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Os psicólogos e as tarefas democráticas


Críticas e apontamentos sobre a resistência da categoria aos ataques da reação

Os Psicólogos são parte importante da nossa sociedade. São profissionais presentes na saúde, educação, assistência social e em tantos outros espaços. Onde quer que haja um fervilhar de ação humana, sua presença pode revelar-se pertinente. Fazem parte das classes trabalhadoras e possuem, portanto, um papel a desempenhar na construção de uma nova sociedade.

Não obstante, os profissionais da Psicologia tem sofridos ataques diretos do avanço reacionário que ganhou ímpeto após a concretização do Golpe de Estado em nosso país. Mas sua resistência, enquanto categoria, tem se mostrado inócua e até mesmo inocente, diante da gravidade dos acontecimentos. Discorrer um pouco sobre estes ataques; mapear as formas de resistência correntes e criticá-las; analisar as causas das deficiências organizativas desta categoria, bem como propor esboçadamente uma solução, é o objetivo deste texto.

A questão da política de saúde mental

Primeiramente tratemos das insinuações sobre uma possível mudança na política nacional de saúde mental, anunciadas em uma nota da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde no início de setembro deste ano [1]. Nela, apesar de não ficar explícita as decisões por mudanças radicais nas diretrizes da Reforma Psiquiátrica, identifica-se uma série de deficiências nestes serviços públicos, baseados em um relatório realizado também pelo Ministério. Sobretudo, fala-se de uma suposta má utilização das verbas destinadas para a área e de uma “falta de transparência” por parte destes estabelecimentos (como os CAPS). Por fim, fala-se da criação de um grupo de trabalho, que irá avaliar as questões levantadas e propor “soluções”.

Pelos próprios critérios de qualidade escolhidos no relatório, que priorizam o número de internações, utilização de leitos e notificações de atendimentos como indicadores do bom funcionamento das políticas, anuncia-se quais caminhos tenderão a ser tomados quando propuserem as “soluções”. Na contramão dos avanços científicos e dos movimentos populares de profissionais da saúde, como foi o movimento da Reforma Psiquiátrica, o Ministério tende a resolver o problema abrindo mais leitos de hospitais e favorecendo as parcerias público-privadas com hospitais psiquiátricos, única parte da política que, nesta lógica, parece “funcionar”, uma vez que continuam internando em grande quantidade.

Fica evidente que os próprios critérios e pressuposições destes estudos estão enviesados. De qualquer modo que pensemos, a redução de internações e utilizações de leitos, deveriam ser entendidos como sucesso, não como fracasso da política de saúde mental. Ao contrário da burguesia ligada ao mercado da internação, os trabalhadores da saúde mental querem os usuários fora do isolamento manicomial, dos hospitais e mesmo dos atendimentos psicoterapêuticos. Os querem em plena saúde mental, “livres” de seu sofrimento (em sua forma exacerbada) e inseridos nas comunidades onde eles, seus parentes e amigos vivem. Em suma, querem vê-los como sujeitos, capazes de atuar e influir nas contradições sociais e históricas que os atravessam.

O confinamento manicomial, que atingiu seu apogeu em nosso país na época da ditadura militar, configura clara estratégia social de controle e repressão de parcelas das classes trabalhadoras (e do lumpem) consideradas inaptas ao consumo e à exploração da força de trabalho. São pessoas vistas como inúteis e em grande medida estorvantes para o modo de produção capitalista.

A enorme criatividade burguesa, entretanto, inventou um meio de ampliar a extração da mais-valia a partir destes sujeitos ao criar o “mercado da internação”. Não apenas a partir da exploração direta dos trabalhadores destes locais – que trabalham sem o preparo devido, com baixa remuneração e em condições precárias –, mas também com as diversas parcerias estabelecidas com a indústria farmacêutica, a epidemia manicomial configura uma estratégia social de maximização da exploração da classe trabalhadora como um todo.

