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Amílcar Cabral: "Saudação no Seminário de Quadros"


Camaradas, ontem tive ocasião de vos encontrar para uma reunião preparatória, para este seminário, e eu saudei-vos.

Hoje, estão aqui mais camaradas e, além disso, vocês, que foram chamados para este seminário, é com o maior prazer que volto a saudar-vos, juntamente com todos os outros camaradas que assistem a este seminário.

Saudo-vos em nome da Direção do nosso Partido e em meu nome pessoal, dizendo aos camaradas que damos a maior importância à sua presença neste seminário, tanto para a nossa luta em geral, portanto para a vida e ação do nosso Partido, como para o presente e o futuro de cada um dos camaradas, como militantes ou combatentes do nosso Partido e como homens e mulheres que podem valer cada dia mais para a libertação e o progresso do nosso povo, na Guiné e Cabo Verde.

Temos bastante alegria em encontrarmo-nos com os camaradas, na sua maioria jovens, na sua maioria responsáveis, já com responsabilidades que contam muito para o avanço da nossa luta, seja no plano político ou militar, seja noutros planos da nossa vida nas áreas libertadas da nossa terra. Tenho a esperança de que cada camarada que toma parte neste seminário, será capaz de realizar na sua cabeça o valor deste nosso encontro e será capaz de tirar dele todas as lições, todo o rendimento, que é preciso tirar, embora não tenhamos tempo bastante para nos sentarmos aqui muitos dias com os camaradas. Temos portanto, que fazer o nosso seminário — como vocês viram na ordem de trabalhos — em quatro dias no máximo.

É pena que outros dirigentes do nosso Partido, além dos que estão presentes, não podem assistir a este seminário. Não podíamos parar a luta, nem dentro nem fora da nossa terra, e portanto, enquanto eu e alguns dirigentes estamos neste seminário, é preciso que outros façam também o seu trabalho para a luta não parar. É pena, porque de facto podia ter grande interesse a presença de mais dirigentes. Mas alguns camaradas estão em missão no estrangeiro — missão que tinham que fazer precisamente nesta altura — outros camaradas estão fortemente pegados no trabalho da nossa luta, particularmente na luta armada, quer para dar maiores golpes ao inimigo, quer para avançar na frente de luta, para mais perto da retaguarda do inimigo, quer ainda para garantir o abastecimento permanente das nossas frentes de luta e responder também a todas as necessidades da nossa ação tanto no plano interior como no plano exterior.

Temos a certeza de que esses camaradas dirigentes lamentam, como nós, o facto de não poderem estar presentes, mas eu tenho a certeza de que, com os documentos que sairão daqui, com as lições que vão sair daqui e de que todos esses camaradas terão conhecimento, eles também irão tirar um grande proveito deste seminário.

É pena que, ou por falta de compreensão ou por atrasos derivados das dificuldades da nossa vida e da nossa luta, alguns camaradas que foram chamados para este seminário não vieram. Eu estou crente de que é por dificuldades próprias à nossa luta. Temos pena que esses camaradas que não puderam vir tenham perdido esta oportunidade de mais um contacto direto com as ideias, princípios, problemas e resolução de problemas importantes da nossa luta, que poderão contribuir, desde já, para melhorar muito a sua capacidade de trabalho ao serviço do nosso Partido. Temos esperança, todavia, que os documentos que temos de fazer, a partir dos trabalhos deste seminário, vão-lhes servir também, e talvez não tarde muito, tenhamos tempo e oportunidade de fazer outro seminário em que esses camaradas que faltam hoje, poderão estar presentes.

Outra coisa de que temos pena é de que a presença das nossas camaradas mulheres seja tão fraca neste seminário. Foi uma falta da nossa direção que convocou principalmente quadros formados em certos ramos ou trabalhando em certos ramos, ramos esses em que as nossas raparigas ou as nossas mulheres em geral quase não estão presentes ou são muito poucas. Os nossos dirigentes, nalgumas áreas, não se lembraram de tomar a iniciativa de incluir algumas camaradas mulheres, no grupo de camaradas que vieram dum lado ou doutro, para este seminário. Felizmente, o Norte lembrou-se de mandar algumas, e incluímos algumas outras. Mas, de qualquer maneira, é bastante pouco para representar de algum modo, aquele papel de tão grande importância que as mulheres da nossa torra, sobretudo aquelas mais novas, militantes do nosso Partido, quadros ou trabalhadoras do Partido, têm desempenhado e desempenharão, para o desenvolvimento da nossa luta e a vitória do nosso Partido.

