A Metade do Céu (Claudie Broyelle)

PREFÁCIO
Da crítica da condição feminina à crítica da sociedade
É uma alegria para mim, apresentar este livro. O considero um trabalho excelente, original e indispensável para ajudar a mulheres ocidentais a esclarecer as ideias, às vezes muito confusas, que têm de si mesmas.
É indiscutível que a experiência chinesa, ou melhor, a experiência revolucionária de massas mantida através da Revolução Chinesa, está estreitamente ligada a uma verdadeira libertação da mulher, em todos os sentidos do termo, e desde o princípio.
A revolução socialista na China simplesmente teria sido impossível de ser concebida, se somente tivesse alcançado a metade da população, abandonando a outra metade ao estado de servidão e exploração que é, todavia, o destino das mulheres em todas as partes do mundo. Porém, neste terreno como em muitos outros, os chineses, não procedem nem com a ajuda de esquemas pré-concebidos, nem com oportunismo, nem segundo a ideia de que a libertação das mulheres se obtém só pelo fato de “dar-lhes” a igualdade jurídica e econômica. É a profunda transformação da mulher, do juízo que essa tem sobre si e sobre o grupo, é toda uma reavaliação dos pretensos “valores” atribuídos às relações que a mulher mantém com a sociedade, com a família, com os homens, com sua função de mãe e de esposa assim como de trabalhadora, o que se examina aqui em detalhe e que será uma revelação para numerosas mulheres que querem ver mudar sua condição, mas que, todavia, não têm encontrado em nenhuma parte o caminho para chegar a ele.
Longe de mim a ideia de “olhar do alto” ou de denegrir aos movimentos de libertação das mulheres que surgem hoje em dia em muitos países ocidentais. Como dizia o primeiro ministro Chu En-lai em relação aos jovens, são outras tantas maneiras de buscar um caminho para a verdade. E todos os movimentos autênticos conhecem essas dificuldades no seu começo. A leitura deste livro é necessária também para todas as mulheres que desejam sua libertação, porque explica com grande clareza, através de numerosas histórias e relatos vividos que ilustram as diferentes questões abordadas, a luta das mulheres chinesas nos planos ideológico e material, não somente para transformar a sociedade e fazer a revolução, mas também para transformar a si mesmas. Percebe-se melhor o “grande salto adiante” das mulheres chinesas no fato de que, não somente se libertam para alcançar a igualdade com os homens ou por vantagens econômicas, senão para “fazer a revolução”, para contribuir com a consolidação do socialismo, posto que também dessa maneira é como podem consolidar sua própria libertação e converte-se assim realmente na “metade do céu”.
Devo confessar que lendo este livro descobri numerosas lacunas quanto a minha compreensão sobre as mulheres, pois trazia ainda algumas ideias “feudais” e “retrógradas” sobre a condição feminina. Isto cabe nos limites da minha própria experiência que foi a de uma luta individual por conseguir o direito de me expressar. Devido a esta experiência pessoal, tive uma tendência de ignorar muitos aspectos da opressão feminina. Tendo escapado eu mesmo dela, cheguei a esquecer até que ponto esta é corrosiva. Por isto é que este livro me ensinou muito e agradeço à autora, de todo o coração, ter realizado este trabalho que envolve teoria e prática, que rechaça o paternalismo e a autossatisfação que se pode experimentar dizendo que “o jogo está ganho” ao acreditar que uma vez que a mulher desfruta de um melhor estatuto, já não resta mais nada por alcançar.
Geralmente durante minhas conferências em numerosos países ocidentais, encontro homens e mulheres que parecem convencidos de que “as relações sexuais” e a “liberdade sexual” (isto é, as relações sexuais para as mulheres e as jovens fora dos laços matrimoniais) são o cume da libertação. Como parece que relacionam todas suas esperanças com esta única questão, dão a impressão de acreditar que uma vez alcançada esta meta, tudo mais é de interesse secundário. Tenho combatido esta ideia porque as relações com os homens são funções do sistema social. Por agora vejo que não havia compreendido suficientemente o quanto tem de nefasto nesta “teoria sexual”. O capítulo “A propósito de um debate sobre a sexualidade na China” é uma parte da obra que encontro fundamental para esclarecer este problema.
Espero que todas as mulheres, e também muitos homens, leiam este livro. Em alguns casos talvez se escandalizem (por exemplo, no que se refere ao trabalho doméstico em que a autora pensa que devem participar homens e mulheres igualmente). Porém, é bom recordar-lhes até que ponto se esgota as energias das mulheres nas “insignificâncias” do trabalho doméstico, que até os melhores homens consideram com maior frequência como o “reino das mulheres”. É bom reconsiderar este problema embora a tendência é colocá-lo em termos de “família” provavelmente torne o assunto difícil de assimilar (inevitavelmente uma vez que se atribui às mulheres “aptidões naturais” para serem mães e donas de casa, a tendência a dividir arbitrariamente o trabalho familiar de maneira que repouse inteiramente sobre elas é inevitável).
Claro, haverá sempre uma diferença: por exemplo, os homens jamais conhecerão as dores do parto. Porém, certamente o que se tem que fazer é socializar e reconsiderar, do ponto de vista proletário, a importância e a utilidade da produção nas mulheres, incluindo a procriação, como nos sugerem estas páginas. Espero que este livro, em que todos estes problemas são analisados detalhadamente, faça germinar um grande número de ideias entre todas aquelas mulheres que estão realmente desejosas de mudar a si mesmas, de mudar sua condição e, portanto, de mudar o mundo.
Han Suyin

A METADE DO CÉU: O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO DAS MULHERES NA CHINA
Neste livro que é resultado de uma visita de mulheres militantes francesas à China em 1971 durante a Grande Revolução Cultural Proletária, Claudie Broyelle faz um importante registro de como as mulheres chinesas se dedicaram à construção do socialismo e à luta contra os resquícios do patriarcado que ainda subsistiam. A autora destaca como a luta contra o jugo patriarcal é parte integrante da luta das massas chinesas pela construção do socialismo. A obra registra como se deu a mobilização das mulheres para cumprir as tarefas da revolução proletária e como foi tratado questões específicas como o trabalho doméstico, a divisão do trabalho manual e intelectual, a maternidade, a educação dos filhos, a concepção de família, a sexualidade, entre outras.