceños, com a condição atual de Porto Rico. Em seus escritos, manifesta seu extremismo racista e regionalista.
Vejamos algumas passagens:
Ele se refere no seguinte paragrafo ao ocidente boliviano, a parte altiplânica e a seus habitantes: “É assim que o camba, como categoria sociológica (e política) que foi levada ao extremo de sua negação, converte-se na antítese do país do oxigênio escasso e de alguns ‘anões mentais’”.
"Em outra seção, declaramos que apenas sociedades relativamente homogêneas têm capacidade para realizar inovações tecnológicas, extinguir ou minimizar seus conflitos sociais e econômicos e até mediar suas disputas entre classes (burguesia x proletariado)". [5]
"Em primeiro lugar, nós o percebemos como um "Estado Livre Associado" ao Estado boliviano, isto significa que é uma entidade "separada", mas ao mesmo tempo "unificada", em novas bases contratuais, aos nossos velhos e problemáticos vizinhos do país do oxigênio escasso”.
De Sucre, a capital, diz o seguinte: “A margem disto e no fundo desse ato “criativo” devemos dizer que o estado alto peruano (não a nação boliviana, porque esta não existe) funda-se à sombra do cerro de Potosí e é promovida pela classe parasitária e doutorada, ligada em seu centro administrativo à cidade de La Plata – hoje Sucre –, convertida com os anos numa cidade quase fantasma, por obra e graça do espírito santo”. [6]
LIDERANÇA E PARTIDOS NAZI-FASCISTAS
O nazifascismo tem como um de seus elementos fundantes a assunção de um dirigente e líder forte. Desde muito cedo Hitler assumiu esse papel no partido nazista, Mussolini no partido fascista italiano, Franco no falangismo espanhol e etc.
Na Bolívia, Banzer sagrou-se líder do golpe fascista, entretanto não contava com uma estrutura partidária. Tal estrutura foi recém organizada depois da queda do regime, com uma denominação que faz honras à demagogia e mentira fascistas, “Ação Democrática Nacionalista” - falsos democratas, falsos nacionalistas.
No atual golpe de estado e governo fascistas, não existe partido e nem líder. Ainda que Añez milite no único partido fascista organizado, cuja denominação, para variar, é nada mais nada menos que “Democratas” (novamente presente a demagogia fascista), ela não é e nunca foi liderança de nada. Tomou o poder por causalidade. Tampouco seu partido dirigiu o golpe. Quem o fez foi Luis Camacho, que se projetava como o líder do golpe, ainda que sem partido, mas com a sustentação do comitê cívico cruceño. Sua surpreendente ignorância e suas ações pouco leais em relação aos seus parceiros, assim como a corrupção declarada, o anularam de liderar a condução do fascismo.
Estas debilidades do governo fascista atual permitem prever um futuro incerto, e o mais provável é que seja breve. No entanto conta com o respaldo do imperialismo norte-americano, o que indica que persistirá. O racismo e o regionalismo agressivos, o anticomunismo e o ódio ao índio e as organizações sociais têm emergido de seu estado latente, do fundo dos sentimentos mais deploráveis, dos medos mais irracionais.
Como a história nos mostra, as outras formações políticas da direita que proclamam seu democratismo nos momentos de definições sempre acabam apoiando, ou melhor, respaldando o fascismo.
Por isso é extremamente necessária a formação imediata de uma Grande Frente Nacionalista, Patriótica Anti-imperialista e Antifascista na Bolívia. Devem constituí-la todos os partidos de esquerda, revolucionários e democráticos, as organizações sociais e sindicais, as personalidades e os intelectuais.
Por último, é importante compreendermos que não existe fascismo consolidado propriamente ditos, mas, na realidade, processos de fascistização, que podem ou não amadurecer. Como contraponto, também existem processos de democratização antifascistas que podem alcançar altos graus de consolidação, inclusive se se colocarem em direção ao socialismo.
Do Partido Comunista da Bolívia (Marxista-leninista-maoísta)
NOTAS
[1] Referência a corrente política do partido de Evo Morales, o MAS.
[2] Tática de bloquear as ruas com correntes; na Venezuela ficou conhecida como Guarimbas.
[3] Antelo Gutiérrez Sergio, “Los cambas, nación sin estado”, p. 143.
[4] Idem, p. 141.
[5] Ibidem, p. 97.
[6] Ibidem, p. 120.