Camaradas,

Com bastante prazer, saúdo particularmente alguns camaradas que chegaram de viagem e que não estavam, portanto, entre nós, e que voltaram para o nosso meio depois de terminarem os seus estudos. Vocês estão a vê-los, são os nossos camaradas Crua Pinto que completou os seus estudos na Alemanha Democrática, como diplomado ou doutor em Direito Internacional, e o nosso camarada Victor Vamaim que terminou os seus estudos na União Soviética, como engenheiro mecânico. Em nome do todos os camaradas os saudamos, desejando-lhes grande sucesso no seu trabalho como militantes do nosso Partido e como profissionais, filhos do nosso povo.


Nesta sala, há outros camaradas que estão no nosso meio já há algum tempo, que também fizeram os seus estudos — por exemplo, Silvano Rodrigues que é médico e o camarada Gil Fernandes que se formou em Sociologia. Queremos somente saudar os camaradas em none de todos vocês e apresentar-lhes os nossos melhores votos.

Camaradas,

Nós estamos neste seminário para trabalhar, e neste mesmo momento, camaradas nossos com vários tipos de armas na mão, atacam os colonialistas portugueses ou nos seus quartéis de "timba-corredores” como diz a nossa Rádio, ou nas suas tentativas de fazer terrorismo contra o nosso povo com os seus helicópteros, com os seus barcos, com as suas manhas de colonialistas criminosos. Os colonialistas tem medo da ação dos nossos combatentes e essa ação é fundamental, é decisiva para o avanço da nossa luta de libertação Nacional. Mas os camaradas podem estar certos de que, se os colonialistas portugueses, alguns dos seus chefes, tivessem a oportunidade de chegar a esta sala o ver-nos sentados, a fazer um seminário com esta ordem de trabalhos que acabamos de aprovar, e com camaradas como vocês, sentados aqui, nós todos juntos aqui, eu digo-vos que eles ficariam ainda com mais medo do que o que têm das nossas bazucas, dos nossos canhões ou das nossas armas ligeiras, de que o medo que têm dos nossos combatentes.

Camaradas,

Os colonialistas portugueses sabem muito bem o que se passa, não são burros, podem ser teimosos mas não são burros. Eles sabem que os combatentes e as armas, de facto, podem ganhar uma guerra, mas não ganham a libertação de um povo. Na verdade, o progresso de um povo e mesmo o uso das armas para ganhar a guerra, são possíveis porque o homem é que vale para isso. O que vale é a cabeça do homem e os colonialistas portugueses sabem que quanto mais forte for a nossa cabeça, quanto maior for a nossa consciência, quanto mais claramente cada um de nós souber o que é que nós queremos, de onde vimos e para onde vamos, mais difícil para eles é continuar a dominar o nosso povo. Mas mais ainda: mais fácil para nós, ou menos difícil para nós, é ganhar a guerra de libertação nacional, para garantir ao nosso povo uma vida de trabalho, de dignidade, de justiça, como o nosso Partido deseja.

Os colonialistas portuguesas sabem, e felizmente nós sabemos cada dia mais, que um homem ou uma mulher vale, por aquele conjunto de ideias, aquela força de ideias que têm na cabeça. E eles sabem bem que um seminário, como este, vai reforçar, desenvolver cada vez mais na cabeça, no espírito dos nossos camaradas, não só a sua decisão de dar a vida pela causa do nosso Partido, mas a sua certeza, o seu conhecimento sobre o caminho do nosso Partido, a situação concreta da nossa luta, a situação do nosso povo, a nossa situação na África e no Mundo, a situação do nosso inimigo e, na etapa atual da nossa marcha para a liberdade, onde estamos e para onde vamos. Isso, camaradas, é uma coisa que pode meter medo aos colonialistas portugueses. Mas eles teriam mais medo ainda, se vissem claro aqui, a seriedade desta reunião, a determinação que está na cara dos camaradas, a vontade que vemos claro em cada um, não só de compreender mas de compreender para servir melhor ainda. É pena que de fato — eu tenho repetido isso muitas vezes — é pena que para as nossas reuniões, para os nossos trabalhos, assim, destinados a melhorar os nossos conhecimentos, não podemos convidar os colonialistas portugueses.

Nós queremos que vocês entendam este seminário como um acontecimento que marca um dado estádio de evolução da nossa luta, de avanço da nossa luta, não o fazemos por capricho. E também não o fazemos por necessidade de conhecer os camaradas. Fazemo-lo e vamos fazê-lo até o fim, para tirarmos dele o máximo proveito, porque é uma necessidade da nossa luta. Este é o primeiro de um grupo de seminários que temos que fazer nos próximos meses, para podemos transformar a nossa luta mais ainda, dar mais passos para a frente, ao serviço do nosso Partido, portanto, como vocês todos sabem hoje, ao serviço do nosso povo, na Guiné e em Cabo Verde.

