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A "falta de tempo" justifica uma militância frouxa e indisciplinada?


Dedicamos estas linhas aos companheiros e companheiras conscientes e lutadores que se sintam, sinceramente, frustrados com acontecimentos em suas respectivas bases de atuação política relacionados à letargia e corpo mole que constituem traço comum na militância que se reivindica socialista e comunista de nossa época. Esperamos que nossas palavras sirvam para estimular um debate sobre comportamentos extremamente nocivos típicos de nossa época, que acabam por minar um avanço maior da luta.

Quem já não participou de frentes de luta, coletivos, grupos de trabalho, propaganda e estudo cujas atividades e ações acabam sendo contidas por uma quantidade majoritária ou minoritária de membros que acabam por executar mal ou simplesmente abandonar os trabalhos políticos em razão da típica desculpa da “falta de tempo”? Quantos grupos de estudos não há por aí que sequer terminam suas bibliografias em razão do corpo mole de parte expressiva de seus participantes? Quantos casos não há de militantes que deixam de aparecer até mesmo em atividades importantíssimas, como assembleias e mobilizações de massas, pelos menores dos problemas que aparecem em suas respectivas vidas pessoais, que acabam sendo justificados pela suposta “falta de tempo” para dedicarem à vida política?

Já se tornou um truísmo falar que vivemos numa época de brutal confusão, onde atitudes tipicamente pequeno-burguesas, liberais, acabam sendo encobertas exatamente como o seu contrário. Fala-se da “falta de tempo”. Nesta esteira, transforma-se o erro em virtude. Quantos comentários não escutamos em nossos respectivos trabalhos políticos que sustentam que trabalhadores comuns jamais poderão ser militantes comunistas (ou pelo menos terão enormes dificuldades) em razão da falta de tempo que possuem para dedicar à luta política (longas jornadas de trabalho, longas horas passadas em transportes para irem ao serviço, cuidados com as famílias, etc.)? Alguns vão muito além e sustentam que os trabalhadores comuns sequer podem ter acesso à ciência Marxista, que explica as raízes e o porquê de sua opressão, não apenas por não terem tempo como também por não terem frequentado uma faculdade ou por terem tido um acesso apenas extremamente precário ao conteúdo escolar. Quantas vezes não escutamos por aí que a juventude, ao “arrumar sua vida”, ter uma casa, emprego, etc., “amadurece” e acaba por se desfazer da luta política, que aparece como sendo uma passagem como tantas outras pela vida juvenil e não como um compromisso de vida com o proletariado e o povo brasileiros? Quantas vezes não ouvimos a sandice sem tamanho que, justamente em razão da suposta falta de tempo, o militante comunista ideal não mais seria o operário ou o camponês, o favelado ou a dona de casa, mas o estudante universitário de classe média, mantido pelos pais e que em razão disso teria supostamente um vasto tempo de seu dia para dedicar à luta política, fora dos horários de aula? Quanto a isso, surgem até mesmo dezenas de “teorias” pomposas que pretendem “atualizar” o “Leninismo”, falando que o tal “modelo Leninista” de um Partido Comunista centralizado e disciplinado não mais seria possível nos dias de hoje, pois as pessoas não têm mais tempo para se dedicar à luta política e que, portanto, deveria prevalecer um “novo” entendimento de um partido com ares de “renovado” e que se adequasse aos “novos tempos”, o que na verdade apenas serve para substituir a teoria de um partido de vanguarda proletário pela de um partido liberal burguês, na melhor das hipóteses socialdemocrata.


Estes são problemas graves sobre os quais precisamos refletir seriamente.

Sobre o histórico perfil de classe do militante comunista e a inconsistência da noção de “falta de tempo”