As consequências da criação deste tipo de mercado e sua regência a partir da lógica capitalista levaram-nos aos desastres humanos como o acontecido em Barbacena (MG). Essa cidade abrigou o hospital psiquiátrico Colônia, onde mais de 60 mil pessoas morreram entre 1903 e 1980 [2]. As causas das mortes vão dos maus tratos à inanição, compondo um conjunto de atrocidades que não caberiam neste texto. Tratam-se de práticas que devem ser banidas da nova sociedade que deverá ser construída.

A questão da relativização da Resolução 01/99

Outra medida que também deve ser localizada no conjunto do avanço reacionário em nosso país – que possui uma de suas expressões mais perigosas na emergência desenfreada de uma mentalidade retrógrada, obscurantista e até mesmo fascista – foi a decisão da Justiça Federal em acatar parcialmente uma ação movida por certos “profissionais” que buscavam revogar a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (órgão regulador da profissão).

Esta resolução proibia expressamente os Psicólogos de oferecem tratamentos do tipo “cura gay”. Ela ampara-se em um conjunto de estudos científicos de diversas áreas do conhecimento, acumulados por um período de no mínimo 20 anos, que concluem que a homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Neste sentido, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e manuais diagnósticos como DSM, reconhecidos e utilizados em todo o mundo, deixaram de considerar a homossexualidade uma patologia. E isso já faz algum tempo.

Não obstante, no contexto de golpe de Estado enquanto aprofundamento de nossa condição colonial e do retrocesso econômico que ele acarreta, as mentalidades ultra reacionárias, que estavam há algum tempo ofuscadas, ganharam forças renovadas. Foi este contexto político-econômico que criou as condições favoráveis para que este grupo de supostos Psicólogos – pautados nem na ética e nem na ciência da Psicologia, mas única e exclusivamente em suas próprias crenças pessoais e morais – entrassem na justiça contra a resolução e conseguissem uma vitória parcial: não conseguiram revoga-la, mas lograram relativiza-la.

Dessa forma, o Poder Judiciário uma vez mais mostra sua face conservadora, obscurantista e retrógrada. Poucas semanas após julgar como “normal” o caso de um abusador que ejaculou em uma mulher em um ônibus, mantendo-o em liberdade, emitiu uma decisão que abre brechas e protege judicialmente práticas de “cura gay”. Com isso, tratam essa sexualidade como patológica e passível de ser “corrigida”. Devemos extrair as devidas lições destes fatos, uma vez que existe parcela considerável da “esquerda” brasileira que continua a nutrir ilusões pueris sobre o caráter imparcial, ético e quase sacrossanto do Judiciário. Estes “iludidos” são os primeiros a reverenciar a “democracia” burguesa e seu Estado, esquecendo-se que tratam-se de instrumentos eminentemente servis às classes dominantes.

Se entendemos a causa dos direitos LGBT como parte das tarefas democráticas a serem realizadas pela revolução brasileira, devemos entender essa decisão como uma atitude anti-povo, obscurantista e que vai na contramão dos avanços da ciência. Destarte, não pode haver qualquer tipo de vacilação na tomada de posição sobre este assunto.

A resistência dos profissionais da Psicologia e as críticas que cabem

Os órgãos reguladores, sobretudo o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais, ainda que tenham lançado um número de notas contendo uma série de posições corretas sobre ambos os assuntos, pouco fizeram em termos práticos para organizar a categoria em defesa da sua integridade profissional e ética.

No geral, as formas de resistência encontradas por estes órgãos, bem como pelos sindicatos da categoria, foram quase que exclusivamente formais, jurídicas e/ou institucionais. A redação de cartas, notas e abaixo assinados compõem as principais medidas tomadas até o momento. No caso da disputa jurídica em torno da resolução 01/99, o CFP afirmou que irá recorrer em outras instâncias contra a decisão. E nada mais.

No caso das ameaças contra a política de saúde mental existe alguma movimentação prática, sobretudo em algumas cidades onde a Luta Antimanicomial e o movimento da Reforma Psiquiátrica nunca abandonaram as atividades nas ruas, baseadas nas comunidades e na população local. Entretanto, essas ações perdem parte de sua potência por não possuírem uma articulação organizativa a nível nacional. As ações fragmentárias, neste contexto, perdem-se em um turbilhão de acontecimentos e manifestações espontâneas que pipocam diariamente pelo país, sem lograr maior efetividade prática.