Quem é a maioria das pessoas que participam neste seminário?

Resolvemos chamar para este seminário alguns camaradas que, tendo sido antes, em geral, ou combatentes, ou militantes do Partido em qualquer ramo, receberam uma preparação para melhorar a sua formação de maneira a servirem melhor a nossa luta, tanto no plano político como militar ou noutros planos da nossa atividade. Chamamos também alguns camaradas jovens que têm mostrado capacidade de trabalho, compreensão das palavras de ordem do Partido e têm tentado cumprir dentro das suas possibilidades. Além disso, também vieram para o seminário, alguns camaradas já mais antigos, responsáveis do nosso Partido. Quase todos os camaradas que estão aqui, filhos do nosso povo, da nossa terra, não tinham nada praticamente antes da nossa luta, antes do nosso Partido. Os rapazes da cidade, de Bissau, de Bissorã, de Mansoa ou de Catió, os rapazes do mato, de qualquer sítio da nossa terra, tinham o seu destino rareado pelas mãos dos colonialistas portugueses. E aqueles de Cabo Verde que estão aqui, como os da Guiné, da cidade ou do campo de Cabo Verde, tinham também, em qualquer ilha que estivessem, ou mesmo estando fora da nossa terra, o seu destino marcado pela mesma marca dos colonialistas portugueses que não deixaram nem na Guiné nem em Cabo Verde, os filhos do nosso povo levantarem-se para desenvolver a sua personalidade, para servir o melhor que podem os interesses do nosso povo, no caminho do progresso e da felicidade que todos os povos do mundo merecem. Alguns foram à escola mais do que outros, mas em geral todos foram muito pouco à escola. E alguns compreenderam melhor as lições da escola já dentro do quadro da nossa luta, portanto debaixo da bandeira do nosso Partido. Cada um pode pensar: quem é a minha mãe, quem é o meu pai? A minha avó, donde é que eu saí? Cada um pode pensar no seu destino de ontem e no seu destino de hoje, que o nosso Partido criou, à custa de trabalho e de sacrifício, dentro da nossa luta.


Hoje, cada um, homem ou mulher, tem o sou destino na palma da sua mão. Pode levantá-lo bem alto e ser um filho de valor do nosso povo, para servir portanto melhor o nosso povo na Guiné e em Cabo Verde, como pode também pegar o seu destino na mão e dar-lhe um pontapé como qualquer menino joga uma bola. Já há muito tempo que contámos aos camaradas que com o nosso Partido, cada ser humano, na Guiné ou em Cabo Verde, tomou o seu destino na sua não. Cada um tem o caminho aberto para avançar, para um lado ou para o outro, conforme quiser, conforme a sua consciência, conforme o seu trabalho. Pode ser cachorro ou pode ser homem ou mulher de valor. Hoje, desde que o nosso Partido foi criado e vocês, que aqui estão são a prova concreta disso, não há na nossa terra mais ninguém que ao nascer, toda a gente sabe o que é que ele será quando tiver 15 anos, 20 anos, 30 anos, ou quando morrer. Muito dos que estão aqui sentados, podem saber o que estariam a fazer hoje se o nosso Partido não existisse : ou estavam lavrando bolanhas, ou eram carpinteiros na cidade, ou eram criados do Sr. Joaquim qualquer coisa, ou eram cipaios em qualquer porto administrativo, e isso seria já uma grande sorte; ou estariam em São Tomé ou em Angola, como contratados caboverdeanos, ou passando todos os sofrimentos, embora pudessem vestir-se bem, comer bem, na terra dos outros. Ou então mulheres desgraçadas no meio do nosso mato, ou então carregando pedras para construir estradas dos tugas, pagando impostos. Quando muito, um ou outro podia ter a sorte de conseguir estudar um bocado, para avançar mais um bocado. Mas era tão raro, camaradas.

Hoje não. Cada um conquistou um caminho na sua vida e tem a certeza de que, se não sair desse caminho, pode ir onde a sua capacidade o levar. Ninguém lhe tapará mais o seu caminho. Isso, mesmo para todos os filhos da nossa terra, tanto para os que estão no nosso Partido como para aqueles que estão ainda com os tugas. Quem está junto do nosso Partido já conquistou os seus direitos de homem ou de mulher dignos. Depende só da sua vontade avançar ou ficar para trás.