A crise vivida pelo movimento comunista internacional desde meados da década de 1950, a partir do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, e largamente intensificada após a queda da União Soviética no início do anos 1990, gerou um processo de confusão política nas fileiras dos que se reivindicam socialistas ou comunistas como nunca antes houvera, o que acabou por conduzir, na maioria dos países, à completa separação entre a teoria socialista e o movimento operário. Lênin dizia que o Partido Comunista, ou comunismo, é a fusão da teoria socialista com o movimento operário, e sem tal fusão, com a teoria socialista separada do movimento operário, com o segundo em condições na qual não se apropria da teoria socialista, não há como falar em comunismo. [1] Numa série de países, incluindo o Brasil, a teoria socialista deixou de ser assumida pelo movimento operário e tornou-se cada vez mais monopolizada pequena burguesia progressista, principalmente a intelectualidade acadêmica. Nas condições prevalentes do Brasil, por exemplo, o movimento operário mais atuante politicamente não é socialista, mas petista. Neste raciocínio, há um agravante: embora nunca tenha havido na História um consenso pleno quanto a isso, prevalece entre os que se reivindicam socialistas e comunistas atualmente uma controvérsia sem tamanhos sobre o que é ou não é a teoria socialista. Vivemos um quadro muito mais prolongado e muito piorado, a título de comparação, que aquele da Rússia da década de 1880, quando o grosso do movimento operário politicamente atuante tinha como ideologia sua o populismo pequeno-burguês, Narodnik, e o Marxismo estava até então sob o monopólio de círculos estudantis e intelectuais.

O que queremos dizer com isso é que se agrava um processo no qual os socialistas são intelectuais e os trabalhadores comuns, embora nas condições de nosso país não sejam em sua grande maioria anti-socialistas, têm uma relação de estranhamento com o socialismo. Por que não dizer, evidentemente, por uma questão de estranhamento de classe entre o proletariado e a classe média? Não há também, nas condições de nosso país, um processo odioso de “classemédiaização” do que se entende como “esquerda”, com toda sua arrogância, paternalismo e desprezo ao povo, sentimentos típicos da classe média, manifestando-se em sua atuação política? Como não devem ter se sentido milhares de trabalhadores comuns que poderiam ser trazidos para o campo progressista com atitudes absurdas como fizeram até mesmo companheiros que conhecemos de perto, que debocharam e tacharam de “analfabetos políticos” aqueles que votaram em Bolsonaro nas últimas eleições, ou que, do alto de seus pedestais, levaram seus “ilustrados” livros debaixo dos braços para debochar dos tais “analfabetos políticos”!

Este tal “estranhamento” é um dos aspectos da separação entre a teoria socialista e o movimento operário, e pode nos fornecer uma das pistas pelas quais o militante comunista típico não é mais a caricatura do “peão de obra” ou “peão de fábrica”, como durante o século XX, mas o estudante de classe média. Podemos concluir até então, mesmo que parcialmente, que o problema da “falta de tempo” parece assumir uma importância pouco relevante diante de graves problemas políticos.

Ainda que não o façam com má intenção, na verdade, muitos militantes que recorrem à “falta de tempo” para justificar a própria letargia, e para explicar o porquê de as massas não aderirem aos comunistas de forma geral, acabam por esconder, sim, problemas políticos muito graves. A teoria da “falta de tempo” é frágil e falsa para explicar o porquê do “corpo mole” e da não adesão ao socialismo.

Peguemos o exemplo do dirigente comunista José Duarte, um dos mais antigos membros do Partido Comunista do Brasil (PCB), que neste ingressou no ano de 1924, dois anos após sua fundação. Nascido numa aldeia de Portugal numa família pobre, veio para o Brasil ainda criança. Ele e sua família, após viverem certo período na cidade de São Paulo, instalaram-se posteriormente em Bauru, interior do estado. Desde os sete ou oito anos de idade, ajudou sua mãe nos cuidados com a lavoura que esta mantinha para poder alimentar a família e complementar o sustento de operário de seu pai. Mais ou menos nesta idade, trabalhou como cortador de lenha e carregador de sacas de café. Com apenas doze anos de idade, trabalhou como caseiro na casa de um ricaço da região, com jornadas de trabalho que não raramente chegavam a dezesseis horas por dia. Vivia então, na prática, como um semi-escravo. Numa época em que a maioria esmagadora das crianças de origem de trabalhadora não tinha o menor acesso sequer à educação, utilizava seus raros tempos livres para tentar se alfabetizar. Com quatorze anos de idade, trabalhou numa serralheria, ganhando um salário muito baixo em razão de sua pouca idade. Aos dezessete anos, arruma emprego como operário ferroviário na Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB), enfrentando também as longuíssimas jornadas de trabalho, de quatorze a dezesseis horas, que então prevaleciam entre o proletariado brasileiro da década de 1920. Com cerca de vinte e cinco anos de idade, já estava casado com sua companheira de vida, Izabel, e era pai de duas crianças. Vejamos que interessante! Um trabalhador comum que nunca frequentou a faculdade e veio se alfabetizar muito tardiamente, que trabalhava longas jornadas que podiam chegar a dezesseis horas, com horário muito apertados de lazer nos fins de semana. Não seria o camarada José Duarte o primeiro a ter direito de reclamar que não podia ser um militante comunista em razão da sua (verdadeira) “falta de tempo”? Pois bem, foi este trabalhador comum, sem faculdade e estudo, sem “tempo”, o mais destacado exemplo de militante herói do Partido Comunista do Brasil. Passou metade de sua vida na clandestinidade; fora preso trinta e seis vezes, passando dezessete anos de sua vida na cadeia; sofrera dezenas de torturas desumanas, bem como incontáveis sequestros e tentativas de fuzilamento. No final de sua vida, com mais de oitenta anos de idade e um sem número de problemas de saúde (sofrera derrames), vivendo com uma ajuda de custo inferior a um salário mínimo, José Duarte mantivera firmemente sua militância. Que banho de lições o camarada Duarte não dá para nossos universitários de classe média, que apesar de disporem dum largo tempo livre e condições de vida muito superiores às de um trabalhador braçal (que tem, além do mais, a preocupação de sustentar sua família), são os que mais reclamam da “falta de tempo” para assumirem tarefas políticas!

