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Martí: "Um projeto de instrução pública"


Ontem foi aberta na Câmara dos Deputados uma bela campanha. O deputado Juan Palácios prepara-se para expor os fundamentos do projeto de instrução pública que ele vem organizando e estudando há mais de dois anos. A inteligência e a imaginação têm qualidades de essências distintas: o estudo reflexivo, que prejudicaria a imaginação, é necessário e proveitoso à inteligência.

A Comissão muito estudou e debateu o projeto, amadurecendo-o. Poderá ser – e seguramente o é – falível o projeto, mas será sempre respeitável.

Vem a revolucionar a organização atual do ensino, mas revolucioná-la quer dizer estabelecer a ordem. Comove duramente o atual sistema, no entanto o faz pelo bem do país e sob o amparo da lógica e da prática em outras nações.

Não quero me fixar nos defeitos do projeto. Creio que ele os tem, mas suas qualidades são maiores e mais importantes.

Estabelece dois grandes princípios, e ainda que o projeto como um todo fosse inaceitável, estaria a salvo por esses princípios que o apoiam e o engendraram: liberdade de ensino e ensino obrigatório, ou melhor, ensino obrigatório e liberdade de ensino, isto porque aquela tirania saudável tem mais valia que esta liberdade.

Cabe apresentar uma razão em prol do ensino obrigatório? Não, não cabe lembrar mais que um povo, a Alemanha, e um propagador, Tiberghien.

Toda ideia é avalizada por seus bons resultados. Quando todos os homens souberem ler, todos os homens saberão votar, e como a ignorância é a garantia de extravios políticos, a consciência própria e o orgulho da independência garantem o bom exercício da liberdade. Um índio que saiba ler pode ser Benito Juarez; um índio que não foi à escola terá perpetuamente no corpo frágil um espírito adormecido. Até essas palavras me parecem inúteis, tão invulnerável e útil é para mim o ensino obrigatório. Os artigos da fé não desapareceram, mudaram de forma: os relacionados ao dogma católico foram substituídos pelos ensinamentos da razão; o ensino obrigatório é um artigo de fé do novo dogma.

Aqui é preciso interromper essas reflexões e assinalar com regozijo um fato que é uma verdadeira garantia. Em si, é rápido, em seus resultados, será frutífero. Quis lembrar os artigos de fé católicos: minha memória, com a contemplação de todas as religiões, esqueceu-se de suas formas. Perguntei a redatores, funcionários, servidores, oficiais gráficos. A revista La Voz vai sofrer com isso, mas aqueles que amam o México ficarão contentes: não há um único indivíduo na revista que saiba os artigos da fé. Sabem um artigo, o gerador e o salvador, o que nos reconstrói e vigoriza, o Messias de nosso século livre – o trabalho.

Esse fato levaria a considerações distintas das que começaram este boletim.

Fala-se do ensino obrigatório. A brutalidade da Prússia venceu porque é uma brutalidade inteligente. O ministro informou ao Parlamento que todo prussiano sabe ler e escrever.

E que forças não seriam descobertas em nós mesmos se precipitadas as luzes de Victor Hugo sobre nossos oito milhões de habitantes, assim como em todos nós da América do Sul? Não somos ainda suficientemente americanos. Todo povo deve ter sua expressão própria – temos uma vida legada e uma literatura balbuciante. Há na América homens especializados na literatura europeia, mas não temos um literato exclusivamente americano. Há de existir um poeta que assoma sobre os cumes dos Alpes de nossa serra, de nossos altivos rochosos; um historiador potente, mais digno de Bolívar que de Washington, porque a América é o inesperado, a brotação, as revelações, a veemência, e Washington é o herói da calma, formidável mas sossegado, sublime mas tranquilo.

O que não fará entre nós o novo sistema de ensino? Os indígenas nos trazem um novo sistema de vida. Nós estudamos o que nos trazem da França, mas eles nos revelarão o que receberem da natureza. Desses rostos acobreados brotará nova luz. O ensino vai revelá-los a si mesmos. Não nos dará vergonha que um índio venha a beijar nossas mãos; teremos orgulho de que se aproxime para nos dar as suas.

Isso não é um sonho – é o resultado positivo da lei. Que meios, pergunta-se, serão utilizados para cumprir a obrigação? A prisão ou a multa.

O hábito cria uma aparência de justiça; os avanços não têm inimigo maior que o hábito: uma compaixão, às vezes, constitui um grande obstáculo. E como esses homens do campo, que ganham tão pouco, poderão pagar a multa? Pagariam porque preferirão isso a deixar de trabalhar alguns dias, e como não vão mais querer pagá-la, enviarão seus filhos à escola. Explora-se a única coisa sensível: o interesse diário, o alimento diário. O índio os verá ameaçados e fará o que manda a lei.

Um projeto de instrução pública é um viveiro de ideias; cada mirada ao projeto suscita pensamentos novos. Pois os tempos ensinam, e eu, jornalista noviço, aprendi que as informações devem ser simples e expeditas. Obedeço à prática, e deixo para documentos próximos as reflexões que irão me despertar as discussões desse projeto no Congresso.

Revista Universal, México, 1875, pp. 35-38

Escrito por José Martí

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