Estão aqui sentados vários jovens de vinte e poucos anos, dirigentes da nossa terra. Alguns de vocês que estão aqui sentados, sabem que nunca houve na nossa terra, qualquer administrador, qualquer chefe de posto, que tivesse tanta autoridade como vocês têm agora diante do nosso povo. Aqueles que estão junto com os portugueses, esses ainda, se estão lá de sua vontade, são cachorros, preferiram o servilismo (catchorindade) a ser homens ou mulheres livres numa terra livre. Talvez ainda mudem. As pessoas mudam à medida que a luta avança. Mas há muitos que ainda estão com os tugas, não por sua vontade, nas porque não podem sair. Para esses o caminho para serem homens ou mulheres livres, está ainda aberto, como para todos nós, camaradas.

Vários camaradas que aqui estão têm dado uma contribuição de valor para a nossa luta. Quero dizer-lhos quanto o nosso Partido tem consciência do valor daqueles militantes que de facto estão a trabalhar a sério, que procurar, cumprir a sério. A nossa luta tem que ser o fruto do trabalho de muitos, camaradas. Na Guiné ou em Cabo Verde, dentro ou fora da nossa terra, só trabalhando muito nós podemos de facto fazer a luta avançar. E a luta tem avançado porque temos trabalhado muito de facto. Por um lado, temos sabido pensar a nossa luta para procuramos encontrar a melhor maneira de resolver os seus problemas. Por outro lado, apesar de todas as dificuldades, todos os obstáculos e todos os sacrifícios, vários camaradas, homens e mulheres, dentro e fora da terra, têm sido capazes de seguir o caminho do nosso Partido, de pôr na prática as ordens, as resoluções e as decisões, que a direcção do nosso Partido tomou para fazer avançar a nossa luta. Em todas as lutas, em todas as empresas do ser humano, em todo o trabalho que o homem faz em conjunto, há sempre uns que trabalham mais do que outros, uns que fazem mais do que outros. Isso é normal. Assim também, neste seminário há pessoas, das quais umas têm trabalhado mais do que outras para o Partido, para a nossa luta, para o nosso povo. O que é importante é que tanto aqueles que trabalham muito como aqueles que trabalham menos, procurem cada dia trabalhar mais, cada dia dar mais da sua cabeça, mais energia, mais esforço, mais sacrifício, melhorar cada dia mais os seus conhecimentos, a sua compreensão dos problemas, a sua disposição para se dar completamente, ao serviço do nosso Partido, servindo portanto o nosso povo.

O nosso Partido tem grande confiança nos nossos camaradas. O principio que o nosso Partido estabeleceu nas relações com todos os militantes, desde o começo da sua vida, é o seguinte: confiamos para poder confiar. Este é que é o nosso principio de relações com os seres humanos, em qualquer empresa em que estejamos. Confiar primeiro, para poder confiar. E hoje é com prazer que eu digo aos camaradas aqui, tanto aqueles que de facto merecem isso como aqueles que ainda não merecem: nos confiamos em vocês. Nós confiamos em que aqueles que têm trabalhado bem são capazes de fazer mais esforço ainda, de melhorar cada vez mais. Como o nosso povo costuma dizer, aqueles que já subiram a palmeira uma vez, são capazes de subir todas as palmeiras. Aqueles que ainda não trabalharam muito, que por uma ou outra razão não têm dado a sua contribuição como deve ser, nós confiamos em como serão capazes de melhorar cada dia mais, reconhecer que não têm trabalhado o suficiente, de reconhecer que outros têm feito a luta, enquanto eles têm enganado. Que tomem consciência, que ponham a mão na consciência, como diz o nosso poeta. Caboverdeano Dambara: "finca pé na tchon", para trabalhar de facto, para lutarem a sério para o povo da sua terra.

Camaradas,

A nossa confiança é ilimitada, tão ilimitada, que não há ninguém no nosso Partido, na nossa luta, que tenta cometido qualquer erro, que nós não voltemos a confiar nele de novo, para abrir caminho para ele avançar. E, entre aqueles aos quais abrimos caminho para avançarem, parece-nos que é nosso dever fundamental, do Partido e meu, como dirigente principal da nossa luta, abrir caminho para a gente nova avançar, passar para diante.

Desgraçado é aquele grupo de dirigentes que querem guardar o lugar só para eles, e que não têm nenhum consciência do seu dever para com o seu povo; desgraçado é aquele grupo de dirigentes que têm medo da gente nova, e que nem que a barba se lhes torne branca, o cabelo branco, nem que envelheçam, querem sempre guardar o seu lugar, tapar o caminho para outros não passarem adiante. Esses são servidores da sua barriga, não são servidores do seu povo. O nosso dever, o meu dever, é o seguinte (e eu tenho-me esforçado para isso sempre): abrir caminho para outros passarem, e sobretudo para os nossos jovens avançarem, para servirem cada vez melhor, para mostrarem a sua capacidade toda inteira, para tomarem conta do nosso Partido, para tomarem conta do nosso povo, na Guiné e em Cabo Verde.