Peguemos um exemplo um pouco mais distante, da Rússia. Falemos do camarada Pianitzki, um dos milhões de heróis operários bolcheviques, fundamental para a vitória da Revolução de 1917, infelizmente pouco conhecido em nosso país. Escreveu uma importante autobiografia, “Rompendo a Noite – Memórias de um Bolchevique”, na qual fornece uma série de elementos para refletirmos sobre a questão de nossa letargia. Pianitzki, que nasceu na pequena cidade de Vilkomir, com apenas dezesseis anos saíra da casa dos pais para tornar-se independente financeiramente. Migrou para o distrito de Ponebeje e arrumou trabalho numa pequena fábrica têxtil, com apenas quinze operários. Ele menciona, em sua autobiografia, sobre o quão grande e impressionante era a “ignorância dos operários”, por trabalharem em jornadas de dezoito horas por dia, típicas dos períodos pré-industriais, e ainda assim ficarem muito satisfeitos apenas por estarem trabalhando. Dado que seu salário de menino era insuficiente para que alugasse um quarto, dormia na mesa do escritório de seu patrão, na própria fábrica. Porém, dado que seu chefe frequentemente tinha de lidar com papeladas e estudar a situação da empresa madrugadas adentro, o camarada Pianitzki dormia embaixo da mesa. E fora sob esta situação, trabalhando dezoito horas por dia, sem o mínimo tempo sequer para dormir e até mesmo sem uma cama, que entrara em contato com o movimento revolucionário. Seguindo em seus relatos, Pianitzki conta que era comum, na época, que os trabalhadores abandonassem seus postos de trabalho para comparecerem às imensas e combativas manifestações convocadas clandestinamente, ou que quando havia um boato de que passariam pelas cidades dirigentes revolucionários escoltados pela polícia, também deixavam o serviço para atacar a polícia e resgatar os camaradas presos. [2] Obviamente, esses atos de disposição e heroísmo não eram levados a cabo sem consequências muito graves, como prisões, assassinatos de dirigentes, deportações para a Sibéria e o exterior, etc. Pianitzki mesmo, ao desenvolver-se como dirigente bolchevique e cumprir sem hesitar as tarefas que lhe eram dadas pelo Partido, frequentemente era obrigado a deixar de comparecer por dias ao trabalho, o que acabou levando a demissões consecutivas, dificuldades para arranjar algum novo emprego e, consequentemente, muitos anos vivendo sob a miséria, fome e condições de vida extremamente difíceis. Nem mesmo tamanhas dificuldades tiraram ou fizeram Pianitzki se ausentar da luta revolucionária. É impressionante constatar que, na Rússia, houve comunistas que conduziram o trabalho revolucionário sob condições ainda mais difíceis que Pianitzki.