Cabe-nos neste momento, explicar as causas dessa desarticulação e da ineficácia das práticas de resistência dos Psicólogos e demais categorias de trabalhadores da saúde mental.

A primeira fraqueza deve-se ao fato de que muitos Psicólogos ainda enxergam-se como ''profissionais liberais'', como pequenos empreendedores que prestam serviços privados em consultórios (pior são os que transpõem essa lógica para os estabelecimentos públicos!). Essa consciência atrasada, além de não condizente com a realidade, determina a passividade e indiferença prática de boa parte dos profissionais neste contexto de retrocessos.

O professor Yamamoto [3] nos traz dados que confirmam o processo de assalariamento na profissão de Psicólogo. Essa tendência já havia sido identificada por profissionais na década de 70 e 80, e continuou de forma acentuada até os dias de hoje, onde 52% dos Psicólogos são assalariados e 48% são autônomos (dados de 2010).

A segunda e principal fraqueza da categoria se explica pelo seu apartamento geral das lutas democráticas das classes trabalhadoras como um todo. Pouco ou quase nada se faz para articular os profissionais da Psicologia com lutas mais amplas; para que componham com lutas sindicais e populares mais gerais.

É evidente que existem muitos Psicólogos que se engajam nas lutas gerais da classe trabalhadora em nosso país. Não são poucos que se posicionam contra as reformas trabalhista e previdenciária; ou que se dedicam à defesa dos direitos dos camponeses, dos sem-teto ou dos povos indígenas. Porém, salvo exceções, estas atitudes acontecem de modo atomizado, por iniciativa individual e espontânea. É inconteste que este engajamento individual (ou singular) é importante; mas não exclui o fato de que a união e a organização são instrumentos indispensáveis para que esta luta tenha alguma chance de sucesso.

Devemos levar em consideração, também, a ineficiência dos sindicatos e órgãos reguladores em mobilizar a própria categoria. São poucos os que dão a devida atenção para os contratos extremamente precarizados que estão sendo estabelecidos pelo poder público com os Psicólogos nos últimos concursos, sobretudo nas esferas municipais. Contratos temporários, mal remunerados e sem garantia de direitos são a dura realidade da maioria dos recém-formados na área. Existem poucas iniciativas que denunciem e defendam efetivamente os profissionais nessa situação.

Por fim, é importante apontarmos que o pensamento materialista-dialético é indispensável para que os profissionais da Psicologia e seus órgãos representativos e reguladores consigam realizar uma leitura correta da realidade, capaz de balizar as críticas e as correções necessárias para a condução destas lutas. Sem a dialética entre o particular e o universal, a categoria continuará enclausurada num atomismo fatal, incapaz de entender a origem dos ataques que lhe afligem e de estabelecer as alianças necessárias para lograr a vitória.

Resumidamente, penso que os Psicólogos devem:

1. Combater e destruir a mentalidade liberal que ainda existe em boa parte dos profissionais;

2. Abandonar toda e qualquer ilusão em relação ao Estado brasileiro, eminentemente reacionário, sobretudo no atual contexto de Golpe de Estado;

3. Aumentar qualitativamente o nível organizativo dos sindicatos e órgãos reguladores;

4. Engajarem-se, como pessoas e como trabalhadores, nas lutas democráticas e progressistas mais amplas das classes populares brasileiras;

5. Estabelecer alianças mais sólidas e profícuas com outras categorias e segmentos populares e progressistas da nossa sociedade;

6. Ampararem-se no materialismo histórico e dialético para estabelecer uma leitura correta da realidade e guiar a prática em todos os âmbitos de ação.

Notas

[1] http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/29448-com-identificacao-de-problemas-ministerio-quer-melhorar-a-execucao-da-saude-mental

[2] Para mais informações sobre o desastre de Barbacena, ver o documentário “Holocausto Brasileiro”, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=CVMGZqV2cP4

[3] http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32nspe/v32speca02.pdf

20 de setembro de 2017

Escrito pelo Camarada GN

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