Para nós, camaradas, para a nossa geração, por exemplo, que criou o Partido, o seu trabalho, mais do que libertar a nossa terra, mais do que criar o Partido propriamente, mais do que dirigir esta luta até agora, é garantir um futuro para a nossa terra, futuro na mão do nosso povo através dos seus filhos, futuro para o nosso Partido na mão dos seus militantes.


Temos feito o máximo esforço para isso, e este seminário é, em certa medida, mais um esforço declarado, aberto, claro, para que aqueles jovens do nosso Partido que compreenderam, peguem cada dia mais teso, na certeza de que o seu avanço só depende deles. Ninguém lhes barra o caminho. E nós desejamos, e eu desejo pessoalmente, vê-los amanhã, nos postos mais elevados da direção do nosso Partido e do nosso povo. E isso, camaradas, porque nós estamos convencidos de que, qualquer que seja o valor dos quadros antigos do Partido, os novos é que são e devem ser a garantia do futuro do nosso povo. Todos nós sabemos qual o valor que têm os quadros antigos. E não sou nenhum doido, não sou vaidoso, mas também não sou modesto a ponto de ser burro, eu sei qual o valor que tenho para isto tudo, estou profundamente consciente disso, não é preciso ninguém lembrar-me. Por isso mesmo, é que não preciso nem de gritos, nem de palmas, nem de levantar o meu nome, eu sei qual é o meu valor. E também todos sabemos e sabemos bem, o que valem os camaradas mais antigos do Partido, sejam eles já com cabelos brancos, como Aristides Pereira ou Luis Cabral ou Vasco, sejam ainda mais novos mas já antigos, como Nino, Osvaldo, Chico, Bobô e tantos outros camaradas. Sabemos quanto eles valem como quadros do Partido. Quanto valiam ontem e quanto valem ainda hoje. Mas isso nada seria, se não soubéssemos que eles não podem ser eternos. É preciso que outros avancem para a frente, é preciso que outros avancem para a frente, é preciso abrir caminho para os mais novos. E se não conseguimos isso, estamos só a cansar a nossa cabeça. Seremos afinal como um campo de bananeiras que não deu nenhum pé de banana novo. A bananeira é muito bonita, tem folhas grandes, mas se em cada lugar só há um pé, se não nasceu nenhum pé debaixo dela, então cada uma dá o seu cacho de bananas e acaba. Porque cada pé de bananeira só dá um cacho de bananas. Se não há um pé novo que nasce, não dá mais.

Camaradas,

A nossa consciência nesta luta só vale, se pensamos que o futuro do nosso Partido, o futuro da nossa terra, o futuro do nosso povo, pertence aos camaradas mais novos, aos militantes ou responsáveis mais novos. Mas, nós estamos a ver isso cada dia melhor, o nosso Partido também só pertencerá àqueles filhos da nossa terra, seus militantes, que forem de facto capazes de fazer o nosso Partido cada dia melhor. Todas as oportunidades, todas as possibilidades têm de ser abertas cada dia mais para aqueles militantes sinceros, dedicados de facto ao Partido, honestos, decentes, amigos de facto do nosso povo e não da sua barriga, cumpridores dos seus deveres de facto, respeitadores da direção, mas também respeitadores da sua cabeça, corajosos e não covardes, que sabem usar a autoridade que o Partido lhes deu sem abusar dela. Esses é que têm que tomar conta do Partido cada dia mais.

Sabemos que no passado da nossa luta (e até mesmo no presente da nossa luta) há muitas coisas más. É normal que haja coisas más nas condições da nossa terra, condições da sociedade, da economia e de atraso da nossa terra. É normal que haja coisas más numa luta como a nossa. Felizmente que na nossa luta não há tanta coisa má como noutras lutas. Ou podemos dizer melhor: infelizmente, outros têm mais coisas más de que nós. Mas temos que ter consciência do que temos coisas más. Houve muito mais, mas ainda há. Principalmente ao nível de responsáveis, ao nível de dirigentes. Ora temos que fazer um esforço grande para que os nossos camaradas dirigentes que aparecerão na nossa terra, não venham mais com coisas más. Não queremos isso mais. Por isso mesmo temos a certeza de que dentro do nosso Partido, mesmo talvez neste seminário, há alguns camaradas que talvez fiquem para trás. Em todas as marchas, em todas as lutas duras, como na vida, há sempre uns que ficam para trás, outros que vão para diante. A nossa obrigação, da direção, a minha obrigação de dirigente principal, consciente da nossa situação e das nossas necessidades, é de fazer toda a força para que o número daqueles que vão para diante seja cada dia maior, o número dos que ficam para trás seja cada dia menor. Mas nós vamos abrir bem os olhos, com vigilância, para não deixar passar para a frente nenhum lobo que está camuflado de cordeiro, não queremos isso.