É importante darmos também exemplos de outros países da América Latina fora o nosso. O grande líder da guerra popular e da luta de libertação do povo da Nicarágua, Carlos Fonseca – principal fundador da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) – também é um dos exemplos que põe de lado a noção da “falta de tempo” para a militância. Mesmo vindo de uma família muito empobrecida, Fonseca desenvolveu sua consciência política não no movimento operário, mas no movimento estudantil, inicialmente como membro do Partido Socialista da Nicarágua (PSN) desde a década de 1950. Ganhou fama no movimento estudantil do Instituto Nacional de Matagalpa por seu comportamento rígido e disciplinado – quase asceta, conforme colocam diversos de seus biógrafos –, que frequentemente entrava em atrito com diversos companheiros seus que, utilizando também o pretexto de “falta de tempo”, deixavam de cumprir tarefas políticas ou de comparecer a reuniões para irem a festas. No final da década de 1950, Fonseca abandonou os estudos para se unir ao movimento revolucionário armado (completamente por fora do Partido Socialista com o qual Fonseca romperia anos depois) que buscava derrubar o ditador fantoche do imperialismo norte-americano Anastasio Somoza a partir de uma insurgência que se iniciaria na fronteira entre o norte da Nicarágua e o sul de Honduras. O pequeno destacamento armado insurgente do qual participava Fonseca terminaria surpreendido e emboscado pelas tropas da Guarda Nacional de Somoza, o que levou à morte a maioria dos guerrilheiros e feriu gravemente Fonseca e outros. Mesmo que quase tenha morrido na emboscada, este acontecimento, longe de “domesticar” a consciência revolucionária de Fonseca, tornou-a ainda mais radical. Ao saber disso, sua mãe repreendeu-o numa carta, na qual criticou-o por ser “irresponsável” e que, se tivesse ingressado na faculdade, na sua idade de então já seria um importante advogado, ao que ele a respondeu numa outra carta: “Já existem advogados demais na Nicarágua, mas poucos revolucionários. Por isso, serei revolucionário e não advogado.”

Poderíamos aqui citar mais centenas de exemplos para sustentar os seguintes pontos: 1) a resposta para entendermos o porquê da existência de certo imobilismo e letargia verificados nos membros e dirigentes dos movimentos de massas, e também em certa parcela de nosso povo, deve ser buscada, portanto, não na “falta de tempo” das pessoas para a luta política, mas nas próprias debilidades no terreno ideológico e programático que prevalecem nos movimentos, logo, a resposta não deveria ser “as pessoas não se dedicam porque não tem tempo”, mas ao contrário, deve-se recorrer à pergunta “o que faz as pessoas não dedicarem seu tempo à luta e à militância?”; 2) a separação entre a teoria socialista e o movimento operário de nosso país, que remonta principalmente à década de 1970, com a liquidação do Partido Comunista do Brasil (PC do Brasil), é o fator chave do qual deriva o primeiro ponto que citamos, como as debilidades de ordem político-ideológica, e a separação entre a teoria socialista e o movimento operário deve ser compreendida não só sentido deste não se apoderar da teoria socialista, como também sob o aspecto de que o setor que de forma geral se apropria da teoria socialista – a intelectualidade burguesa –, apropria-se na verdade das diversas formas de revisionismo.

Ponderações, mais reflexões e possíveis encaminhamentos práticos e teóricos

Para sustentarmos o posicionamento de que a falta de disposição política por parte dos militantes e certos setores das massas não reside na falta de tempo, como em geral se fala, recorremos a exemplos de disposição e heroísmo no seio do movimento comunista internacional em períodos nos quais, em tese, havia muito menos “tempo disponível” que nos dias de hoje. É possível falar em anacronismo, no caso da comparação, pelo fato de os três exemplos citados serem supostamente tão diferentes da realidade que vivemos hoje? Se há obviamente diferenças, em que termos diferem da realidade do proletariado e do povo brasileiros atualmente? Vejamos. Os três grandes dirigentes citados como exemplo, incluindo o dirigente do Partido Comunista do Brasil, não compartilham conosco um contexto de crise brutal do sistema capitalista, miséria e empobrecimento das massas, bem como uma insatisfação geral com o sistema político prevalente (ainda que manifestada de forma difusa, genérica)? Até mesmo se formos comparar em termos de repressão política, as condições para atualmente conduzirmos um trabalho agitativo e propagandístico entre as massas de forma aberta estão muito mais favoráveis que no Brasil dos anos 1920, na Rússia do início do século XX ou na Nicarágua somozista da década de 1950.