Camaradas,

Porque uma coisa é certa, e este seminário vai prová-lo mais uma vez: temos dito claramente, ou com palavras ou com a caneta, temos contado claramente aos nossos camaradas, o que é que nós queremos, o que é que o nosso Partido quer. E este seminário é mais um prova de que, ao fim o ao cabo, as coisas bem espremidas, é isso que viemos contar novamente aos camaradas. Mas a camaradas livres que podem dizer também aquilo que quiserem, claro, na certeza de que conosco só marcham aqueles que fizerem o que o nosso Partido quer. Por isso mesmo, ou indo para diante ou ficando para trás, nenhum filho da nossa terra, homem ou mulher, pode dizer amanhã: eu fiquei para trás porque não sabia. Como diz o poeta, nunca podemos dizer que a verdade não nos tocou. Talvez vocês a tenham negado, mas ela tocou-vos.

Por isso mesmo é que nós, desde o começo da nossa luta armada, negamos toda a espécie do oportunismo, negamos o oportunismo duma vez para sempre. Oportunismo é aproveitar alguma coisa de favorável para conseguir aquilo que se quer, mas esquecendo os princípios em que se trabalha. Nós negámos camaradas. Puséramos isso claro de todas as maneiras e jeitos, abertamente. O nosso Partido é este, isto é que nós queremos, desta maneira. Quem não quizer, que largue, que vá fazer o seu. Desde o começo da nossa luta foi assim. Estão camaradas que assistiram a muitas reuniões, eles sabem. Há pessoas que deixaram o Partido, quer da Guiné, quer de Cabo Verde, porque eles queriam-me a mim, mas não queriam que ficássemos juntos. Dissemos-lhes claramente: vocês são da Guiné, vocês não querem que lutemos juntos, Guiné e Cabo Verde, vão fazer o vosso Partido só da Guiné, não há problema. Vocês são de Cabo Verde, não querem que lutemos juntos Guiné o Cabo Verde, vão fazer o vosso Partido só de Cabo Verde, deixem-nos em paz. Puséramos claro, desde o principio. Se temos razão, ganhamos.

Há gente neste Partido, havia pelo menos e se há, um dia o veremos, que para eles a luta para a libertação é ter medo de outras pessoas. Por exemplo: nas nossas terras em geral, os que são mais claros um bocadinho, os mulatos, mestiços em geral, tiveram mais possibilidades de ter educação, dadas as condições da nossa terra. Houve um ou outro por exemplo, que a sua preocupação era deixar essa gente para trás, pô-la de lado. Nós disse-mos-lhes claramente, que no nosso Partido não há racismo. Aqui, filho do nosso povo é quem o serve bem, nem que seja branco, como o Zeca por exemplo. Não admitimos aqui nenhum porcaria de escolher cor, porque isso é oportunismo da pior espécie. Quem quer só de preto, preto — que vá fazer o seu. Quem quer só de mulato, que vá fazer o seu. Nós não fazemos isso, porque isso não é o interesse do nosso povo. Nós não estamos a servir a nossa barriga, é o nosso povo que queremos servir.

Mas havia também aqueles que diziam: o melhor é juntarmos só os manjacos, só os pepéis, sé os mandingas. Nós sonos mancanhas, nós é que somos filhos uns dos outros, nós sonos beafadas, irmãos beafadas. E Cabral? não se sabe bem o que ele é. Mas se nós fazemos uma exceção com ele, não é mau. Não camaradas, nós dissemos claro, aqui não há nem manjaco, nem pepel, nem mandinga, nem balanta, nem fula, nem sussu, nem beafada, nem filho de caboverdeano. Aqui o que há é filhos de um povo, Guiné e Cabo Verde, que querem servir. Servir o quê? O nosso Partido. Quem servir o nosso Partido, é o nosso povo que está a servir. Respeito pelos costumes dos manjacos ou mandingas, ou pépéis, ou filhos de caboverdeanos, respeito pelos seus costumes. Quem dança, quem costuma dançar abraçado ao companheiro, que dance assim. Se é a dar com as ancas, que dance assim; se é dança de “N'hai”, que dance assim; se é dança mancanha, que dance assim. As canções dum lado e doutro são diferentes, como quiserem, não há conversa. Mas na política — na luta do nosso povo, não há “raça” nenhuma. Não queremos isso. E quem quer racismo ou tribalismo que vá juntar-se com os oportunistas, que fazem grupos de manjacos no Senegal ou na França. Porque qualquer um que aceite o racismo ou tribalismo na nossa terra, está a destruir o nosso povo, está a fazer o que os imperialistas e colonialistas querem contra o nosso povo. Nós contámos claro já. Recusamos o oportunismo, recusamos os oportunistas.

Houve alguns que se juntaram comigo com a ideia seguinte: eu sei ler, sei escrever, fui mesmo chefe de posto, ou era não sei o quê. Cabral não vai agora fazer a asneira de ir ligar importância a gentes do mato, “indígenas” mais do que a mim. Vieram na ideia de que nós íamos correr com os tugas, para nós, os que estudamos mais e que sabemos usar gravata, tomarmos conta da terra. Enganaram-se. Quando viram que neste Partido, se Bacar tem valor, se Malan tem valor, se N’Bana tem valor, ele é que manda; se para tal coisa é ele que vale mais, é ele que manda, nem que os outros fossem chefes de posto, ou administradores, ou doutores, ele é que manda, alguns foram-se embora e talvez no futuro outros irão.

Mas também há aqueles que não frequentaram muito as escolas e que têm complexos. Nós não queremos doutores aqui. Lá vêm eles com as suas manias de doutores. Então eles pensam que eu sou capaz de defender a ignorância contra o saber. Não, isso é mentira, eu sou contra a ignorância. Não sou contra os ignorantes, nas sou contra a ignorância. E quem não sabe nada hoje, mas vale para nos ajudar muito, que ajude, mas que aprenda mais, porque dia virá, dia virá, de certeza, em que quem não souber, fica para trás e quem não tiver um mínimo de conhecimentos, fica para trás. Por isso é que o Partido diz sempre para cada um fazer força para melhorar a sua cabeça, para estudar cada dia mais. E o Partido está a fazer esforço para mandar gente para preparação disto, daquilo, daquele outro.

Camaradas,

Nós recusamos o oportunismo de todos os lados, de todas as maneiras. E como vocês sabem, recusamos os oportunistas. Não é difícil lembrarem-se daqueles que antes nos acusavam de inimigos dos filhos do povo da Guiné e não sei quê e não sei quê. Hoje, esses estão todos com os tugas, passando para o lado dos tugas, virando cachorros dos tugas, agentes da Pide, ou na Guiné, ou no Senegal, ou na Gambia e às vezes mesmo aqui.

Camaradas,

A nossa luta mostra claro hoje, quem é que quer de facto lutar para O povo da nossa terra. Houve um tempo, em que qualquer um tinha O direito de dizer: — ou estou a lutar pelo povo da minha terra. Eu quero o meu povo, oh meu povo, meu povo. É tão fácil falar de povo, camaradas. Se vocês pensarem um bocado, vocês vêm. Porque povo não é ninguém. Quem é que é povo? Quem mais fala no povo, mais pensa na sua barriga. Hoje, depois de tantos anos de luta, aliás há muito tempo já, todo aquele que tem consciência na nossa terra sabe uma coisa: quem quer lutar para o povo da nossa terra tem que pegar teso no P.A.I.G.C. Ele é que é o povo da nossa terra. Porque ele é que está a realizar, através da luta de sacrifícios e de muito trabalho, as aspirações do nosso povo à liberdade, à paz e ao progresso. Quem não entendeu isso, quem nega isso, hoje, é agente dos tugas. Por isso hoje, para nós, militantes do P.A.I.G.C., como para qualquer filho da nossa terra que é de facto, patriota, amigo do nosso povo na Guiné ou em Cabo Verde, há uma maneira simples, concreta, mas clara e verdadeira, para dizer que tem amor pelo nosso povo. É a seguinte: eu tenho muito amor pelo P.A.I.G.C.

Quem é contra o P.A.I.G.C., é contra os interesses do nosso povo, camaradas, a favor dos tugas. Porque na nossa terra, não há, que escolher hoje. Ouçam a Rádio dos tugas e vejam. Eles falam em mais alguém? Não. Só P.A.I.G.C., P.A.I.G.C, P.A.I.G.C.

Abram os jornais dos tugas e vejam: P.A.I.G.C., P.A.I.G.C., P.A.I.G.C. Na nossa torra não há que escolher, nem na Guiné, nem em Cabo Verde? não há que escolher! Há dias julgaram patrícios de Cabo Verde. "Foram julgados membros do P.A.I.G.C.", dizem em grande os jornais tugas. Não há que escolher, camaradas, não há ilusões. — Eu amo o meu povo, nas não quero o P.A.I.G.C.: mentira. Então os tugas é que eles querem. Como Seni Sané, como esses cachorros que falem na Rádio-Bissau, não é verdade? Como tantos mais. Como até um que fugiu há dias e foi falar na Rádio e disse: “Eu sou filho da Guiné, completo, por isso eu quero o lado dos tugas, dos portugueses”. Isso é verdade. Entendem bem camaradas? Não podemos permitir mais ilusões, nem nós, a direcção, nem vocês, nenhum pode permitir mais ilusões: Ou o P.A.I.G.C. ou os criminosos colonialistas portugueses.