Apesar destas constatações, seríamos dogmáticos se não reconhecêssemos grandes diferenças entre as condições para a condução do trabalho político entre as massas nos períodos citados e nos dias de hoje. Um dos pontos importantes que podemos enfatizar é o papel do que se entende como “indústria cultural” na conformação da subjetividade de bilhões de seres humanos, o que inclui o povo brasileiro. Se é verdade que nos períodos citados já havia formas recorrentes de enganar e alienar da realidade concreta as massas trabalhadoras, como a religião, bebida, boatos, imprensa reacionária, dentre outros meios, em nossos tempos estes meios há muito existentes somam-se aos conglomerados mundiais que, a 24 horas por dia e sete dias por semana, em escala industrial, produzem e disseminam mundialmente, principalmente por meio da Internet e redes sociais, todo tipo de subculturas decadentes pequeno-burguesas que, aberta ou veladamente, promovem o individualismo, hedonismo, consumismo, anticomunismo, americanismo, globalismo, e outros valores que dificultam em muito a disseminação entre as massas de uma consciência revolucionária ou democrático-nacional. Podemos observar, no caso do nosso país, sobre como a própria difusão do neopentecostalismo é parte integrante da indústria cultural, disseminando-se também em escala industrial. Assim sendo, o papel da indústria cultural é algo a ser levado completamente em conta pelos comunistas e democratas em seu trabalho político. É importante para conduzirmos uma discussão a este respeito a leitura do artigo “Sobre a ofensiva cultural imperialista”, escrito pela camarada Julieta de Lima Sison.

Outro dos grandes obstáculos que se colocam diante dos revolucionários na luta para desenvolver entre as massas uma consciência política socialista ou nacional-democrática está na contrarrevolução permanente que vem se arrastando com mais vigor desde o ano de 1991, com a queda da União Soviética e dos países do bloco soviético do leste da Europa;

Obviamente, o fato de constatarmos que a falta de tempo disponível não justifica de nenhuma forma a ausência da luta política ou uma militância frouxa e disciplinada não significa que defendamos a ideia de ser possível, para um militante ou um conjunto de militantes, fazer absolutamente tudo, “dar um passo maior que a perna”. A questão fundamental para nós se apresenta no sentido de, para um revolucionário ou militante de massas, submeter e subordinar a vida pessoal às necessidades da luta popular, identificar e organizar corretamente aspectos de sua vida como trabalho, moradia, família, etc. para melhor servir à luta, e sempre lutar para cultivar e disseminar o espírito de sacrifício, devoção à revolução. De que maneira meu trabalho remunerado ou local de moradia podem servir à luta política? De que maneira minha própria rotina diária pode ser utilizada de maneira a contribuir de forma militante? Quais “brechas” do meu dia posso utilizar para leituras políticas?

Uma outra forma possível de resolver o problema da “falta de tempo” poderia ser, por exemplo, pensar acerca de formas de profissionalizar um determinado número de militantes, por menor que seja, que não tenham outra ocupação que não o trabalho político. É certo que esta medida esbarra em duas dificuldades principais, quer dizer, encontrar pessoas muito convictas que estejam dispostas a se profissionalizar (dado que a luta política exige um trabalho muito persistente, e os militantes profissionais apenas podem ter condições de vida extremamente modestas), e na falta de recursos financeiros dos grupos militantes, mas que ainda assim deve ser levada em conta como meio para a resolução do problema. No próprio “O que fazer?”, Lênin mostra como os economicistas sustentavam que os operários, em virtude de trabalharem mais de 11 horas diárias nas fábricas, não tinham condição de cumprir mais que o papel de agitadores, argumento ao qual ele respondia colocando que se um operário se mostra talentoso e disposto para ser um agitador das massas e cumpre um papel importante na luta, ele não deve trabalhar 11 horas por dia na fábrica, e deve viver por conta do coletivo para que cumpra seu papel como revolucionário.

Questão também a ser levada em conta é como resolver o problema de socorrer companheiros e companheiras que passem por situação de fragilidade financeira ou familiar. Num país que passa por uma crise profundíssima de seu capitalismo burocrático, onde persiste e se agrava o fenômeno do desemprego e semidesemprego em massa, pior ainda entre a juventude trabalhadora, certamente já nos deparamos com situações nas quais a dedicação às tarefas militantes é entravada por conta da necessidade de se deixar currículos todos os dias nas empresas ou de recorrer a formas muito precárias de fonte de renda como comércio informal, serviços de longa jornada e muito mal remunerados, falta de dinheiro até mesmo para apanharem um transporte público até os locais de reunião, etc. Neste caso, tratando-se da juventude ou não, podemos utilizar como exemplo a própria NOVACULTURA.info, que para prestar ajuda aos companheiros que passam por fragilidades financeiras, reparte com estes os lucros nas vendas dos livros em bancas ou eventos, permitindo a estes companheiros que não apenas cumpram seu dever militante de divulgar a literatura revolucionária como, também, consigam uma fonte de renda, ainda que extremamente limitada, para contribuir com as contas das respectivas famílias. Os movimentos de massas de luta pela terra no campo e na cidade, aparentemente, têm conseguido resolver bem este problema. É de se impressionar como muitas mães solteiras, que cuidam sozinhas de seus filhos – contrariamente à narrativa pequeno-burguesa da “falta de tempo” –, têm assumido uma posição de linha frente na luta pela terra. É também admirável que nos movimentos de massas muitos companheiros e companheiras solteiros ou sem filhos estejam se especializando nos cuidados das crianças para aliviar o ônus das mães solteiras e criar mais facilidades para que estas assumam mais responsabilidades na luta popular.

Para que tais noções fiquem mais claras para nós, é importante que façamos também leituras para tirarmos de nossas cabeças a ideia errada segundo a qual a revolução não pode triunfar em países onde as pessoas trabalham demais (ao contrário, triunfaram justo nos países onde as pessoas trabalhavam muito e eram tremendamente exploradas).

A grande obra literária de Gorki, “A mãe”, conta de forma realista e nunca romantizada sobre como a classe operária russa foi mobilizada para a luta revolucionária bolchevique, sobre como milhões de operários atravessando um sem número de dificuldades e sem acesso a estudos primário se tornaram os maiores intelectuais revolucionários capazes de debater os problemas políticos e econômicos mais complexos. “Rompendo a noite – Memórias de um bolchevique”, escrita pelo velho bolchevique Pianitzki, também é uma leitura necessária para compreendermos a questão do heroísmo e do espírito de sacrifício, sobre como um conjunto de homens e mulheres combatentes abriram mão de tudo para se dedicarem à grande causa da libertação da humanidade trabalhadora, superando todo tipo de dificuldades inimagináveis para nossa geração de jovens revolucionários brasileiros que viveu, até há poucos anos, sob condições de um desenvolvimento pacífico ou semi-pacífico da luta de classes. Livros como “A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde”, escrito pelo dirigente da FSLN Omar Cabezas, e “Carlos Fonseca e a Revolução Nicaraguense”, de Marta Zimmermann, tratam sobre as minúcias e o dia-a-dia da construção da guerra popular na Nicarágua, até mesmo em termos de anedotas, falando inclusive sobre debilidades de lá, durante os anos 1960 e 1970, e se repetem frequentemente aqui na militância de nosso país. Por último, é muito importante o estudo do livro “José Duarte – Um maquinista da História”, que trata da vida de lutas e combates deste histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil, sobre como um grande homem dedicou o precioso tempo de toda sua vida à causa revolucionária do povo brasileiro.

Notas

[1] Já dizia um conhecido dirigente comunista que a teoria se torna uma força material quando se apodera das massas.

[2] Nas polêmicas travadas na época com a corrente conhecida como “economicismo”, Lênin em “O que fazer?” tratava das indagações destes que sustentavam que os operários tinham disposição apenas para se envolverem em lutas pelas melhorias de suas condições imediatas de vida (isto é, por aumentos salariais, melhorias na legislação trabalhista, etc.), não tendo nenhum interesse em conduzirem lutas que “não prometessem resultados plausíveis”. Lênin respondia citando o exemplo da luta dos operários russos, nos anos 1900-1901, contra o recrutamento forçado dos estudantes para o exército czarista, sobre como aqueles responderam empolgadamente ao chamado dos bolcheviques para que deixassem seus postos de trabalho e atacassem os soldados do exército czarista que estavam invadindo as universidades, luta esta que na época deu origem a um grande movimento de massas que uniu estudantes e operários na luta contra o regime czarista. Ainda que tenha sido uma luta que não gerou quaisquer “resultados plausíveis” como aumentos salariais, certamente os operários russos da época agiram com muito mais interesse, seriedade e disciplina ao chamado dos bolcheviques para saírem em defesa dos estudantes do que hoje agem os operários brasileiros com desdém diante dos chamados das centrais sindicais pelegas que falam na eterna “luta por direitos” que, mesmo prometendo “resultados plausíveis e para agora”, muitas vezes não mobilizam as massas sequer minimamente.


PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 2019

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