Camaradas,

Vocês, estão aqui, estão presentes alguns militantes do Partido que tiveram oportunidade de ir estudar, que tiraram cursos superiores ou outros, e voltaram. Para mim é um prazer grande sentir que, nem eles vieram com complexos, nem vocês têm complexos em relação a eles. Para mim é um prazer grande sentir que vocês, tantos que estão aqui sentados, que também tinham o 2º grau, que também queriam ir estudar (aliás devemos dizer claro, que ainda há alguns de vocês que estão aqui e que o seu sonho é só ir estudar), nas vocês foram capazes de pegar teso no trabalho do nosso Partido, de sofrer todos os sacrifícios que foram necessários, no meio do mato, quer como guerrilheiros, como membros do Exército, no norte ou no sul ou no leste da nossa terra, como enfermeiros, como professores, como políticos, como membros de segurança, tendo ou não saído para fazer uma preparação, foram capazes do aguentar teso no nosso trabalho para avançar na nossa luta, enquanto outros camaradas, iam estudar.

Mas para mim também é um prazer saber que esses que foram estudar, cumpriram o seu dever. E o estudo é um aspecto também da nossa luta. E voltando como eles voltaram,eles vêm engrossar as nossas fileiras, juntar cabeça com cabeça para avançarmos cada vez mais, no respeito pela direcção do nosso Partido, no respeito da linha do nosso Partido, no cumprimento do programa do nosso Partido, que é realizar a libertação, a paz e o progresso e a felicidade do posso povo, camaradas. Tanto a uns como a outros, devo chamar-lhes a atenção mais uma vez, neste momento em que vos saúdo aqui, para o facto de que é preciso estudar, estudar cada dia mais, estudar as palavras de ordem do Partido, estudar os documentos do nosso Partido, estudar os livros que o Partido nos puder dar, melhorar a vossa maneira de escrever, melhorar a vossa maneira de ler, a vossa capacidade de ler, enquanto vão cumprindo as palavras de ordem do Partido. Um homem que quer servir o seu povo a serio, como militante do nosso Partido, deve ter sempre tempo para estudar, para avançar para a frente.

Os camaradas devem evitar perder tempo nas conversas, na brincadeira, em andar atrás de mulheres, na boa-vai-ela e outras tantas coisas. Quem tem tempo nesta luta para arranjar mulheres e filhos, embora isso seja uma coisa natural, deve ter também tempo para melhorar a sua cabeça. Por isso, acabo a minha saudação dizendo aos camaradas o seguinte: na frente de batalha ou na instrução, na saúde ou na segurança, no trabalho político que é o mais importante da nossa luta, ou no simples carregar qualquer coisa dentro do nosso trabalho, que também é importante; trabalhando dentro ou fora da nossa terra ao serviço da nossa luta, cada um dos camaradas deve fazer sempre esforço para cada dia melhorar a sua cabeça. Desejo-lhes tanta saúde como aprendizagem, porque uma coisa é verdade: se um povo quer ir para a frente, os seus filhos ou militantes de um Partido como nós, responsáveis, dirigentes, devem ser capazes do cada dia mais andar para frente também, eles mesmos. Porque as exigências da luta são cada dia maiores. Luta que não acaba quando corrermos com os tugas, que não acaba quando tomarmos conta da nossa terra completamente — mas pelo contrário, então é que vai começar no duro — para o progresso e felicidade do nosso povo.

Gente como nós, nunca pode parar de aprender cada dia mais. As exigências são cada dia maiores. Portanto, o este é o voto que eu faço aos camaradas: saúde e aprendizagem. Aprender na prática da vida, aprender na teoria, aprender com a experiência dos outros. Isso é muito importante, para garantir aos camaradas que vocês e outros como vocês, podem de facto desempenhar aquele papel que o Partido deseja para eles. Tomar conta do Partido para amanhã. Tomar conta hoje, aqueles que têm valor, tomar amanhã aqueles que terão valor, para avançarem para a frente com a nossa luta debaixo da bandeira gloriosa do nosso Partido, para servirem de facto, não só a libertação mas principalmente a construção da paz, do progresso e da felicidade do nosso povo na Guiné e em Cabo Verde, camaradas. Esta é a minha saudação.

19 de novembro de 1969

por Amílcar Cabral

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